quarta-feira, 22 de abril de 2009

Porque quero ser mãe?


Às vezes me pergunto quando passo por algum bebê ou uma mulher grávida e em uma fração de segundo vem aquele pensamento amargo de inveja. Quero tanto ter um filho, quero tanto ser mãe... Mas porque? Porque? Procuro explicações para além do instinto natural de preservar e transferir geneticamente minhas características. Além de conviver com aquele rostinho angelical, além de receber todas atenções quando estiver grávida, dos amigos, da família... Será por solidão? Será que é uma forma mais fácil de me adaptar e finalmente aceitar morar aqui? Será que é para provar para alguém (talvez para eu mesma) que já ultrapassei a adolescência? Será que é para não repetir os mesmos erros da minha mãe?

Minha mãe... É engraçado como só depois de separadas por milhares de quilômetros construímos uma relação. A minha mãe não foi do tipo carinhosa, daquelas mães corujas que elogiam e passam a mão na cabeça e nos dão colo quando precisamos. A minha mãe foi do tipo cobrar boas notas (o que no fundo não precisava), de ensinar como ser uma "boa menina", o que gerava muita frustração pois era como se houvesse sempre algo de errado comigo. Porém ela nunca me ensinou a ver as minhas necessidades, estava sempre focada no que os outros pensam, e se os outros agiam mal devia ter uma razão. Ensinou-me a entender o mundo e não a mim. A ser educada e isso dificultou-me a estabelecer limites e aprender a dizer não. Nunca conversamos, os abraços eram raros e só escutava ela falar com carinho de mim quando tinhamos visitas... Mas eu entendo, apesar de tudo, sabia que me amava, que se preocupava comigo e que esse era o jeito dela de ser mãe. Eu sei, seguimos mesmo sem querer os modelos paternos, sei que a minha vó também a educou dessa forma "prática" em que o carinho estava apenas subentendido entre um parco diálogo. E hoje depois de adulta consigo avaliar isso e ver tanto a minha vó, como a minha mãe como crianças-adultas, que no fim é o que todos acabam por se tornar quando crescemos.

De certa forma, era esse tipo de mãe que eu precisava, quem sabe por motivos que hoje não me são revelados, de acordo com o processo reencarnatório.

Por outro lado, tenho vontade de escrever outra história, começar a minha finalmente. Tem pessoas que não tem o desejo de ter filhos, seja por que são muito altruístas (os exemplos são raros), seja por medo ou egoísmo. No entanto creio que até o egoísmo em si, tem a sua vertente no medo. Li em algum lugar que quem não quer filhos nunca deixa de ser filho, não passa deste estágio e provavelmente não terá a oportunidade de experimentar o amor incondicional que este novo papel proporciona.

Voltando ao porque de ser mãe, acho que nunca é por um motivo só, não é só para completar o casamento, nem para partilhar momentos bons e ruins. Acredito que ser mãe para mim também significa um aprendizado, quero ser uma pessoa melhor, poder dar o exemplo e também aprender com ele. Sim porque tem pais que acham que só cabe a eles a educação, como acredito que temos várias vidas e as crianças são como nós, espíritos milenares, elas também tem muita coisa para nos ensinar. E eu quero ter a humildade de aprender com o meu filho também.

De qualquer forma esse já é um início de amadurecimento, quando alguém deseja que outro ser invada sua vida e ponha em xeque tudo o que aprendera, este é o momento de se desconstruir para poder se adaptar a uma nova realidade, a um sentimento de desapego total em que o nosso filho passa a ser o foco mais precioso do nosso amor. Com certeza a minha mãe não teve oportunidade de avaliar nada, quando viu eu já estava aqui. Não houve grandes reflexões de porque daquilo ou de outro, foi natural assim como foi para a minha vó e para a maioria das mulheres. O fato de não poder ter filhos naturalmente é que me põe a pensar nessas razões todas que talvez seriam desnecessárias... Porque ninguém está pronto para ser mãe, não há escola nem manual ou livros que substituam os erros de cada dia, as culpas e cobranças... Pelo menos já temos um começo (onde não errar) e o tempo faz o resto. O que é certo é que TODOS erram e inevitavelmente o nosso filho terá as suas frustrações, assim como nós. E quem sabe daqui a 20 anos estará escrevendo em um blog eheheh. O que importa é que em todo o momento estaremos fazendo sempre o melhor que podemos.
Eu quero ser mãe, quero fazer parte do ciclo da vida como todas as coisas da natureza. E como diz a música: quero um amor maior, amor maior que eu, que eu...

sábado, 11 de abril de 2009

Cidades


Cidades são esqueletos de concreto que falam, respiram e vivem enquanto alguém habita seu ventre. Cidades não tem personalidade por si só, não nascem, não crescem, não são abandonadas... Sei que parece óbvio dizer que são o simples produto do orgulho humano em vencer a natureza. Por isso acho estranho avaliar a beleza de uma cidade. Para mim são todas mais ou menos feias, com algum design é certo, mas no fundo são todas iguais...as igrejas, os prédios modernos disputando espaço com casas e construções antigas. Pensei nisso enquanto via o filme Paris com o meu marido, e a medida que os personagens passavam pela tela, parece que eram apenas uma desculpa para no fundo mostrar a sempre vaidosa, inquietante e onipresente Paris. Ao mesmo tempo via o fascínio dele a cada angulo da torre Eiffel, da Sacre Coeur, das ruas longilineas e largas como as artérias principais de um organismo. O sonho dele sempre foi morar em Paris. Confesso que nos três meses que ficamos lá por conta de uma formação dele, andava apreensiva. Apesar de gostar dos passeios como turista, não me agradava a idéia de me estabelecer naquele país.

Afinal o que tem as cidades então que nos causam esse turbilhão de emoções, beleza, medo, nojo, ódio ou prazer? Para mim o que a cidade esconde por trás de seu exército gelado são as pessoas. São elas as verdadeiras responsáveis pelo que sinto. É estranho mas a cidade que nasci é feia, muito feia. E digo isso com um pouco de dó como quem fala isso de um filho. Mas é feia. Tem um centro sombrio e com aparência suja, seu crescimento caótico se nota pelas ruas mal estruturadas da periferia, como Lisboa. Mas não tem esse brilho histórico... As pessoas passam pelos monumentos e prédios antigos indiferentes, ninguém tira fotos das igrejas ou de um jardim. No entanto gosto de passear por lá, ver o comércio, observar os vendedores ambulantes em sua constante luta pela sobrevivência e legalidade. As crianças saindo das escolas, os velhos com seu andar vascilante e reumático. As moças bonitas, os homens suados depois de um longo dia de trabalho. Gosto da gentileza, da organização para esperar o ônibus, dos universitários lendo livros gigantes e despreocupados com o balançar no percurso. Gosto de encontrar conhecidos e ficar com um sorriso nos lábios depois de seguir o meu caminho. Gosto de lá como não gosto de mais nenhum lugar. É lá que me sinto em casa, lá que nasci, cresci e gostaria de morrer. Se pensar bem há algo de melancólico em sua sobriedade, algo que não nos deixa partir, como se fosse um parente idoso desejoso que fiquemos um pouco mais.

Porto Alegre, meu porto. De alegre só mesmo o seu povo, que no fundo é o que importa... Paris, Lisboa, Berlim, Madri, Roma são todas cidades interessantes, erguidas há muitos séculos, com muita história para ser vista. Mas só mesmo Porto Alegre pode contar a MINHA história...

quarta-feira, 8 de abril de 2009


Acordei ontem com uma dor terrível, tinha a cabeça como se o coração lá estivesse a pulsar. Tinha sonhado que tinha recebido um exame de gravidez e nele o resultado: 288. Abracei a minha vó e sentia as lágrimas escorrendo mornas pelo nariz até chegarem nos lábios, parecendo doces de tanta felicidade. Mas acordei com uma tristeza profunda, com as dores tão conhecidas da menstruação. Senti uma irritação, uma agonia, vontade de gritar... Um dia ainda compro um saco de boxe para uma emergência destas.

Chorei no banho, deitei na cama e fiquei a olhar para o espelho sentindo pena de mim, raiva, humilhação... Nunca pensei que fosse tão difícil. Quando casei com o F achava que quando quisesse era só fazer um tratamento e ficaria grávida. Simples assim. Mas depois vi o quanto era caro, o quanto era complicado receber as notícias de gravidezes de minhas amigas, familiares... Depois me peguei a chorar mais que o habitual, eu que achava que era forte, levei uma rasteira tremenda... Não fosse pelo meu casamento ser quase perfeito, pelo meu maridinho ser a coisa mais doce, o meu melhor amigo e me sentir amada em todos os momentos, talvez já tivesse desistido e voltado para a minha terra. Sinto uma solidão imensurável aqui, talvez esse também seja um acréscimo ao desejo de formar uma família. Tenho poucos amigos, não trabalho e meu curso é só aos sábados. Ou seja, tenho muito tempo para pensar nisso. Portanto se der tudo certo, ainda este ano me candidato para outra faculdade e vou finalmente poder dizer aos outros: NÃO TENHO TEMPO. Desculpa, não tenho tempo para ficar com os teus filhos, não tenho tempo para fazer jantares aqui em casa, desculpa, mas não tenho tempo para falar agora...

Sei que tanta gente deseja precisamente o oposto, no entanto eu PRECISO não ter tempo, por outros objetivos na minha vida. Senão daqui a pouco vou é para um manicômio ehehe

terça-feira, 31 de março de 2009

O Ferro-velho cap 9


Doze anos de silêncio

Uma rodela de limão derrotado, que mostrava as felpas de seu bagaço sobre a água do gelo derretido, entretia seu olhar. Passou a unha escrupulosamente pintada de cor-de-café pelo copo suado. Tinha algo de obsceno naquelas gotas do cilindro magro e comprido. A moça com o yorkshire passou mais uma vez, e já contara sete voltas das nove que dera. Distraíra-se com o céu azul, com o dia frio, porém ensolarado, raro de outono. Isaura descruzara as pernas (aquele sapato a estava matando) e desculpara-se ao roçar nas calças do marido. Ele olhou-a intrigado, pegou em sua mão novamente e continuou a fazer piruetas com seus dedos ossudos. Disse-lhe então, com muita delicadeza:
- Há três anos que me traz aqui nesse bar, que insiste em sentar na mesma mesa e cadeira, que olha para a torre e não me diz nada. Simplesmente olha para o céu, para tudo e não me enxerga. Quer falar alguma coisa difícil, eu sinto que quer, mas não diz, e confesso que tenho medo de ouvir, medo de que os lábios que aprendi a amar me refutem com palavras de fel. Porque, Isaura, porque o mesmo dia, o mesmo horário? Porque aqui? – por uns instantes ele mira-lhe os olhos negros, vê-se refletido em seu vazio, sente-se só, duplamente só. – escuta, estou preparado, diga o que quiser, vou entender: prometo. E se você... – Isaura interrompe-lhe com uma das mãos.
- Não é nada disso. Eu te amo, amo, sempre amei. Como você já sabe, é uma coisa muito difícil, é um segredo.
- Confia-o a mim, por favor.
- Não é tão simples...tenho medo.
- Nada feri mais que o seu silêncio. Acredite. – disse com tanta intensidade, carregando no erres (falava em português com ela para que não se sentisse tão deslocada naquele país), que ela cedeu às palavras e ao choro; pegou o caminho de volta àquela tarde quente de setembro.
- Nós tivemos um filho...um filho, Jean!! – ia cuspindo as palavras, em uma logorréia infinda. Falou-lhe de Romulo como nunca o dissera, não o poupara de nada, das surras, dos estupros com a garrafa de cachaça, da miséria em que criou o primeiro filho e finalmente da gravidez e do nascimento da filha, naquele dia. – durante todo esse tempo, nem ao menos sabia se fora indiscreta (Diabos, aquela gente com mania de sussurrar! Depois faziam filmes para escandalizar seus modos frios...), se levantara a voz ao expor sua podridão, mas se assim agira, não se envergonhava, por muito tempo envergonhou-se de suas lembranças. Quando se calou, pode sentir o olhar de Jean sobre ela, não o via, mas podia sentir mágoa, reprovação, perguntas desordenadas prestes a explodir em sua face. Ao invés da enxurrada de emoções, o marido limitou-se a uma pergunta, e talvez a tivesse escolhido a dedo, golpeando-a com os olhos azuis:
- Como pôde? – Isaura fitou-o exausta, tinha o ralo buço suado, as bochechas ruborizadas. Não tinha fôlego para mais nada, estava entregue ao seu julgamento. Com muito esforço murmurou:
- Você disse que ia perdoar...não importava o que fosse, disse que ia perdoar... – levantando-se da cadeira, Jean atirou com raiva as luvas de couro (ele sabia como a enfurecia andar com as mãos geladas, mãos tão magras aquelas!) sobre a mesa. Mas disse baixo:
- Durante todo esse tempo...como pode me esconder? Diz, como posso perdoar...é um filho, Isaura, um filho que você relutou em me dar e, estava lá, além do oceano, longe de mim... – pensou em ir, mas deu meia volta: precisava saber – Quanto tempo? Quantos anos?
- Doze... – sua voz saiu sumida, tinha a impressão de que só saíra a fumaça da respiração. E foi a última coisa que Jean escutou, depois disso virou-lhe as costas e correu em direção à Torre Eiffel como se esta fosse a esfinge que pudesse devorá-lo.
Isaura chorava, olhava ao redor e chorava, tudo a fazia chorar. Olhou para as mãos nuas do marido, ao longe, e chorava.
Web Statistics