Minha vó e minha mãe vieram passar o domingo com a gente e foram embora hoje cedo. Ontem fomos à praia e enquanto a vó e o neto brincavam no mar, fiquei conversando com a minha vó sobre a vida. Eu adoro conversar com ela, também adoro ela de paixão, senti muitas saudades quando morava em Portugal, saudades de visitar a casa dos meus avós, pena por não estar junto deles nos momentos bons e menos bons e por não estar presente quando o vô passou desta para melhor.
Muita coisa mudou na nossa vida, o vô era a cola que nos unia literalmente, com seu jeito estourado e com aquele monte de palavrões que dizia, sempre foi uma pessoa sincera, vai daí que lhe puxei alguma coisa, não consigo fingir o que não sinto, mas ao contrário dele ao menos fico quieta. Acontece que quase 5 anos se passaram e só agora consigo enxergar mais a vó, pois ela andava meio que à sombra dele. Agora a vó clama por sua independência. Ela reclama por ter a vida especulada pelos quatro filhos, por ser puxada a fazer o que eles acham que deve fazer. Ela ainda aguarda que o meu tio que comprou a casa lhe dê a parte dela na herança do vô e espera com este dinheiro poder viajar, alugar um apartamento para ela ter sua privacidade, comprar um carro, em suma, ela quer aproveitar o que lhe resta da vida. Cada filho tem a sua visão sobre o que seria aproveitar a vida: minha mãe quer que guarde dinheiro para o caso de precisar mais adiante de uma clínica ou para doença. O meu tio quer muito provavelmente um quinhão deste valor, já que sempre esteve na merda e sempre estará. O outro tio que vai lhe pagar o valor, quer que não torre tudo de uma vez e que não dê para os outros irmãos, a outra tia também quer um pouco já que tá a espera do terceiro filho e as coisas nunca são fáceis. E no meio disto está a vó com 74 anos, louca para ter a sua independência, prestes a dar o grito do Ipiranga ela sonha e fala nisto quase sempre que conversamos.
Isto me faz pensar sobre o ciclo da vida...nós nascemos e somos cuidados, crescemos, "adolescemos" em busca de liberdade, de ar, ficamos adultos e donos de nós, depois envelhecemos e voltamos a lutar por nossa vida, desta vez não contra os pais, mas contra os próprios filhos. É triste, mas tudo que é triste é um aprendizado diz a minha vó, ela quer mais é ser feliz. E já sabe de cor e salteado a lição de que liberdade traz sempre a consequência de nossas escolhas. Ela sabe que se gastar tudo e um dia precisar, vai provavelmente depender do SUS e que nenhum filho terá a possibilidade de pagar quatro mil reais para um lar de idosos. Mas se ela for feliz o quanto dure aquele dinheiro, aquelas viagens e a tranquilidade de um canto só dela, já valeu a pena. Quantos anos mais vai viver? Dois, cinco, dez? Que viva então intensamente, da melhor forma que ela achar e mande os filhos se catar, porque a rebeldia também faz parte da adolescência da terceira idade.