segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

O velho

Sacudiu o jornal e pigarreou. Fazia isto muitas vezes. Era um gesto em conjunto, o ato de sacudir as folhas, o barulho do papel a roçar no outro, o cheiro do impresso nas narinas e por fim, o pigarro. Não sabia o porquê de ter de fazê-lo. Se era a tinta que lhe incomodava ou os olhos que lacrimejavam ao antever a poeira do jornal. Sentava-se sempre à mesma mesa, pedia sempre a mesma coisa. Uma água com gás e uma empada de frango. A empregada com ar muito enfadado não lembrava-se ou fingia não lembrar de seu pedido frequente. Sempre perguntava-lhe se queria um café. Aliás, a sua relação com o café era um bocado estranha. Amava-lhe o perfume que ficava no ar, gostava do som das últimas gotas a cair para a xícara, mas odiava o gosto. Era como lhe tirar o encanto, como comer morangos depois de sorvete de morango. Perdia toda a graça. 
Olhou para o vidro à sua direita. Via as pessoas a andarem encolhidas pelo frio e pela chuva. Não era raro alguém entrar e pedir alguma coisa que fosse, pelo simples fato de ficar protegido até o pior passar. A chuva abrandava e eles armavam os guarda chuvas, as capas e partiam. Porém desta vez a chuva estava lânguida e distraidamente jogava-se nas pedras da calçada, no asfalto, nos carros. Beijava os postes mal iluminados e a mochila de alguns desavisados. Pouca gente entrou em busca de abrigo. Olhou para os lados e viu as mesas quase todas vazias a não ser por um jovem casal a trocar sorrisos e cochichos e uma senhora muito muito velha que bebericava um chá com metade da torta inacabada há duas horas.  
Queria não pensar, mas aqueles dias de chuva lhe traziam o fantasma dela. A mulher que deixou para poder seguir sua vida tão repleta de gozo material mas nenhum amor. Casou-se, teve três filhos, mas jamais fora tocado por este sentimento arrebatador do que quando jovem. Vinham à baila as sombras, os risos e os cabelos castanhos. E por mais que aqueles dias tenham ficado no passado, nunca vieram tão vivos e em cores como nos últimos anos. Devia ser da viuvez. Ou do afastamento dos filhos que sempre o acusaram de não ter sido mais presente. Agora eram eles a domar suas vidas, desta vez com seus próprios filhos. Agora eram eles a partir para mais uma dança junto aos seus outros fantasmas.
Não soube nada dela, além daquela festa, do vestido cor de pérola a lhe avivar a cintura de ampulheta. No entanto acordava e adormecia com aquela imagem, tanto que optava por sair, ver outras gentes, participar um pouco do mundo. E talvez seja por isto que agarrava o jornal como um náufrago avistava a esperança. E a cada pigarro, um suspiro por não estar ainda de volta aquele fatídico baile. Aquela única vez em que fora feliz.

Falo mal, mas também quando tiver que falar bem, eu falo

E o marido conseguiu um lugar para ficar! Viva!!! Alugou um quarto perto de Paris, terá de dividir com uma senhora (proprietária) e um jovem estudante que também aluga outro quarto. Isto tirou-nos um peso das costas, porque 10 dias em um hotel barato já pagam um mês de estadia e dinheiro não é coisa para se desperdiçar agora. E tudo graças além do marido, a um francês que ele sequer conhece e apenas troca emails nos últimos meses. Foi ele quem fez a mediação entre o proprietário e o Fernando, já que daqui pouco sabemos se a proposta é séria ou não.  O marido fará o pagamento assim que receber as chaves o que é mais tranquilo para ambos. 
Querem uma prova de amizade? Fiquem pobres. Sério, fiquem na merda. Vemos quem são as pessoas que estão ao nosso lado, vemos quem fica, quem se preocupa. Não falo de emprestar dinheiro porque isto nem sempre quer dizer nada. Mas digo mandar um email para saber como estão as coisas, um telefonema, uns anúncios de emprego. É incrível como pessoas que considerávamos amigas não estão nem aí, é tudo um "ai vai melhorar". O caralho que vai. Aliás, melhora sempre quando estamos bem. Não sabem o que é estar com a vida em suspenso. Eu explico: é mais ou menos como prender a respiração por nove meses. Conseguem? É porque já nem sequer estão vivos, estão a pairar vendo os outros "viver" lá embaixo. E sabem o que tem de mais irônico nisto tudo? É que um sujeito que era amigo de um ex colega de trabalho do marido, ter sido a pessoa que mais se preocupou conosco. A pessoa que esteve incansavelmente a ajudar a procurar casa, a mandar  currículos, a falar com outras pessoas da área para ver se há vagas. É aquilo que dizem que de onde menos se espera, pode sair alguma coisa. E não me venham com mensagens a dizer que não devemos ter expetativas sobre os outros porque na realidade ninguém consegue deixar de ter. A amizade não é uma via de duas mãos? Peço eu alguma coisa muito além do que compreensão e atenção? Tenho a certeza de que é bem razoável o que peço, mas nem assim, meus amigos, nem assim esta gente chega lá. E prontos, estou decepcionada com metade do planeta. Aos meus antigos amigos, desejo do fundo do coração que fiquem um dia na merda, aí eles vão saber quem está realmente no lado deles. Se ainda tiver paciência para lá estar, posso dizer-lhes que sei o que é.

Garotos nunca dizem não



Simplesmente amo esta música, não sei se  pela poesia, não sei se pelo clipe, ou se pela verdade contida na música. Porque afinal os homens, por mais adultos que sejam, perto de uma mulher são só...garotos.

Zôo


No fim das contas acabamos por ir só no domingo porque os horários não se encontravam: ora porque acordávamos mais tarde, ora porque o Fabian não queria dormir a sesta, ora porque dormia. Decidimos que iríamos por voltas das 11 horas, munidos de lanches, sucos, fraldas e chuchas. Um ônibus até o centro e outro até Sapucaia, onde fica o zoológico. Até que foi fácil, descemos na entrada, compramos os bilhetes e...uma longa estrada de terra batida. Caminhamos, caminhamos, caminhamos. Cadê os bichos?? Depois de dois km um grande lago cheio de patos e marrecos. Paramos embaixo de uma árvore enorme e descansamos em um banco. Eu já estava morrendo de fome nesta altura e o Fabian depois de abraçar todas as árvores ao redor, ansioso para ver "bichu". Ele mal comeu ou melhor não comeu nada mesmo. Algumas pessoas vão de carro, levam cadeiras de praia, toalha, isopor com bebidas e passam o dia lá. Nós andávamos como mochileiros, levando as tralhas nas costas e o pai com o Fabian no colo, só lembrava-me que estava completamente aborrecido com aquilo. O zoo tem o triplo do tamanho de Lisboa, talvez mais. É uma fazenda enorme, os animais tem bastante espaço, mas ontem estava tão tão quente (36º) que foi difícil ver alguns. Uns escondiam-se nas "casas", outros na sombra, outros nos lagos. Caminhávamos meia hora para ver os elefantes e quando finalmente chegávamos, o Fabian dizia: quero vê otro. Bahhh! Aí era mais meia hora a ouvir: uxo uxo uxo. Chegávamos nos ursos e ele: quero vê otro. Leãu, leãu, leãu. Quero vê otro.
O pior foi voltar. Eu já não aguentava mais a rasteirinha nos pés. Malditas rasteirinhas! Tinha a impressão que andava sobre alfinetes porque tudo que era pedrinha eu sentia nas solas dos pés. Caminhamos tudo de novo até a saída do zoo e depois atravessamos a autoestrada pela ponte. Do outro lado uma espera infinita, em pé, a ver os carros que passavam a 100 por hora e necas de ônibus. Ô pobre sofre viu? Até que chegou e conseguimos por um milagre vir sentados, o tal envereda por umas estradinhas de chão, buracos e pedras e era só nós sacolejando até chegar no fim da linha: a estação de trem de Sapucaia. Lá fomos nós, entra, sobe, senta, desce. E volta caminhando mais 15 minutos até finalmente chegar no sofá. Aleluia! Não me pegam nesta nos próximos dez anos. 
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