quinta-feira, 27 de agosto de 2015

à hora do almoço

Já se vão trinta anos e parece absurdo saber que há sempre qualquer detalhe sobre mim que desconhecia. Começou a minha vo dizendo que não era para eu nascer, eu sabia. Também sabia que meu 'pai' tentou de todos os modos fazer com que a minha mãe abortasse, mas não sabia que ele queria levá-la à força, que já tinha médico e clínica tudo agendado e que se não fossem meus avós, provavelmente não estava aqui escrevendo isto. Não sei o que pensar, nem o que sinto. Meu passado vai e volta e me deixa à margem como um mero observador. Será que já me curei? Será aquela a minha dor ou a de alguém muito parecido, um sósia, um personagem qualquer? 
E depois lembro-me de que não interessa de nada o tempo vir com paninhos quentes. O que é nosso sempre dará  um jeito de encontrar-nos em alguma conversa casual, distraídos, e enquanto esperamos pela sobremesa.

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

A nudez das ru(g)as

Sempre disse que nunca gastaria fortunas com creme anti rugas. Sorte minha que o Lidl existe. Dizem que em pele oleosa  elas demoram mais a aparecer, e eu imagino meu rosto como se fosse um canteiro de obras públicas superfaturadas,cuja inauguração a gente não sabe se vai ser no mandato deste candidato ou no próximo. Sorte minha outra vez.
Minha vó diz que esta bem assim. Quase não tem rugas. Ela esquece que quinze anos atrás, eu e minha mãe a encontramos tal qual um ratinho virado em orelhas, com duas bolsas de sangue embaixo dos olhos e hematomas por quase toda a cara. Era so para tirar as "bolsas de cansaço" que se transformaram as olheiras, mas ela havia tirado tudo. Em algumas horas varreu qualquer expressão que fosse sua, apenas restou a cara de surpresa. Minha vó passou anos, uns dois talvez, parecendo-se admirada com o mundo. Os olhos muito abertos e a boca custando a fechar.
Voltou a si aos pouquinhos, uma a uma avenida aberta entre os olhos, e ruelas e becos foram brotando pela testa. Diria que hoje tem sessenta e cinco anos, mas sim, para a idade não tem quase rugas.

sábado, 15 de agosto de 2015

A adolescência da infância

Ninguém nunca me avisou que a adolescência começava tão cedo. A minha vó trouxe o Yoshi, meu cachorro que tinha ficado no Brasil. Ontem à noite discutíamos sobre quem ia levá-lo à rua. O Fabian que observava tudo, levantou o dedo:
- Mãe eu tenho uma idéia,  não te peocupa. Tu fica em casa, o papai fica em casa e eu levo o Yoshi sozinho. Eu já sei ondi qui eu posso andá com ele. Eu já sou grandi porque eu comi tudo!
E eu já tenho cinco.
Maior ofensa para ele é dizer que não,  ainda tem quatro, mas faltam só alguns dias para os cinco anos.

Fabionices

- Mãe faz assim. (Movimento com as mãos para cima em direção ao alto da cabeça já lotada de gel).
Não mãe,  assim  ó!
- Tô tentando, Fabian mas o teu cabelo está muito curto.

Mais tarde olha uma foto na internet do cabelo de um punk:
- Viu, mãe,  assim é que fica bonito!

domingo, 9 de agosto de 2015

Dia dos pais

Achei muito interessante a colocação de uma das meninas do grupo que temos no Facebook. Ela reparou que não há quase casos de pais que agradecem por passarem por esta experiência como tem nos incontáveis exemplos maternos. O que mais há são filhos agradecendo ou esposas bem dizendo o melhor pai do mundo com que presentearam seus filhos. Resposta para este questionamento: ou ser pai não é nem de perto o ápice que é ser mãe ou (sabendo que a maioria deles sai-se, como dizer de forma delicada, miseravelmente neste papel) rola uma certa vergonha na cara? 

Não entendo

Talvez nunca vá entender mesmo. Não entendo porque vejo mulheres exaltando a maternidade e depois tem filhos só para por em uma creche (não trabalham) ou no caso de uma conhecida, passava os dias suspirando sobre o quanto queria ter filho. Engravidou uns anos depois, o menino mal tinha nascido e ela andava a querer voltar a trabalhar pois estava desempregada. O senão é que ela era aeromoça, ora uma profissão no meu ponto de vista, completamente inconciliável com quem tem um bebê de colo. Depois de muito insistir, ela está em outro estado fazendo um curso de preparação para começar em uma outra empresa, entregou o filho para os avós criarem, o marido se desresponsabilizou e para quê? Para ver o filho através de vídeos do whatsapp e visitar uma vez no mês?
Tenho mesmo a impressão que em muitos casos que conheço ter filho virou um capricho, uma modinha. Se sabe-se à partida que não terão o mínimo de tempo  para estarem presentes, mais valia adotarem um gato, sei lá, porque até cachorro demanda algum trabalho. E depois vão dizer aos quatro cantos que amam ser mãe, que isto as completou, patati papata. Da mesma forma como se pegassem o gadget mais cobiçado do ano, tirassem foto para se gabar, para logo em seguida depositarem em um canto qualquer.

Bipolar/Apolar

A água escorria pelas minhas mãos. Sempre achei  hipnótico  lavar coisas. Limpar, lavar. Esfregar. Colocar detergente na esponja, apertá-la como se fosse esganar alguém até sair espuma e escorregar pelos dedos. Sempre que lavo louça escuto da voz a mesma frase: polar dissolve polar, apolar dissolve apolar. O mantra que guardei das aulas de química, assim como o movimento característico dos pés do professor para frente e para trás, como se estivesse balançando-se em uma cadeira imaginária, mantendo um giz em cada mão. 
É inútil questionar o porquê de tantas coisas que poderia a memória ter guardado, só consiga me lembrar desta fatídica frase. E já nem sei se a gordura é polar ou apolar, mas sei que é por isto que é mais fácil retirá-la com detergente e quase nada de água. 
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