quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Réu confesso

Se eu pudesse dedicar uma música para o meu ano de 2014, começaria assim (voz da Alcione por favor): venho lhe dizer se algo andou errado, eu fui o culpado, rogo o seu perdão... Nada de mandinga, de culpar os astros ou os outros, fui eu mesma que fodi tudo. Mas ao mesmo tempo, também fui eu que mal ou bem me aguentei, não desisti e não deixei que o Fernando desistisse. Este ano vou entrar de vermelho e roxo, não faço qualquer idéia do que as cores signifiquem, afinal são as cores do meu pijama. Hoje não vamos ter ceia. Brinquei com o marido que ao invés disto vamos ter seio hahaha! Ele vai conseguir chegar pelas dez e meia da noite ( se encontrar algum taxista perdido pela Gare) e como não temos o costume de jantar tarde, resolvi que vou mais é fazer um almoço gostoso no dia primeiro.  
Tá, para não perder a vinda para tirar o pó do blog, aqui vai uma mais ou menos auto-reflexão. Vejo tanta gente dizendo há tempos que o ano seja bom, seja feliz, que nós consigamos realizar todos os nossos desejos, enfim, todas estas frases 'cartão-de-Boas-Festas' que se possa imaginar. Eu mesma já disse a algumas pessoas as mesmas palavras vazias, mas para dizer nem que seja uma vez a verdade, eu não desejo que se realizem e que tenham todos seus pedidos satisfeitos. Não. A vida não é um gênio da lâmpada ambulante que vive apenas para nos fazer feliz. Desejo (a mim e aos outros) que tenham pedras no caminho (muitas), que tenham sorrisos sim, mas lágrimas de alegria e de saudade para que possam temperar suas lembranças de agridoce... Desejo que haja problemas, pessoas chatas misturadas com as poucas e boas amizades. Desejo ingratidão, assim como abraços apertados de despedida. Desejo que sejam infelizes alguns dias, com umas gripes no inverno. Afinal ninguém cresce sentado de pernas cruzadas no Himalaia. Nem gastando os pés no caminho de Compostela. Crescemos com as dificuldades da vida, com a frustração de quase sempre darmos com os burros n'água, crescemos com a dor, com o não. Este ano que se inicia será como qualquer outro que já passou, e tal como os outros, desejo que seja mais uma vez, esta montanha russa de acontecimentos e que ao fim de várias voltas tenha valido a pena pagar o bilhete.

Obrigada. De nada

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Este não é um blog de culinária

Não é, mas não pude guardar só para mim a receita do nosso calzone de Papai Noel.
Fiz duas vezes  para ficar bem grande:
1 xícara de água 
1/2 xícara de leite
500 gr de farinha de trigo 
1 colher de sopa de azeite
1 colher de sobremesa de açúcar 
1 colher de sobremesa de sal
1 sachê de fermento para pão

Recheio:
Um pacote e meio de três queijos auchan 
2 pacotes pequenos de calabresa

Massa:
Misturar todos os ingredientes até a massa soltar das mãos. Deixar repousando por uma hora.
Untar a forma e fazer a cabeça do Papai Noel guardando duas bolinhas (nariz e pompom do chapéu) e um pedaço para fazer a barba. Pincelar com água misturada com massa de tomate concentrado. Pincelar o resto com uma gema. Colocar para assar em forno pré-aquecido a 200 graus ( no meu caso como fiz duas receitas da massa deixei por 30 min) por 15 minutos.
Colocar no facebook, Instagram, mandar mensagem, e WhatsApp para por todo mundo a babar. Et voilà , torcer para não engordar (muito)!



O Papai Noel ficou parecendo que levou um soco, mas foi porque resolvemos aumentar a potência nos últimos cinco minutos (não façam isto).



terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Um dia te obrigam a fazer um post só com gifs

Gente que nunca te disse nada, nunca curtiu uma foto que seja, nunca te deu parabéns nem feliz ano novo, gente que nem sabemos porque ainda estão penduradas como "amigos". Gente que pela primeira vez nos escreve uma mensagem e pensamos nós, para desejar boas festas, mas ao invés disto se trata apenas de um "por favor vote na minha foto para que eu ganhe uma cesta de Natal, um carro, uma extreme makover. Pois bem, minha resposta é...








Escolham.





domingo, 21 de dezembro de 2014

Quase



Quase acabando este que será o ultimo fim-de-semana longe do marido. Terça ele vem para passar o Natal, vai embora no domingo e retorna dia 31 umas dez e meia da noite. Por isto não haverá ceia, mas um almoço especial no dia 1 de janeiro. Neste ano de 2015  finalmente nossa vida retoma o seu rumo, estou feliz...Olhando para trás, para quando era difícil acreditar que coisas melhores viriam, vejo-me ansiosa para a mudança. E nem falo só da mudança propriamente dita mas do que quero me propor para este ano. Afora as promessas vazias de final de ano, as quais já tinha inclusive desistido de proferi-las, mas este ano quero me quero de volta. Sim, é este o meu desejo. Tenho devagarinho colocado algumas coisas que me fazem mal para fora, mas quero mais. Será a crise dos trinta?

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Bonitinha indelicada

Sempre que eu vejo alguém de maquiagem na academia, sei que dali a pouco estará assim:




quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Da laicidade

Semana passada um ex-colega de faculdade partilhou em seu blog um texto sobre a laicidade do Estado francês. Ele e a mulher passam uma temporada aqui e admito que estão muito melhor informados do que eu, mas diziam eles que a polêmica se levantou porque alguém em uma repartição pública de uma cidade do interior, teve a brilhante idéia de montar um presépio no hall do edifício. A lei não é nova, mas parece que este ano é para valer: bafafá armado e os funcionários tiveram mesmo de desmontá-lo. Acho muito bem. Há não muito tempo, as escolas tinham crucifixos pendurados nas salas de aula, apesar de não se catequizar os alunos, este era um símbolo incômodo para os pais islamitas. Ah é? - disse o governo. A pressão foi tanta que tiraram por fim todos os crucifixos, porém foi estendida a todo e qualquer símbolo religioso no perímetro escolar. Caiu o véu das meninas, portanto. Oh, sacrilégio! "Islamofobia". 
Em primeiro lugar, concordo com o colega e com a lei que proíbe setores públicos de ostentarem qualquer símbolo que remeta à religião, é uma premissa do Estado ser neutro, independente do credo, etnia ou sexo dos cidadãos. Pois que seja: nas salas de tribunais ou de escolas e universidades. Porém quando se trata  da visita do Papai Noel, penso diferente. E por quê? Por que esta figura não tem para as crianças nenhum caráter religioso, apesar deste ter sido inspirado em São Nicolau. Hoje quem elas adoram é muito mais o ícone criado pela Coca Cola do que outra coisa. Tanto não se fala em Jesus, que o meu filho pensava que quem fazia aniversário era o Papai Noel e que ao invés de ser ele a ganhar presentes, os deixava para as crianças boazinhas. A bem dizer, isto não passa de uma espécie de Big Brother infantil, concurso no qual são vigiados um ano inteiro a fim que se saiba se "merecem" um prêmio ou não. Qual é a finalidade do bom velhinho além de por o comércio a mexer e os meninos a temer um pinheiro com pés  vazios?  
Ainda para mais, a visita é feita tão e somente nos maternais, já que não faz sentido mandar alguém (magro e boiando em uma fantasia de cetim) com uma barba mais falsa do que simpatia de sogra na sala de uns marmanjos de dez anos. 
Em segundo lugar, há a questão de que a escola não se resume apenas em ensinar números e uma porção de músicas chatas que prendem na cabeça dos pais depois dos filhos as cantarem em looping. Talvez, mais importante do que isto, seja papel da escola e digo do maternal principalmente, proporcionar  o primeiro contato com a cultura francesa (lembrando que muitas crianças estão de tal modo envolvidas na cultura e língua paternas que chegam à escola sem dizer uma palavra em francês). Ora, a França é um país de maioria católica, feliz ou infelizmente, e que rege-se pelo calendário cristão, tem suas férias e feriados cristãos. Eu não estou dizendo que deva-se apoiar o preconceito, longe de mim pois que cuspiria para cima, sendo eu também emigrante. O que acho é que o país não é nosso, nós é que temos de (nos) mudar ou aceitar que as coisas são como são. A comunidade islâmica quer muitas vezes dobrar a França, algumas vezes com razão, mas muitas vezes sem. Meu colega ainda é muito verde no que toca a morar fora e ainda não é pai. Por isto de certa forma entendo o seu pensamento. Neste tempo aprendi que temos de achar o nosso lugar no país que escolhemos viver, mas acima de tudo somos nós que temos de nos apertar para caber e não o contrário.
A espera pelo Papai Noel é vivida com ansiedade pelos pequenos, que decoraram bolas de cartolina para pendurar nos pinheirinhos naturais montados na entrada da escola. Amanhã o Fabian vai levar um bolo para comer com os colegas e, quando voltar tenho certeza de que vai vir cheio de histórias mirabolantes. Amanhã o papai Noel vai visitar a escola. E vai ser uma alegria só!

Embrulhos

Ontem à noite pus na mesa todos os presentes que o Fabian ganhará no Natal. Comecei a tarefa mecânica entre deixar pedacinhos de durex (fita cola) na ponta da mesa, dobrar, cortar o papel colorido estampado com renas e papais-noéis. Não sei como, mas de repente meus pensamentos viajaram para a minha tia. Meus primos, os quais só conheci um. A menina e a bebê... Senti-me triste e impotente. Um nó na garganta arranhava-me tornando impossível engolir o que quer que seja. Que natal terão eles? O primeiro de muitos natais sem a mãe... Em novembro, o filho mais velho de oito anos, quis fazer um bolo de aniversário e cantar parabéns à mãe morta, mas o pai não deixou. Lembro-me como se fosse ontem quando a vó me contou por telefone, engoli em seco mas não disse nada. Assim fiquei quando soube dos detalhes que ficaram guardados durante aqueles dias, do sofrimento dela em perceber que a luta estava perdida...dos gritos no hospital...do silêncio ao qual a equipe médica achou melhor por estabelecer. Um silêncio que determinou o fim.
Meu papel cinge-se a escutar, tenho de manter-me calada para não deprimir ainda mais a vó. Mas ontem, sozinha, pus-me a pensar neles, nela. No menino mais velho que chorava no dia das crianças a dizer que não queria presente nenhum. Queria apenas a mãe. Depois de fazer todos os embrulhos, eu terminei por dormir com um no estômago...

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Tempo



Pessoas são como chaminés transeuntes soltando a fumaça para fora, lutando ao mesmo tempo para que seu calor não se apague. De sua boca cinza corre uma polidez embaçada. Cinza nas roupas, nos rostos, no céu. Ao contrário do resto, o chão transformou-se em um imenso tapete amarelado em que crianças e cães estragefam-no exaustivamente. Ele se desalinha e o vento o conserta outra e outra vez. 
Dizem que o frio é psicológico, eu já acho que é psicopata. O frio espanta qualquer sorriso, congela as boas intenções, faz todo mundo correr para dentro de casa. Não há ninguém na (minha) rua depois das cinco e às quatro e meia da tarde mais parece madrugada. O inverno nem chegou e no entanto parece que está aqui há um ano como uma visita incômoda que demora a partir. 
Já a primavera não passa de uma tênue lembrança... quase emudecida pelos galhos hirtos e tortuosos que arranham o céu e o fazem chorar...

Porque eu nunca daria certo em atendimento ao publico





Tipo isto.

Marché du Noël

Eu rezei para sábado não chover como há muito tempo não pedia por alguma coisa. Foram dias demais arrastados entre casa e escola com o frio pelo meio e eu me sentia esgotada de pensar que o fim de semana seria top sem sair . Na sexta a previsão havia mudado: de chuva para o dia inteiro, tínhamos agora à partir das 20 horas. Eu sei, tornei-me uma maluquinha do tempo, mas mais uma  vez arrastei o Fernando para aquele maravilhoso mar de turistas ainda mais deslumbrados do que o costume, já que havia na maioria dos prédios antigos dezenas de bolinhas e luzinhas a piscar. 
Desta vez dispensamos o carrinho do Fabian, pois além de fazer uns generosos 9 graus (calorzão), ele já tem muito mais resistência para caminhar do que no ano passado. Finalmente consegui comprar a minha casa alsaciana, o difícil foi escolher. Eram tantas, umas mais lindas do que as outras, assim como tantas eram as cabeças para desviar até chegar no balcão onde erguiam-se acima de prateleiras  tão altas que exigiram uma escada. Eu sempre tive gana daquelas pessoas que tem uma imensidão de tempo para escolher o que vão querer, mas que quando chegam em frente ao funcionário, abrem a boca e ficam cinco minutos apalermadas entre murmúrios de dúvida . Quase tornei-me uma destas, minha sorte foi que a multidão desfez-se como um estourar de boiada e deu-me a oportunidade de ver de mais perto, em questão de poucos minutos estava a apontar a casinha azul e a levá-la em meus braços. 
Depois fomos dar um oi para o grand sapin que todos os anos se ergue decorado de luzes e bolas gigantes como ele. São dezenas de feirinhas que formam o marché du Noël e não apenas uma e enorme feira; o pinheiro é um símbolo bonito, mas é evidente que o povo esta ali por elas. E que povo minha gente, dava a impressão que metade da França estava lá, assim como metade da Alemanha. Os alsacianos se gabam de ter o mais bonito e mais antigo marché de uma forma que lembra como nós gaúchos atestamos a paternidade do churrasco. É uma festa linda sim senhora, e acredito ser a única ocasião em que o frio combina com alguma coisa, porque algodão a imitar neve é feio e cafona que dói. Melhor nevar então!








Papai Noel

Mal coloquei o nariz para fora de casa, passou um senhor devidamente paramentado em roupas de um vermelho vibrante, a barba falsa balançava ao vento, mas ele não estava em trenó nenhum. Pedalava deixando no ar o som de seus guizos, a barriga inexistente e o corpo esguio. Não se parecia muito com a imagem  que o Fabian ou qualquer criança tem do Papai Noel, mas com certeza serviria para encher os olhos. Olhos estes que espiam toda vez que abro a caixa de correspondência, enfiando-se adentro à espera de algum bilhete, e que das últimas mas vezes me "obrigou" a ler duas pequenas propagandas enfeitadas com bolinhas que alguém deixara. Hoje foi uma daquelas coisas de trago seu amor em três dias, resolvo problemas financeiros, amorosos, arrumo emprego, enfim. Mas o pequeno papel trazia algumas guirlandas e foi o que bastou para o Fabian arregalar a voz de surpresa: "mãe, o papai Noel escreveu um bilhete pra mim!! O que ta esquito"? 
Disse-lhe que o Papai Noel continua observando as crianças  e que o Fabian deve se comportar se quer que ele o visite. Dei uma olhada de novo no anúncio  do suposto médium, uma espécie de promessa de  papai Noel dos adultos; se há quem acredite naquele, que mal faz uma criança de quatro anos sonhar que o bom velhinho envia-lhe bilhetes? Para a realidade terá uma vida toda pela frente.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Atraso

Depois de três semanas longe, hoje à noite chega o marido. O voo está com uma hora de atraso, mas não importa. Chovendo ou não este vai ser um fim-de-semana feliz!

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Dieta do pum


Gracyanne antes e depois:




Não pode ter outro nome algo que significa passar à batata doce, frango e ovo. Exigência do novo padrão de beleza feminino e masculino, o padrão de beleza de um equino puro sangue: músculos e veias rasgando a pele, gomos permeando o ventre, percentual de gordura tão baixo como o de atletas de esportes de alto impacto. Isto e os shakes (e também aquele coquetel de coisas que não admitem, mas tomam).
As modas corporais no geral me desgastam, mas esta é ainda pior. Que preço irá cobrar este alto padrão de beleza? Que será das "Gracyannes" Barbosa aos quarenta, aos cinquenta anos? Vózinhas de coxas de zagueiro lutando com as pelancas para que não desçam pela mini saia? Ou um futuro câncer no fígado, rins, etc? Não é uma simples questão de escolha, de liberdade para se fazer o que quiser ao seu corpo, mas sim um sistema perigoso de entrar em forma, diria até obsessivo. Por isto, foi com alegria que li uma reportagem em que a mais famosa guru da "boa forma", Bella Falconi, resolveu parar com esta loucura. Conhecida pelo abdômen trincado e também pelas coxas tremendamente definidas, ela reconheceu que este estilo de vida era tudo menos saudável.  Os hábitos que desenvolveu se assemelhavam às privações da anorexia e com resultados parecidos, entre eles, a suspensão da menstruação e a constante deficiência de vitaminas.
Esta semana a imprensa acompanhou o caso de uma modelo fitness que está internada com infecção na zona que aplicou um gel modelador a fim de engrossar ainda mais as coxas. Sinceramente não acho nem um pouco bonito para ambos os sexos esta moda, porém ela tem se mostrado não apenas anti-estética como um potencial risco de vida aos seus praticantes. E nisto já tivemos pessoas gordas como bonitas, pessoas magras, pessoas macérrimas,pessoas saradas, para quando a vez de pessoas "assim-assim"? Estou sonhando alto ou meu filho ainda verá um corpo "normal" nas capas de revista? 

Curiosidade

Quem disse que a paz tem que ser bela?


Uma das coisas que notei quando varri sites de imobiliárias atrás de apartamento, foi que por mais alto que seja o imóvel, eles não possuem aquelas redinhas de proteção. Eu, mãe de um menino de quatro anos em plena fase dos super heróis, acho no mínimo curioso que os pais não se preocupem se naquelas cabeças de vento desperta a ideia de que podem voar. Isto ao que parece, é apenas mais uma das tantas evidências de como os brasileiros encaram a educação infantil de uma forma completamente oposta aos franceses. Ora, se para nós basta haver uma mísera sacada e às vezes nem isto, janelas no primeiro andar já bastam para enchermos de telas, aqui eu já vi algo como apartamentos no décimo andar sem qualquer proteção (e os brinquedos espalhados indicavam por certo haver ao menos uma criança pequena ali). 
Será que as crianças francesas são assim tão obedientes? Será que os pais são assim tão displicentes? Costumo pensar que não há certo nem errado no que diz respeito à cultura, no entanto quando envolve a segurança de bebês que estão longe de compreender um "não", como este povo faz? Tem um olho nas costas? Nunca os deixam sozinhos? 
Realmente acho um exagero algumas particularidades brasileiras em gerir a criação, particularidades estas que acabam por formar crianças dependentes demais, e a exemplo disto tenho a minha própria infância como base. Porém têm questões aqui que ainda não me batem bem, esta história das redes de proteção, assim como as crianças andarem sozinhas de bicicleta a seguirem os pais, sabe lá a que distância, sem que os mesmos sequer olhem para trás para saber se ainda estão lá. Acredito que apesar dos séculos, aqui parece perdurar a ideia de infância como na Idade Média: não há crianças e sim pequenos adultos semi-selvagens que necessitam de serem domados desde o primeiro choro. Prova disto é a larga porcentagem de pais que aderem ao que mais tarde ficou conhecido como o método Stivill, que nada mais é do que o antigo "deixar chorar até dormir". Às vezes me pergunto se estas crianças têm pais ou adestradores...

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Feliz



Eis que depois de um pouco mais de um ano, finalmente o Fabian está falando francês. Não como um nativo, claro, mas já se faz entender com pequenas frases repetidas até a exaustão: allez, on va jouer maman?* Quando está em casa fala sozinho e canta em francês, ainda atrapalha-se com alguns fonemas, assim como o faz em português, porém por tudo pelo que passamos eu achei que este dia não chegaria nunca. 
O Fabian foi uma criança que demorou muito a falar, começou a soltar as primeiras palavras com um ano e meio (que se resumiam a mamã e carro), mas somente aos três é que podia-se dizer que dominava a língua. Na época, a minha mãe insistiu na importância de uma fonoaudióloga e ele fez algumas sessões enquanto andava à cavalo meses antes de virmos para a França. 
Ontem a professora dele deu-me os contatos de uma fonoaudióloga  aqui perto de casa. Logo agora que eu estava tão feliz desta grande conquista dele! Disse que ele pronunciava mal as palavras e eu fiquei a pensar se por esta lógica também eu não precisava de uma. Assim como a maioria dos emigrantes, diga-se de passagem. 
Na minha humilde opinião, aprender uma outra língua é como voltar à infância, na época em que ainda éramos incomunicáveis, em que usávamos de mímica, choro e pontas de dedo para nos fazer entender. É como aprender a falar (de novo). No caso do francês, há uma série de "R"s carregados, e "U"s terminando em biquinho, e vogais fechadas, e uma montanha russa fonética totalmente diferente de nossa antiga forma de comunicação. É normal que nosso cérebro exija um tempo para que toda esta novidade seja absorvida e por si mesma tornada inconsciente e automática. Até ao momento em que não precisaremos pensar que som faz o ditongo "au", "oi" ou mesmo que o "e" é quase um primo do "o" na famosa musiquinha do alfabeto.
Aceitei o conselho, embora a gente saiba o que se faz com eles. Anotei o número com a certeza de que apenas o fazia por educação, pois que eu acho que não há comparação possível a se fazer entre uma criança que fala (e ouve) francês deste bebê a uma que apenas teve seu primeiro contato há um ano. Para mim, o Fabian fez uma evolução incrível e não falo apenas porque é meu filho, mas porque antigamente ele tinha tanta aversão ao idioma que nem abria a boca na sala de aula a não ser para falar português. Basicamente sinto como se ele tivesse furado a bolha, sentido os dedos do mundo puxá-lo para fora e agora anda por aí, a correr orgulhoso de seu esforço. Não, ele não precisa de uma fonoaudióloga, ele precisa de tempo. Um pouco mais de tempo e paciência para ser robotizado e devidamente encaixado ao sistema educacional francês.



*Vamos brincar mamãe?

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Bicicleta e caminhada no rabo dos outros é refresco



Ah pois é, temos que pensar no planeta, desacelerar o buraco na camada de ozônio (Jesus quanto tempo sem escrever "ozônio", desde as idas aulas de biologia...), melhorar o trânsito, blá blá blá. Mas na hora do bem bom ninguém desgruda a bunda do banco do carro. Deixa que os outros que se fodam pedalem/andem. O mundo é bem melhor dentro de uma caixa de lata rolante, principalmente quando está chovendo. Principalmente quando está chovendo e faz um grau. Principalmente quando está chovendo, faz um grau e ainda por cima venta. 
E ir ao mercado, que lindo, com aquela carrocinha atrás torcendo para desviar dos cocôs na rua ou das velhotas por sua vez, com os seus carrinhos. Não sei porque ninguém nunca se preocupa com o congestionamento de carrinhos de feira nas calçadas! Agora eu entendo porque o povo é tão neurótico com a previsão do tempo. Tenho regulado minhas idas ao mercado conforme o que dizem. Chove às 14:35? Então fico em casa. Não vale a pena brincar de equilibrista com o guarda-chuva, o carrinho e as sacolas.
Estes dias em uma conversa com o marido, contei e recontei incrédula: faz dois anos e meio que não temos carro. Se fosse no Brasil isto seria uma calamidade. Ninguém sobrevive sem carro, ou pelo menos ninguém quer sobreviver sem. Verdade mesmo que não nos faz falta ( ~ hum hum~), senão a um capricho que nutri desde a infância, nascido daqueles tempos em que  passar por baixo da roleta do busão significava amarrotar e emporcalhar a roupa. 
Shiltigheim e, bem dizer a própria Strasbourg, são lugares bem guarnecidos em transporte público e ainda temos a sorte de estarmos tanto perto do tram como de duas linhas de ônibus. Há ciclovias por todos os lados, os motoristas respeitam as bicicletas e...e...e...eu continuo querendo um carro. 
Lembro-me de uma aula há muito tempo em que o professor dizia em um exemplo, que uma pessoa com deficiência pode ter mais ou menos deficiência de acordo com o meio em que vive. Aqui um carro não é fundamental, eu poderia muito bem congelar no frio esperando o ônibus, ou na loucura, comprar uma veló usada e sair por aí pedalando como em alguma cena de um filme com o Hugh Grant e a Meg Ryan. É só uma questão de perspectiva, ia chegar lá de qualquer modo (mais seca, menos seca...), mas lá embaixo, as coisas são muito diferentes. Os ônibus têm horários esparços, deixando de funcionar em algumas linhas depois das oito da noite, o trem atrasa, e aos fins de semana chega a ter de uma hora e meia a duas horas de intervalo. A rede de transportes não abrange muitos lugares, sendo que não nos resta outra coisa senão gastar os pezinhos até lá. O que nem sempre dá jeito.
Mais uma vez escolhemos um apartamento bem localizado, porém é fato que um carro é imprescindível e um investimento que (ainda bem) teremos que fazer nos próximos meses.  
            
    - Sinceramente, acho que já fiz tudo que podia pela camada de ozônio.  -

E hoje

Depois de um mês, eu vi o sol...

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Sobre aquilo dos sovacos coloridos

Li em um blog famoso que tempos atrás criticou o rebuliço que se fez por causa de uma foto de um ângulo mau de uma atriz portuguesa, que era um nojo e que Deus o livre aparecerem nestas condições perto da mesma. Quem me conhece sabe que geralmente guardo as minhas opiniões no que diz respeito a outros blogs, mas não consigo deixar de falar. Para quem se insurgiu com tanta veemência contra a ditadura do corpo perfeito, levantando a bandeira da aceitação e da liberdade que a mulher deve usufruir para com o seu corpo, agora vir dar uma de engraçada (que afinal não lhe acho graça nenhuma) é no mínimo ridículo. Assim de repente, lembrei-me de que a mim torram os olhos e caem quando vejo alguém de botas acima dos joelhos. Não cheguem perto de mim com aquilo que nem a Júlia Roberts conseguiu fazer esta moda parecer menos pior. Deixem-nas descansar em paz nos anos oitenta, está bem?
E só para terminar, não foi uma mulher que um dia "decidiu" que ficava melhor sem pêlos, mas foi uma famosa marca de lâmina de barbear que o sugeriu, assim se disfarçava odores e estragava-se menos os vestidos. A indústria, como sempre, ditando os nossos gostos e padrões de beleza. E a gente aqui com estes discursos tipo Dom Quixote, lutando contra moinhos de hipocrisia...

Conversa de merda

Escolhi meu cachorro pelo tamanho da merda que faz, e daí? Daí que todo o santo dia tenho, não uma bosta qualquer, um senhor cagalhão na calçada. Merda nova, fresquinha. Se não gostasse de vocês, até botava uma foto aqui. Nem seca uma, já tem outra em algum lugar. Ando atentamente, mesmo com pressa de não perder o horário de buscar o Fabian. Vejo que às vezes se espalha por metros  levada por algum pneu de bicicleta, sendo que certo dia chegou mesmo bem em frente à minha casa, nem abrir a janela eu pude. Que culpa tenho eu que o fulano escolheu ter um bezerro ao invés de um cão? Ele que ande com uma pá e um saco de supermercado porque nem naqueles saquinhos próprios aquilo cabe. Ou vou escrever (que agora ando muito dada a bilhetinhos desaforados) que "isto é o que meu dono tem na cabeça"! Nem sei se assim está gente vai lá, mas tenta-se.


quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Se é para o meu bem e felicidade exclusiva do meu coração...digam ao povo

Que me mudo!

Queria ter a inocência ou a cabeça dura de outros tempos em que acreditava em soluções definitivas e vibrar com esta notícia. Não que uma parte de mim não exulte, mas lá no fundo há uma certa desconfiança, pois que a vida mostrou-me que não nos quer muito  parados já que é a oitava vez que arrumo as malas em um período de dois anos. E no entanto, esta é a única que acredito mesmo ser para melhor...só não sei até quando. 
Desde que o marido agarrou com unhas e dentes este emprego na Alsácia, sabíamos que era apenas um recomeço, uma linha nova, um ponto de partida temporário, visto o salário ser muito justo não permitindo grandes aspirações que não viver um dia após o outro fazendo uma ginástica para chegar ao fim do mês. Um ano se passou em que não via o seu trabalho reconhecido, em que o salário mantivera-se muito abaixo do  limite de sua experiência. Os sacanas dos franceses mostraram-se negociantes como os de qualquer parte do mundo, em que explorar o desespero alheio é apenas um detalhe, um objetivo a preencher na meta ao fim do mês.
Porém quando tudo encaixou tão perfeito, com uma sincronia absurda, eu comecei a acreditar que aquilo só tinha mesmo de ser, como naquele ditado: quando é para acontecer, até quem atrapalha ajuda. E assim sem nem ter procurado, a vaga pulou no colo do Fernando e as entrevistas e o resultado vieram na mesma semana. Um longo período de separação, ponte aérea Nice-Strasbourg, passagens promocionais, depressão, quilos (a mais para mim, a menos para ele), um Fabian choroso, um outono frio para cacete, e enfim, respira, estamos quase na linha de chegada! A sina do apartamento também está quase. Quase como eu pedi. Grande, perto de um maternal, da estação do trem, da praia e com um terraço (que "num guento" estender roupa dentro de casa). Agora é correr atrás de empresas de mudança mais em conta, colocar este imóvel para alugar, comprar o bacalhau para o Natal e, talvez algures entre o meio (meu aniversário) e o final de janeiro, estejamos entrando com o pé esquerdo, lá está, sou canhota, logo o esquerdo é que é bom, na nossa nova casa. Ano novo, vida nova. Por mim parava por aqui. Não me importava nada de ficar velhinha pegando o meu chapéu e a cadeira de praia para enterrar meus pés no mar da Cotê d'Azur. 

sábado, 29 de novembro de 2014

Que será será

Amanhã fará precisamente três meses que lancei os dados, empurrei o marido rumo ao sul e me encastelei no nosso castro alugado. Aproxima-se o dia em que iremos saber se todas estas fichas foram bem apostadas: se ganharemos uma vida com a qual sempre sonhamos, perto do mar e com um salário que nos permitirá pela primeira vez estarmos mais folgados ou...nada. Se vamos observar apaticamente que a vida nos raspe as esperanças todas de uma só vez. 
Acordei mais rabujenta do que nunca, com um frio que não me saiu do corpo nem mesmo com um banho quente. Às vezes acredito estar em alguma espécie de show da vida tal como naquele filme do Jim Carrey. Parece tudo tão artificial, as pessoas com quem troco um bonjour, que sorriem apenas porque a polidez as obriga, as que esbarro na entrada ou saída da escola. Parece tudo um plano para ver até quando vou aguentar este isolamento auto infligido. Alterno raiva e impaciência. Não nasci para esperar e detesto não ter controle sobre o destino. É verdade que fazemos escolhas, mas há uma grande parte em que ficamos à deriva de nossas próprias expectativas. Iremos a bom porto ou de encontro a uma tempestade furiosa? 
Em meio a uma ansiedade que não me deixa, entrego-me sem cerimônia aos doces e já tenho alguns quilos a mais para se juntarem aos outros, seria mesmo sensato pensar que estou de esperanças. Ou de medo ou os dois... gêmeos que dividem o mesmo corpo e me sugam com igual intensidade. 


quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Das coisas que detesto

L
Eles partilhavam listas. Não partilham mais.


Listas. Listas sem fim. E pessoas que acreditam nelas. As dez coisas que não se deve dizer para o namorado; as quinze coisas que nunca devemos dizer para os filhos, para a mãe, para a sogra, para o cachorro, periquito, para a vizinha que tem tara que é uma atriz pornô. E são sempre coisas óbvias, tipo não devemos ter uma DR* depois do marido bater com o mindinho na quina da porta. Não devemos xingar a sogra de hummm...qualquer dos nomes queridos que nos passem pela cabeça. Não devemos dizer que o Aroldinho não estaria aqui (#benzaDeus) se não tivéssemos tomado aquele antibiótico que terminou por cortar o efeito do anticoncepcional. Oh céus se nos escapa alguma alarvidade pela boca, vai ser um traumatizado pelo resto da vida, um daqueles quarentões que vão me trazer meias sem pares para lavar, cuja sorte amorosa estará em minhas mãos! Começo por apresentar a do 704 que tem mais pelos de gato do que... Não, péra. 
E as coisas que devemos fazer antes de morrer? Skibunda em alguma praia do Nordeste, sexo selvagem com um desconhecido, gastar o décimo terceiro com sapatos, lançar um blog fashion adviser. E logo eu que odeio blogs fashion adviser! 
E a lista de coisas para ser feliz hein? Hein?! Quem diria que comer panqueca com frutinhas de mato ia me fazer tão realizada... "Tire momentos a sós". E tudo o que uma mãe pensa é que vai ser o máximo poder fazer cocô sem ninguém a dizer a cada cinco segundos: blérc! Mas como faz? Já inventaram um WC bunker? 
Obviamente não podemos esquecer da lista para um corpo perfeito! Beba água! Coma de três em três horas, corte frituras! Corte refrigerante! Corte doces! Corte os pulsos! 
As únicas listas de que verdadeiramente gosto são as de sugestões de lugares turísticos, de resto passo bem sem estes conselhos. Só tenho receio de que letras minúsculas tragam aquelas coisas de que se não passarmos esta lista idiota para doze pessoas, vamos queimar no inferno cibernético, ter a nossa conta de e-mail deletada, ninguém mais irá aceitar nossos pedidos de amizade, nem curtir as nossas selfies com bico de pato. O Armagedom de nossos tempos nos tornará mais ignorados do que testemunhas de Jeová em manhãs de domingo, nos deixará em um completo e indefinitivo ostracismo virtual! 


* discutir a relação.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Há emigrantes e emigrantes

Ouvindo a minha vó contar sobre uma amiga portuguesa da época obviamente de quando minha tia vivia em Portugal, quase fiz aquele suspiro de pesar. Oh, coitada, vai ter de sair do país dela e tudo...sei como é! Mas a vó continuou dizendo que ela já estava morando no Rio e que inclusive estava aos poucos se instalando em um apartamento...no Leblon. 



Poker face do outro lado da linha, mas a vó não percebeu. Depois de um longo silêncio, ainda disse embasbacada: tem certeza vó, só no Leblon?!" Só" o cenário preferido das novelas do Manuel Carlos em que uma Helena desfila num doce balanço a caminho do mar? Tá bem então! Parece que o marido dela vem como um dos diretores da Oi, empresa de telefonia brasileira...

                                                                     ***
Ontem estava acompanhando uma discussão em um fórum de brasileiros em que uma mulher casada com um francês estava sofrendo muito com a proposta que tinham feito ao marido. Acontece que ele é diretor de uma empresa que implantou uma sede no Brasil (diz que por ideia do próprio) e agora lhe ofereciam a oportunidade de gerí-la por três anos. Três anos em que pagariam um salário maravilhoso, manteriam o alto padrão de vida ajustado aos custos da cidade de São Paulo que é caríssima, pagariam escola para suas filhas. Mas não uma escola qualquer, e sim a melhor escola da cidade, arriscaria dizer do país, uma internacional com ensino em francês além de inglês. E não satisfeita, a mulher torcia para que o marido se desse mal com os futuros colegas e detestasse viver no Brasil, pois ele poderia voltar a qualquer momento e reocupar o cargo deixado na França.
Quisera eu ter sido um destes tipos de emigrantes, aos quais é reservado o direito de reclamar das banalidades da vida, e olha que até me considero bem sortuda. Nunca passei fome nem precisei enveredar pela chamada vida fácil que de fácil não tem nada. Já dizia Zeca Pagodinho "na vida coisa mais feia é gente que vive chorando de barriga cheia". 

Blogger

Duas coisas a dizer:
1- Que merda é esta de por três fontes diferentes nos meus posts?? O aplicativo do Blogger é um doido, sempre me faz isto!

2- Parece que para comentar blogs temos de provar que não somos um robô digitando alguns números. Já tentei tirar isto do meu, mas é impossível. Supostamente esta medida serviria para mantê-los afastados, mas ou um robô conseguiu se passar por gente ou isto não adianta de nada, pois tenho spam na mesma.

Que tipo de mãe você é?

Mãe carrasca!
Sabem aqueles testes idiotas do facebook? Pois é. Desde que o pai se foi há mais ou menos três meses, que o Fabian tem estado a travar uma guerra aqui em casa: a do almoço. Eu sempre disse que não ia ser daquelas mães que ajoelham e pedem por favor para que coma mais uma colherinha. E realmente não sou, sou do tipo que berra, que faz negociações natalícias (no estilo papai Noel está vendo isto!), que chantageia (vou desligar a tv!) e finalmente, do tipo que sacode os ombros. Não quer comer? Azar o teu! Hoje foi para a escola no período da tarde sem ter comido nada mais do que uma colher que por muito custo enfiara na boca. Mas foi muito bem avisado de que quando retornasse não iria encontrar a mamadeira quentinha de sempre, ao invés disto, eu prometi esquentar novamente o almoço recusado e nada mais.  Ainda lhe disse que esta era a primeira e última vez que faria isto, pois há três meses ando a brigar no momento em que mais quero sossego. Amanhã se ele voltar a fazer fiasco, fica sem comer e quando voltar vai comer fruta, e eu só esquento o prato do almoço na hora de jantar. 
Sinceramente não queria tomar estas atitudes, mas eu sinto-me esgotada e sozinha...não há ninguém que possa me tirar o peso de ter uma criança birrenta para eu arejar a cabeça. Muitas, muitas vezes chego no meu limite...e não quero fazer como uma conhecida em que a filha alimentava-se somente de pipoca. O caminho da educação não tem verdades absolutas, bem sei, mas devemos desconfiar quando as coisas são fáceis demais tão e somente porque não queremos nos incomodar...

sábado, 22 de novembro de 2014

Saudades eternas

Dos cabeleireiros do Brasil. Sério, é a última vez que assassinam os cabelos do Fabian. Tadinho...
Acho que a especialidade deles é a franja da Angelina Jolie em "Garota Interrompida". 
Ou aprendo a cortar cabelo ou entramos daqui uns tempos no livro dos recordes de  maior juba do mundo.



quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Update filmográfico

Stonehearst Asylum


E se os loucos dominassem o hospício? E se os médicos fossem presos durante tempo suficiente para enlouquecerem? 


Costumo brincar dizendo que dificilmente vejo mais do que um filme marcante por ano. A maioria é uma porcaria apenas para passar o tempo, alguns gatos pingados são dignos de um espaço na minha memória; agora aquele filmaço que mexe comigo e me põe a questionar a vida, ah, este dá-me tanta alegria que se torna impossível guardá-lo só para mim!
Stonehearst é uma adaptação de um conto de Edgar Allan Poe, ambientado no século 19 em uma Inglaterra fria e cheia de bruma.  Numa época em que a loucura era mais do que um estigma mental, tornando-se socialmente rechaçada, os doentes que padeciam deste mal eram trancados em lugares ermos, isolados como se fossem portadores de qualquer coisa muito contagiosa. Os métodos para a cura passavam por choques, banhos de água fria, camisa de força, isolamento total. Tais métodos poderiam muito bem serem mais eficazes para enlouquecer do que para o propósito a que se destinavam. 
Esta é uma obra inteligente, daquelas que colocam o dedo na ferida e deixa-nos com um certo incômodo filosófico.  O que é loucura? Seríamos nós naquele tempo considerados loucos por alguma particularidade que hoje é tida como natural? Sabendo que seu conceito é fluido e que já abrangeu tanto a homossexualidade quanto o simples ensejo de prazer por parte das mulheres, a loucura não deixa de ter um papel na nossa sociedade. Tal como os gregos diziam que era necessário haver escravos para que o homem livre possa saber-se livre, é necessário existir a loucura para que se possa perceber a sanidade. 


Hysteria

Doutor, mais um pouquinho para a direita, não, mais para cima...mmmm isto, ai.. oh...

Novamente a Inglaterra sob pano de fundo para esta comédia (na verdade eu vejo como tragicomédia porque a vida sexual feminina naqueles tempos é de chorar), um jovem médico frustrado com a teimosia de seu antigo superior, resolve mudar de especialidade e acaba em um consultório a tratar de mulheres histéricas. 
Antigamente pensava-se que as mulheres eram temperamentais, inseguras, agressivas, tudo por possuírem um útero (hystera em grego).  A histeria era uma condição tão abstrata que se poderia  manifestar qualquer comportamento e/ou condição física para ser diagnosticada como histérica: apatia, palidez, cólera, frigidez, vontade de fazer sexo, dor de dentes, desmaios, etc. O tratamento variava entre sessões de hipnose, consulta psiquiátrica e masturbação profissional, sendo que nos casos mais graves optava-se  pela retirada do órgão. 
Mentalidades dominadas pela ideia do sexo como um ritual sagrado, pela vergonha, culpa e sofrimento pelos desejos reprimidos: à mulher basicamente não permitia-se sentir prazer. Fico pensando como era as dondocas tão cheias de pudor a arreganharem as pernas para o médico fazer-lhes uma "massagem na vulva". A cura através de um orgasmo. Casto. Legitimado por uma questão de saúde física e mental da paciente. Chega a ser tão caricato que é difícil acreditar que tenha acontecido.
Em meio a isto, o novato depara-se com a filha mais velha do seu patrão: um caso incurável de histerismo beirando à loucura. A jovem benemérita passa o seu tempo a ajudar os mais necessitados, sonha com o voto feminino e a igualdade dos sexos mas, que pela rudeza do pai em não aceitar suas escolhas, grita e o enfrenta. Histérica. Este era o diagnóstico dado a qualquer mulher que ousasse requerer seu  espaço em uma sociedade dominada pelo homem. Um filme para pensar... Ainda que a mulher possa votar, frequentar uma universidade, escolher com quem irá se casar, será mesmo que superamos esta visão tão século 19? Ou ainda somos tachadas de pouco racionais, emotivas, justificando-se tais características pela fisiologia feminina seja através da crença de cérebro distinto, seja pelo ciclo menstrual?  Por que esta suposta instabilidade é fortemente ligada à negação de uma vida sexual plena? Por que qualquer coisa é motivo para ofender de mal amada ou mal comida ou  pior, soltar a famosa expressão "isto  só pode ser falta sexo"?
 De qualquer maneira, um grande chupaaaa para Freud e suas teorias do ciúme do falo: há por aí de todos os tamanhos e cores (e com várias velocidades também). Este filme conta acima de tudo, uma história sobre a compensação feminina e a busca pelo protagonismo de seu prazer. 




Você percebe que está com falta de sexo quando...

Olha para esta foto no facebook e pensa se o marido não se importará.




terça-feira, 18 de novembro de 2014

Bla bla bla meritocracia

Tem gente que parece que vive em uma eterna propaganda L'Oreal: porque eles merecem!


Eu já estou tão cansada de dizer o óbvio, mas parece que ainda é preciso. Quando falo que o Brasil deveria ser um país de bem estar social, e que fico feliz com algumas medidas afirmativas  (embora estejam longe do ideal, são muito mais do que grande parte da população já teve), não estou falando em premiar os que nada fazem. Dói ver alguns conhecidos estufarem o peito e dizerem: estou aqui onde cheguei por mérito próprio. E dizem-no enquanto rosnam contra as cotas para os pobres, negros e índios nas universidades públicas, contra as bolsas que o governo oferece para que os pobres ponham as crianças na escola ao invés de estarem nos semáforos a pedir dinheiro. Dói e não só dói como dá vontade de falar que merecem sim, uma ova ou um ovo (podre) nesta cara. 
Ao dizerem que merecem estar ganhando quatro, cinco mil reais, ir a Miami ou andar em um carro zero por fruto de seu trabalho, estão agindo como esquizofrênicos sociais. Mais ou menos isto:  dois obesos necessitam emagrecer. Enquanto um tem dinheiro e faz uma redução de estômago, o outro tem que penar, passar fome, caminhar na rua ouvindo "lá vai o botijão", olhar muitas vezes frustrado para a balança que não baixou quase nada. Depois de meio ano, o gordo que fez cirurgia emagreceu trinta quilos, enquanto que o outro com muito esforço perdeu dez. Ah mas a culpa é dele que é preguiçoso! Podia ter levantado mais cedo e aumentado em duas horas o treino de cardio. São assim, estes queridos amigos e conhecidos que pensam com tal arrogância que chegaram onde estão por mérito tão e somente deles e dos pais que trabalharam para que pudessem receber uma boa educação. 
Há por aí uma charge que infelizmente não encontrei... trata-se de duas crianças, uma está em cima de um livro roto no qual está escrito "ensino público", e tem um homem a olhar para ela dizendo que não consegue alcançar o sucesso porque não se esforça o bastante. A outra está em um plano elevado por uma dezena de livros, em que se lia coisas como "tempo livre", "aulas de inglês",  "cursinho de vestibular", "intercâmbio", "ensino privado", etc, etc. Ao seu lado estão seus pais a vibrarem e a seguinte mensagem: vai lá, filho! Você merece! 
Não quero dizer que é mau ter tido a oportunidade que tivemos, mas que é cinismo esquecer de que somos privilegiados. Ora, encontramos a estrada pronta e asfaltada, sendo uma escolha nossa percorrê-la ou não. Enquanto outros tem-na esburacada e cheia de interrupções, pedágios e obstáculos, culminando em subempregos mal remunerados. Como disse a atriz Thaís Araújo (uma das poucas atrizes negras da Globo), "não há nada de errado em ser doméstica, o problema está em sê-lo por falta de opção". E é aí onde quero chegar: quando as chances de crescimento se equipararem para todas as classes sociais, cujo ponto de partida passa a ser o mesmo, só então poderemos falar em mérito por uma ascensão social e/ou econômica.  E não me venham lá com a história do Silvio Santos contada como se fosse novela mexicana: de camelô a dono de emissora de tv. Porque a única coisa que a meritocracia faz, é premiar os que já estão na ribalta, com a papinha mastigada, e sendo bastante realista, são estes o que na verdade menos se esforçaram para chegarem onde estão.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Fabionices

Ao ver eu trocar a lâmpada queimada, o Fabian disse: 
"Sabia que na nossa casa é a felicidade que faz tudo funcioná?"
Acho que ele quis dizer "eletricidade", mas bem que seria interessante pagar a conta de luz com sorrisos e abraços. (Só não sei se a Énergies Strasbourg ia achar graça).


                                     ***


Mãe, a chuva cai quando a nuvem se sacode? E sai água pra cima e pra baixo também?



                                     ***

Mãe, podemos fazer un gateau d'anniversaire no Natal para o Père Noël comer na casa dele? Ele vai gostar muito! *


* Não sei o que andaram dizendo na escola, mas ele esta pensando que quem nasceu neste dia foi o Papai Noel...

O Bisa ( ou vô Schuch como eu chamava)

Você disse bala? Não sei de bala nenhuma.


Houve um tempo em que o meu bisavô morou com os meus avós. Lembro-me pouco dele, cada vez que tento mentalmente desenhar o seu rosto, é como se existisse um filtro destes de instagram que deixam tudo embaciado. Ele quase não saía de casa, tinha uma poltrona de couro escuro recostada na janela, da qual conferia cuidadosamente a obra do que mais tarde seria o prédio da Policia Federal no outro lado da rua. 
Meu bisavô tinha os olhos azuis que passara em molde a minha vó e o corpo magro de ossos largos como o dela. De maneira que hoje olhar para minha vó,  é reconhecê-lo através deste véu. Dizem que era tão austero e seco, o alemão, que nem as filhas, nem os cinco netos um a um foram capazes de amolecer aquele mau gênio. (Mas que eu o fiz). Sinto-me orgulhosa disto, embora não saiba muito bem o porquê nem como.
 Lembro-me de pedir-lhe balas de menta; "bainha fóti". E que ele me dava sempre, para o desespero da minha mãe, mesmo antes do almoço. Mas eu prometo que como tudinho, eu chorava. Minha mãe tinha já a enorme mão branca estendida em direção a minha boca. Momentos antes, o meu dilema era se escondia na curva do céu da boca e falava "mmmmm mmmm" ou se a punha para um dos lados e respondia a desafiar à mãe, que não, imagina, eu não tinha comido bala. E a sua expressão a encarar a filha boca-de-hamster oscilava entre a irritação e o esganar de um sorriso. 
Um dia meu bisavô foi para um asilo e de lá não retornou. Fui visitá-lo uma ou duas vezes, mas achava estranho tanta gente velhinha junto e o modo como me olhavam saltar e correr, tinha a impressão que incorporava muitas figuras de seu passado. Quem sabe uma filha ou neta ou até mesmo eles quando ainda tinham as pernas ágeis e o fôlego quase infinito. 
Meu padrinho conta que o bisa nunca deixava os bolsos da camisa vazios, havia sempre uma bala de menta para mim. Houve muitas balas enquanto ele morava naquele apartamento, sentado à janela. E quando morreu eu não pude vê-lo, mas não chorei, nem perguntei nada. Foi a primeira vez que encontrei com a morte, vi-a de muito longe...a segunda vez foi de lado, a terceira de frente e a quarta de raspão. Todas doeram de uma maneira distinta. Embora eu naquela época com a idade do meu filho não soubesse precisar o quanto podia ser definitiva, esta deixou-me um gosto na boca, ou a falta de um sabor de menta...

sábado, 15 de novembro de 2014

Tipo "Ensaio sobre a cegueira" ou Walking Dead mesmo

Chego no mercado com a minha carrocinha que é como eu chamo aquela sacola com rodinhas e vejo um cenário catastrófico, digno de filmes de apocalipse zumbi. Prateleiras vazias, algumas sem nenhum artigo. Agitação dos funcionários estoquistas: nunca, nunca, nunca vi coisa igual. Será que lançaram alguma promoção ao estilo pague um e leve três? E eu que só queria comprar pão... não tem. Mas e salgados? Não tem. E bananas? As únicas coisas que jaziam ali eram batatas e alfaces. Lá consegui salvar um pack de iogurtes agarrando-o como se fosse um tesouro esquecido. É meu, ninguém me tira! Lancei um olhar desconfiado em roda da ala dos congelados.
 Dirigia-me ao caixa quando li em um dos cantos da prateleira um bilhete impresso em letras ordinárias: no sábado, dia 15, esta loja irá fechar às 16 horas. Mas por quê??? Olhei para o relógio e percebi que faltavam apenas cinco minutos. Perguntei à funcionaria enquanto ela me estendia uma dezena de moedas, por que estavam fechando tão cedo. Acontece que iam mesmo se mudar, coisa que tinha esquecido depois de ter sido marcado para outubro e nunca mais mencionarem fazê-lo. Pois agora era assim? Não põem um aviso na porta duas semanas antes, nem isto nem o novo endereço do mercado? Não duvido nada de que aquele aviso tenha sido plantado na véspera ou quiçá no próprio dia. Irrita-me muito esta historia do "se virem" aqui na França. Dá-me vontade de dizer que isto não funciona no comércio onde o cliente é como um bebê que adora ser bajulado e carregado ao colo. No Brasil este setor de marketing ia mirrar à fome. Querem ver que a lógica é o cliente sair por seus pés a adivinhar para onde é que o Simply foi? Oh, claro que já estou me vendo fazer isto, vou é no Lidl isto sim!

Sexy Yemanjá

Está aberta a temporada de fotos  de pés na areia, da ostentação de quem tem um pedaço para a cadeira e o guarda-sol, sim que isto do sol nasce para todos é verdade: tanto para os que vão para o litoral quanto para os que ficam a torrar nos quarenta graus de Porto Alegre (ou Forno Alegre como é mais conhecida por estes meses de verão). E isto só me faz aumentar a ansiedade de ir morar novamente perto do mar. Vêm-me musicas solares, ainda dos tempos de infância, de quando desejava que a minha mãe esquecesse de me tirar da frente da tv na hora da novela das seis.  
Creio que a minha memória musical é ainda melhor do que a visual e ultimamente tenho me "enliado"* em canções antigas e as ouço em looping, às vezes mais alto do que costumo. Já não tenho tanto cuidado com os vizinhos que resolvem discutir a relação da meia noite até a uma da madrugada com direito ao homem esmurrando a porta e estar mais de dez minutos a massacrar a campainha, enfim. Fodam-se, que ouçam eles também. 
A música tem sido uma parte importante nestes momentos de solidão, tenho necessidade de escutar a minha língua, quase como se duvidasse da minha capacidade de retê-la, como se não quisesse esquecer-me de quem sou. Sempre achei este processo de adaptação moroso e dolorido... Até quando estou me adaptando e até quando estou me aculturando? Ainda não consigo escutar nada em francês, com exceção de duas músicas, nem tenho interesse de procurar algo que me agrade. 
Começo com Sexy Yemanjá, tudo a ver com o mar, viajo para escutar a voz rouca do Fernando cantando "Apesar de você amanhã há de ser outro dia" enquanto distraidamente seca a louça, volto para Chega de Saudade, passo por Espelhos d'agua (que vontade de perguntar se ainda é cedo)...E termino com Maluco Beleza controlando minha maluquês misturada com minha lucidez. Posso dizer que já estou em outro nível de loucura: nem falo mais com os meus amigos imaginários, estamos de mal. Deu para notar que pensei em falar sobre uma coisa e terminei com outra, mas no fim, acreditem que está tudo ligado. A loucura. A solidão. Os pés no facebook. 




*enlaçado à moda da minha terra.


sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Onde está Wally?


E estando novamente nestas andanças de percorrer sites de imobiliárias em busca do "tal", tenho observado o pior drama de um corretor: espelhos! Coitados, fazem de tudo para não aparecerem, mas lá fica o registro de um pé, um topo de cabeça, a mão com a câmera piscando em flash. Alguns arriscam posições de yoga, formando um arco com as costas, malabarismos que me fazem pensar que tem um segundo emprego no Cirque du Soleil (são canadenses, eu sei, mas vá que?). 
Tentam incansavelmente e até da pena, mas é quase impossível não deixarem vestígios, mesmo em uma casa vazia, mesmo em um cômodo pouco iluminado, afinal qual é a casa que não tem um mísero espelho que seja?




quinta-feira, 13 de novembro de 2014

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Era uma vez...



Compramos uma bicicleta para o Fabian pela internet. Vinha 95% montada, eles diziam. Pois chegou com os pedais para encaixar (facílimo), o banco para ajustar, o guidon e o freio por arrumar e uma frescurinha de ferro para atar na parte ao lado da roda traseira. Passei por várias fases: a "bricoleur" entusiasmada, a mãe perdida, a adolescente irritada com a porcaria do manual que não diz como montar, a monja que meditava para não arrancar os cabelos, a louca que quase mastigou os parafusos de raiva, a política que sai para procurar alguém que faça o trabalho por si. A história teria um final feliz caso o cara que conserta bicicletas não quisesse 50 euros por fazer o que ele faria com um pé nas costas em dez minutos. Além dos cinquentinha, só vai deixar pronta amanhã. Resignada, anuí em pegar a bicicleta a partir das nove e meia da manhã. Podia ao menos sorrir né? Mas não, o cachorro labrador preto  era muito mais cordial que o dono, me recebeu com o rabo abanando e me deu tchau lambendo minhas mãos. Quando a gente é assaltado assim, faz bem uma atenção destas!



Dá para ver pelas fotos que o senhor recebeu tudo quase de mão beijada. Aff...





Um dia de outono

De repente estava parada em frente à porta da escola do Fabian, levemente encostada no corrimão da ponte que nos leva até ela. Mulheres se aglomeravam a minha volta, falando, falando e falando. Por alguns instantes deixei correr solta minha cusquice habitual, falavam de carros mal estacionados e no quanto isto as enervava. Foi em um clique imperceptível, quando vi, já não estava mais lá. Uma gralha sobrevoou o céu cinzento e como em um feitiço qualquer, todas aquelas vozes transformaram-se em seu lamúrio animal. Crá crá crá. Retumbavam em minha cabeça. Crá crá crá. 
Às vezes a solidão prega-me peças destas, em um minuto estou aqui e no seguinte já estou voando longe. Racionalizei que era-me muito fácil ignorar uma língua ainda estrangeira, uma língua que me diz pouco, quase nada. Chuto-a para o canto assim que ponho os pés dentro de casa. Não quero ver nem tampouco ouvir falar nela. E qual criança birrenta lembro-me do meu desespero quando me tornei emigrante pela primeira vez.  Foi um parto difícil, sentia-me recém arrancada de todo o conforto que conhecia, senti-me lançada a uma luz fria, um terreno hostil. Pronta e nua, a vida disse depois de me parir: fiz a minha parte, agora estás por ti. Não era verdade que estivera só, mas ao mesmo tempo era. Há caminhos que só a solidão pode fazer sentido. Por muito tempo ouvir o português de Portugal me machucava, feria meus ouvidos como se tivesse em uma cela escura a ouvir intermitantemente o mesmo ruído de uma gota a pender rumo ao chão. Hoje não sinto mais esta gana de saber por toda a parte um idioma (ou sotaque) que não é meu, chamando-me à razão de que não pertenço aqui. Ao invés da raiva há o abandono, braços pendidos, pensamentos soltos em espiral. 
Não sei se é do tempo...inverno e outono são para mim as estações mais deprimentes que existem. O céu em armadura opaca proibe o sol de aparecer, mantém-no prisioneiro semanas a fio. E mantém-nos igualmente em estado letárgico, enquanto nossas folhas desabam uma a uma até nada mais restar...

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Fica para a próxima

Fui assaltada por fantasmas e bruxas! Levaram-me todos os doces da casa!
Ano que vem estou pensando em pendurar na porta este cartaz, só  não sei se os vai enxotar ou o contrário .




A infância de hoje

Hoje basta um clique e meu filho pode assistir a um desenho em russo, chinês ou em português de Portugal. Não imagino o que ele consiga captar, mas bem que ensaia umas palavras em japonês ou inglês. Quando quer assistir algum filme, geralmente acabamos por fazer um jogo de adivinhações porque ele começa com "aquele filme, mãe, que tem um menino que sobe num coiso que vua", ou "aquele titio bem velhinho que tem uma casa de balão" ou ainda, "o do leão, do tigui e do pinguim". E quando por algum milagre decora o nome do personagem principal, sai com um "Jerry" (do Estranho mundo de Jack) ou "Bundo" (Dumbo). 
Lembro-me da minha infância, de como era difícil ver o que quer que seja. Tinha de esperar dias a fio, amargar aquela vontade, aguardando que alguém tivesse paciência (e dinheiro) para locar uma fita a qual  veria duas ou três vezes durante o período de aluguel. E o tempo que demorava para rebobinar a fita! Céus! E não podia entregar sem fazê-lo porque esta distração custaria mais 50 centavos no final. E quando a fita emperrava? E quando as cores sumiam ou estava estragada a ponto de não conseguir ver nada e ter de abandona-la ao fim de vinte minutos? 
Será  que aquelas pessoas que dizem de maneira tão arrogante que as gerações de hoje não sabem o que é ter infância lembram-se disto? Para elas infância é sinônimo  de pés descalços, pião e cantigas de roda? Ah é verdade que hoje não se pode brincar livremente nas ruas, em parte culpa do trânsito  que chegou em quase todos os lugares, em parte culpa do mundo que esta cheio de perigos. Se por um lado concordo que o crime tenha aumentado, por outro, há certos perigos que não conhecem época e sim, eu falo de abusos sexuais. Parece-me que naquela tempo as pessoas eram por demais embotadas nestes assuntos, e infelizmente as crianças pagaram por isto. Quando levo o Fabian para brincar na pracinha, fico sempre de olho no que está  fazendo e com quem. Já lhe disse sobre a autonomia que tem sobre seu corpo e como eu queria que tivessem dito a mim anos atrás. Este é mais um dos motivos porque detesto gente que acha que protege crianças não expondo fotos na internet, mas que ao mesmo tempo é tremendamente irresponsável na vida real. Para mim são tão tolas quanto as que acham que tiveram o supra sumo da infância...

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Assim como são as pessoas, são as criaturas

Algumas pessoas estão de luto porque o seu candidato não ganhou as eleições. Já xingaram, espalharam a culpa pelos pobres, pelo bolsa família (que quando lhes convém reivindicam a paternidade do psdb), já compararam pessoas a porcos. Não vou fazer o mesmo com aquele ditado das pérolas, mas alguns dos discursos que li, se assemelhavam muito com o daquelas pessoas que pregam no centro, as que costumamos chamar lunáticas. Ditadura comunista? Onde? Quando? Se foi neste período em que tivemos  maior enriquecimento de grandes indústrias  e bancos com obscenos lucros? Que ditadura é esta que permite que sejamos constantemente livres para debitar desde indignações justas ao xenofobismo desnudo e livre nas redes sociais?
O Brasil precisa mudar, os brasileiros andam sedentos pela mudança e eu concordo. Mas e qual será a mudança que queremos? Diminuir a maioridade penal, acabar com o sustento de "vagabundos", acabar com as cotas nas universidades? Mais segurança para andar na rua?  Se eu contasse minha história, possivelmente se dariam conta de que eu seria a última  pessoa que pensaria em estar vivendo fora do Brasil, e muitos talvez julguem que por isto mesmo nem tenho razão de me manifestar. Mas como vivemos em uma democracia, também quero falar um pouco sobre mudança. 
Quando pensamos em uma mudança social profunda, é inevitável não pensar em ganhar menos: em salários com menos discrepâncias face ao salário mínimo, e também em pagar mais impostos. Nós  pagamos 50% de imposto e sim, é verdade que a França é um pais mais igualitário, mas também é verdade que para que assim seja, muita gente recebe benefícios do Estado. Nós  não temos direito a nada, embora tenhamos um filho, talvez só  a partir do segundo (mas isto agora não vem ao caso). O fato de pagarmos e não recebermos pode parecer injusto e eu confesso que havia um lado coxinha dentro de mim e foi preciso lutar para derrotá-lo. Garanto-vos que não foi necessário o uso da força: bastou abrir os olhos. 
Aqui as pessoas recebem auxilio moradia, ou mesmo um lugar para morar com o custo de acordo com a renda, famílias recebem abonos conforme o número  de filhos, as grávidas  recebem 900 euros para gastarem no enxoval da criança (ou no que quiserem); o governo ajuda com o pagamento de babá  ou creches (já que não existe estabelecimentos públicos voltados para a faixa de 0 a 3 anos) e finalmente, a partir da primeira série  até o final do percurso escolar estas ganham por volta de 300 euros no início  de cada ano letivo. Não é vergonha receber subsídios, é tão e só  um direito de cada cidadão que se enquadra nas exigências do sistema. É claro que entre milhões de beneficiários, sempre haverá quem use de ma fé, no entanto isto não é motivo para invalidá-lo. 
Um dia li uma crônica  sobre um emigrante na Suíça falando que justamente o que fazia sentir-se seguro ao abrir um lap top nos transportes públicos, era o fato de receber menos. Porque entre o valor que um lixeiro ganha e um engenheiro, médico ou professor não há o abismo que encontramos no Brasil. Para dar um exemplo próximo, um salário de 3000 euros na Alsácia  é considerado  alto, e tendo em conta que o salário mínimo é 1445 euros, e quanto mais alto, mais pagamos, é bem difícil  enriquecer por aqui.
 Voltando ao Brasil, a questão que se coloca é o porquê  da insistência acusatória dos que pagam as ajudas do governo através dos impostos, frente aos que recebem-nas. O problema está  em sustentar "vagabundo" ou na impossibilidade da classe média e alta de desfrutar das mesmas benesses? O problema está  na ignorância do valor irrisório do bolsa família ou na revolta por um vagaroso, porém crescente recuo da desigualdade? 
E ainda continuo sem entender como se veste de luto quem rezou tanto para o Santo Aécio nos livrar do mal da corrupção. Um santo do pau oco, um santo que possui um aeroporto ligado ao tráfico  de drogas nas terras de seu tio: uma obra de 14 milhões de reais desviados dos cofres públicos. Mas isto não interessa nada, afinal as pessoas queriam milagres e quando esperamos milagres principalmente de tais figuras políticas , abandonamos toda e qualquer lógica. 

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