quinta-feira, 7 de março de 2013

O colecionador de mágoas

O corpo fala, filho. Tenhas certeza disto. Tu podes achar que não proferiste uma só palavra, mas ele trai-te desde o princípio, desde o primeiro choro até o último suspiro. Eu digo-te que fala e age conforme a petulância do teu coração. E como, perguntas-me. Lembra de algo que te incomoda, vês logo o teu peito a galopar, tens uma pontada no estômago, um tique no pé. Doem os dedos, estalamos como gostaríamos de fazer com alguns pescoços por aí. E não, nós fingimo-nos de surdos a cada vez que ele fala. Parece-nos que quer nos tirar o brio de civilidade e nos transformar em segundos em macacos selvagens de corpo nu. O corpo quer-se nu. Ele fala e nós não o escutamos. Teimamos e ele também teima por sua vez. Duas pessoas conversando são dois corpos falando ao mesmo tempo. Ganha quem souber ler o outro, quem parar de fingir e ouvir as mãos, os nós mal resolvidos. Ganha quem calar. Em suma. E é só. O corpo fala e trai-te. Quanto mais cedo perceberes, filho, mais saberás de ti e dos outros.
Sabe porque a arte é tão exagerada aos nossos olhos? É porque não tem pretensões para com a vida. A arte não imita a vida, não aquela que conhecemos. A arte imita o corpo. E daí que a notícia de uma morte causa um desmaio. Já viste lá alguém desmaiar quando outro morre? Eu não. E quando em desespero um sujeito se joga ao mar de roupa e tudo. E outro vomita quando uma situação lhe causa asco. Não, filho, ninguém o faz. Por acaso este teu velho pai aprendeu que há memórias que não se evocam, que há filmes que não devemos rever. E no entanto revemos. Sonhamos, sofremos, odiamos tudo outra vez. E a cada volta o corpo fala, aperta-nos com sofreguidão. Porque não o escutamos agora? O corpo não sabe do tempo, acha e vive como se fosse da primeira vez. Como se pudéssemos mudar naquele instante o que já é passado. O corpo não possui gavetas como eu para colecionar mágoas, pois se gavetas tivesse, estariam todas, filho, rasgadas ao chão até o último dos sentimentos.

quarta-feira, 6 de março de 2013

No pediatra

Parece que a ausência do pai já fez sentir na pele, literalmente. O Fabian voltou a apresentar uma alergia muito feia embaixo dos braços, ele já tinha tido quando entrou na creche em Portugal, mas foi generalizado, nas pernas, braços e barriga. Desta vez não deixei aumentar e fomos na pediatra, pois é tudo emocional e além de uma pomada convencional, saímos com duas homeopatias para tratar a ansiedade e separação. Aproveitamos para checar o peso e altura e... temos um menino com medidas de criança que completou 4 anos. Um metro e 16 quilos, percentil 100 e 90 respetivamente. 
A mãe recomeçou o desfralde por conta dela (!!!) e vamos seguindo, pois ao menos dois xixis saíram no penico. É indo sem pressas...pena que o verão está acabando, muita chuva e noites e manhãs fresquinhas, muitas cuecas e calças na secadora. Ah e o marido já tem uma entrevista. Olha eu aqui cruzando os dedos! 

terça-feira, 5 de março de 2013

Facebookeando


Desapegar



Hoje comecei a fazer uma limpa nas minhas caixas, ainda devagarinho porque é tanta coisa... Já dei dois lençóis queen size que tinha para minha vó, que é a única que conheço que tem colchão desta largura. O computador de mesa darei para minha amiga ou para o meu cunhado, as facas darei para os meus dindos, o telefone sem fio para a minha mãe. Já pus o carrinho do Fabian à venda e a plataforma vibratória irá logo em seguida. Tenho a perfeita noção de que não farei outra mudança destas para a França porque é impossível fazer por avião e por navio é caríssimo, além de demorar quase meio ano para chegar. O melhor é pagar excesso de bagagem e levar somente roupa e calçado...talvez alguns brinquedos melhores e menos volumosos do Fabian. 
Há certas coisas de que não abro mão mesmo: elas são minhas saias, meus jeans, minhas blusas e alguns calçados. Novo não tenho grande coisa, a maioria das minhas roupas tem alguns anos, mas são de boa qualidade e estão como novas. As do marido terei de fazer uma triagem porque as melhores ele já levou e as do Fabian é mais fácil, já que o que não servir mais, fica e na Europa as roupas são bem mais baratas. 
Fácil, bem mais fácil seria se desapegar das pessoas, mas só se desapega quem teve ou tem apego (o que não é o caso). Mas que há gente que nos carrega para o fundo, isto há e minha esperança é que loguinho me livrarei de uma porção delas.

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