Desde que me lembro há em mim duas pessoas: aquela que sou e aquela que tenho de ser. Durante a minha infância e adolescência este questionamento foi crescendo a medida que ia entendendo que as outras pessoas deixavam escapar um pouco de si em uma conversa ou discussão. Foi então que apercebi-me que não estava só. Mas junto desta dualidade vinha a culpa, a culpa por não conseguir ser quem eu sou, a culpa por ter de fingir o que não sinto, o medo de não ser amada por eu mesma, pois que quem era amada era a outra, aquela que eu podia mostrar.
Fiz terapia por mais ou menos seis anos e foi a melhor coisa que me aconteceu. Abriu os meus horizontes, fez-me questionar os meus valores e pensamentos. Lembro-me de algumas vezes dizer que sofria porque não conseguia demonstrar amor ou simpatia por determinada pessoa ou situação. E lembro-me também dele me perguntar o porquê. Porque eu deveria sentir amor? Porque eu deveria sentir pena? Porque eu deveria sentir o que quer que fosse por alguém ou por mim? Não, eu não deveria. Esta é a outra. Eu não tenho de me sentir culpada por não conseguir ser o que os outros esperam de mim. A única pessoa a quem devo fidelidade sou eu. A mim devo honestidade, aceitação. Não estou querendo dizer que por isto vou sair aí agindo à louca, machucando gratuitamente as pessoas, nem dizer bem feito por isto ou aquilo que fizeram. Apenas falo na quietude do ser. Para mim não é preciso fingir, posso ser eu com todos os defeitos e posso ser eu (em pequenas medidas) com o mundo. Calar não é fingir. E por isto me calo quando não concordo com algo, quando o que penso não é o que a pessoa queria ouvir. Calar é respeitar o outro e a si mesmo. É como fazer as pazes comigo, pois para mim calar não é consentir, calar é uma forma de conviver sem me trair.
E este blog tem sido a minha terapia desde então, muitas vezes quase que o imagino sentado a minha frente a me escutar e questionar. Ele sempre me dizia para observar os meus pensamentos, mas não me prender a eles, a deixar ir, a aceitar, a questionar. E questionando-me constantemente, dizendo coisas que não gosto de ouvir, tenho me conhecido melhor. Tenho trabalhado a culpa que há em não ser sensível em relação a grandes tragédias, em primeiro lugar porque sou constantemente exposta a isto pelos jornais e tv, em segundo porque o sentir como, quando e em que intensidade, é relativo. Posso sentir alguma coisa por alguém em determinado momento, e depende do meu estado de espírito sentir mais ou menos, porque acho que o sofrimento nos torna um pouco egoístas. Mas quando sentir, tenho de realmente sentir. Tenho de me imaginar na situação do outro, sentir a sua dor por alguns minutos, tenho de pensar o que faria, tenho de mandar pensamentos de amor. Porque para mim isto é sentir, isto é ter empatia com outro ser humano. Não é dizer que horror e virar as costas.
