quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Hã?!

Surpreendida por não haver um meio termo entre desenhos violentos e desenhos/programas babacas que são chamados "educativos". É que ver uma meia falar não é propriamente estimulante, nem aqueles desenhos em que todo mundo, mas todo mundo ao mesmo tempo é sempre bonzinho e a única discussão que há é entre colorir o sol com amarelo ou laranja. Mas veja bem, não podemos ser preconceituosos com as outras cores, afinal também é bonito pintar o rio de roxo, o sol de verde... 
Alguém avise os criadores, escritores, sei lá, de que crianças com dois anos possivelmente fariam um trabalho melhor. (Isto a julgar pelas histórias que o Fabian inventa). 

Nosso leãozinho

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Não há certo nem errado: há sentimentos.

Desde que me lembro há em mim duas pessoas: aquela que sou e aquela que tenho de ser. Durante a minha infância e adolescência este questionamento foi crescendo a medida que ia entendendo que as outras pessoas deixavam escapar um pouco de si em uma conversa ou discussão. Foi então que apercebi-me que não estava só. Mas junto desta dualidade vinha a culpa, a culpa por não conseguir ser quem eu sou, a culpa por ter de fingir o que não sinto, o medo de não ser amada por eu mesma, pois que quem era amada era a outra, aquela que eu podia mostrar.   
Fiz terapia por mais ou menos seis anos e foi a melhor coisa que me aconteceu. Abriu os meus horizontes, fez-me questionar os meus valores e pensamentos. Lembro-me de algumas vezes dizer que sofria porque não conseguia demonstrar amor ou simpatia por determinada pessoa ou situação. E lembro-me também dele me perguntar o porquê. Porque eu deveria sentir amor? Porque eu deveria sentir pena? Porque eu deveria sentir o que quer que fosse por alguém ou por mim? Não, eu não deveria. Esta é a outra. Eu não tenho de me sentir culpada por não conseguir ser o que os outros esperam de mim. A única pessoa a quem devo fidelidade sou eu. A mim devo honestidade, aceitação. Não estou querendo dizer que por isto vou sair aí agindo à louca, machucando gratuitamente as pessoas, nem dizer bem feito por isto ou aquilo que fizeram. Apenas falo na quietude do ser. Para mim não é preciso fingir, posso ser eu com todos os defeitos e posso ser eu (em pequenas medidas) com o mundo. Calar não é fingir. E por isto me calo quando não concordo com algo, quando o que penso não é o que a pessoa queria ouvir. Calar é respeitar o outro e a si mesmo. É como fazer as pazes comigo, pois para mim calar não é consentir, calar é uma forma de conviver sem me trair. 
E este blog tem sido a minha terapia desde então, muitas vezes quase que o imagino sentado a minha frente a me escutar e questionar. Ele sempre me dizia para observar os meus pensamentos, mas não me prender a eles, a deixar ir, a aceitar, a questionar. E questionando-me constantemente, dizendo coisas que não gosto de ouvir, tenho me conhecido melhor. Tenho trabalhado a culpa que há em não ser sensível  em relação a grandes tragédias, em primeiro lugar porque sou constantemente exposta a isto pelos jornais e tv, em segundo porque o sentir como, quando e em que intensidade, é relativo. Posso sentir alguma coisa por alguém em determinado momento, e depende do meu estado de espírito sentir mais ou menos, porque acho que o sofrimento nos torna um pouco egoístas. Mas quando sentir, tenho de realmente sentir. Tenho de me imaginar na situação do outro, sentir a sua dor por alguns minutos, tenho de pensar o que faria, tenho de mandar pensamentos de amor. Porque para mim isto é sentir, isto é ter empatia com outro ser humano. Não é dizer que horror e virar as costas. 

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

O cafajeste italiano


A tia dizia que viver na Itália era a melhor coisa que lhe tinha acontecido. A tia casara com um italiano e não precisava neste exato momento estar a limpar as borras de café no balcão de um bar sujo de Palermo. E a única coisa que lhe enchia os pensamentos era a música dos titãs Go Back. A música incorporava-se em seus dedos e quando via estava a murmurar e sacudir a cabeça enquanto o pano ficava castanho e a  fórmica insistia em ficar apenas borrada ao invés de limpa. O sino que anunciava a chegada de um cliente tocou, ela virou-se ajeitando o avental. Tinha a franja sobre os olhos quando deu com o par de olhos mais azuis que o mar mediterrâneo, sentiu os pelos do braços a eriçarem. Nunca fora mulher destas coisas, de arrepiar, de acelerar o coração por qualquer um. Sinceramente nem lembrava-se se algum dia sentiu isto a não ser por aquele homem de metro e noventa e olhar insistente. Ele fechou a porta atrás de si, pois já estava habituado que a mola estava quebrada desde sempre, deixando o frio e a chuva fina longe dali. Queria dizer-lhe com ar emburrado que o estabelecimento fecharia dentro de minutos, mas conteve-se sem saber se o fazia pelo seu  italiano ser terrível ou se porque o homem sabia disto e mesmo assim perseverava com aquela mania. 
Às vezes ela permitia-se olhar por de trás de um manto de timidez quando lhe preparava o café e o pão  que usualmente pedia. Devia ter 35 a 40 anos a julgar pelas têmporas que tinham caracóis mais prateados que no resto. A barba devia ser estrategicamente aparada para manter-se sempre barba por fazer de dois dias, coisa que ela não apreciava em homem nenhum. Mas o pior disto era o sorriso e a aliança na mão esquerda. E sua solidão. Por ela seria capaz de não reconhecer-se e fraca, deixar-se levar por alguns minutos nos braços de alguém. E assim foi quando naquele dia ele fizera mais um convite para um passeio pela praça (que ela suspeitava que o fim seria no hotel mais próximo). 
Ele amparou cuidadosamente seu braço quando trancava a porta, pois que tremia de frio e nervosismo, embaixo do guarda chuva que ele pacientemente segurava. Era como a chapeuzinho sendo levada para a casa da vovozinha pelo lobo mau. Mas não era assim tão inocente, neste caso a chapeuzinho era tão culpada quanto o lobo. E assim eles saíram um pouco abraçados pela chuva fina e gelada, que molhava seus pés e a barra da calça justa. Ele ia lhe dizendo coisas no caminho, algumas ela entendia, outras não tinha mesmo vontade de esforçar-se para isto. Mas era algo como aproveitar o momento, carpe diem, estas coisas. Perguntava-se se este seria o lema de todos os traidores deste mundo a fim de justificarem o fogo desmedido por entre as calças.
Chegaram no quarto e enquanto ele servia um vinho que havia pedido no balcão, ela engolia-se na cadeira. Olhava para a janela e via-se refletida no vidro húmido. No entanto o vinho descia e uma onda de calor brotou em seu corpo já tão cansado de culpa. O homem lhe explicava que estava apenas preso às mãos, mas que o membro não tinha qualquer parte no compromisso que havia feito alguns anos atrás. Pôs-se a beijar-lhe a nuca e afagar-lhe os seios. Alguma coisa dentro dela sentia-se crescer e esquecer do mundo, deixando apenas atenção para o seu corpo jovem. 
Foram finalmente para a cama. Revezavam-se no poder que exerciam sobre o outro. Eram momentos de paz e gozo, de dor e presença. Riram. Exploraram. Deixaram que seus corpos se conhecessem. E dali conseguiram um empate, dois a dois. Entre mortos e feridos salvaram-se todos. E não sabe se foi pelo vinho ou pelo sexo, haviam fugido horas sem que percebesse. Agora nos lençóis brancos apenas ela, nua e crua de vergonha. O cafajeste devia estar dizendo habilmente mentiras em sua boca adocicada pelo seu perfume. Ela levantou-se ainda sem equilíbrio, os cabelos confusos em espirais, os pés tontos de encontro às roupas. Pelo menos ele havia pago o alojamento, ela até poderia passar a noite longe de seu quarto alugado em Corleone. Mas vestiu-se e deixou o lugar, pelo menos isto podia deixar. Já que ao cafajeste ninguém abandona.  E quando finalmente o céu a tinha sob custódia, maldisse a tia, a lua, os deuses todos, encolhida no casaco carmim. Tinha raiva desta sina feminina que procurava o amor em qualquer esquina, e que ao mesmo tempo desculpava os homens que partiam incólumes a sua vida. Dizia a si que nunca mais com aquele estrangeiro, mas sabia que a solidão voltava... e não só voltava como nunca a abandonou. 
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