Para mim nada é mais sedutor em um homem do que a voz grave, rouca. Apaixonei-me pelo marido primeiro pelas poesias que trocávamos e depois pela voz, muito antes de ter qualquer foto. Não sei explicar, mas a voz vem do interior da alma, se formos bons observadores, podemos ler quando é verdadeira, quando treme de amor, quando mente, quando omite. Até hoje quando o escuto pela internet (que infelizmente não é a mesma coisa que pelo telefone) fico mexida. Lembro-me a primeira vez que escutei a sua voz, foi em uma tarde de julho, fiquei horas a tremer os joelhos de tão nervosa, qual animalzinho assustado. Como naquela época não tínhamos webcam, o que nos ligava era a voz. Aquela voz morna e rouca me acalentou meses a fio quando estava carente, quando tive medo, quando tudo o que queria era fugir. Por detrás dela estava o homem por quem me apaixonei, mas no princípio era só ela, como se tomasse corpo e me abraçasse, como se fosse a única coisa a provar que não era tudo minha imaginação. E agora depois de quase uma década, aqui estou outra vez à espera que sua voz me envolva e me cale as preocupações. Que sua voz me sustenha e que nunca me diga adeus.
quinta-feira, 25 de abril de 2013
Juro que não sei
Não entendo porque as pessoas aqui não usam o home bank. É tão, mas tão mais prático do que andar em filas para pagamento, andar em trocentos bancos em um só dia, fora que no fim e no início de cada mês é um Deus nos acuda. Quando estava em Portugal tinha algumas contas em débito direto e o resto pagava pela net. Nunca tive problema algum com isto, tem-se os códigos ou o sms dependendo do valor a ser pago e é um sossego. Guardava todos os comprovantes separados por mês e por serviço, em uma tarde tinha tudo despachado e podia ficar tranquila até o próximo mês. O pessoal daqui é desconfiado, decerto acham que vão ser roubados por hackers ou coisa do gênero. Já eu acho que é muito mais provável isto acontecer quando saem do banco... Já desisti de convencer a minha mãe a fazê-lo, se bem que ela quer é uma desculpa para andar sempre na rua.
quarta-feira, 24 de abril de 2013
pssshiuu (aqui entre nós)
O Fabian não fez nenhum xixi na calça hoje. Pediu duas vezes para fazer e das outras fui eu quem o colocou no penico. O coco como é de praxe fez na cueca, fazer o que. Espero que continue assim!
Dona Inês
D. Inês mexia nervosamente os pezinhos enfiados em chinelo carmim. Colocava e voltava a tirá-los, colocava e voltava a tirá-los. Ela sabia que esta mania incomodava o marido. Podia ouvir a sua respiração pesarosa por detrás do jornal e dos óculos de moldura severa, tal qual seu dono. Ela sabia que estava a chegar a hora, este era sempre pontual. Com que roupa viria? O que traria consigo desta vez? Um ramo de rosas ou uma caixa de bombom? Ou... riu-se baixinho a imaginar o que ia dentro da sacola de uma sex shop. De repente os ponteiros do relógio resolveram brincar, não andavam. Simplesmente balançavam para lá e para cá, no movimento nervoso dos seus chinelos. Suspirou e olhou para a tv muda, há tempos não contentava-se com nenhuma novela e os programas de auditório pareciam ainda mais histéricos do que quando tinha paciência para assistí-los, já ia um par de anos... Achava que seu passatempo agora era bem mais natural para uma velha senhora de robe de bolinhas brancas e chinelos carmim. De repente a porta do elevador gemeu, foi reclamando enquanto vagarosamente fechava com um estrondo do ferro a bater no ferro. Era ele possivelmente. Podia sentir o perfume almiscarado cobrindo o corpo que lhe parecia esbelto, embora ficasse distorcido pelas suas lentes. Levantou cuidadosa em direção à porta. Como boa alcoviteira, fechou no caminho a claridade da cozinha para que não vissem seus pés diminutos pelo friso da porta. Os passos apertavam no corredor. Toc toc toc. Graves, era um sapato bom, sola de couro. Podia agora ver a nuca do homem, o cabelo bem cortado e as costas largas em um paletó negro. Deu dois toques de leve com o dedo: era o sinal. Silêncio. O homem olhava para a porta do elevador, talvez com medo de que alguma coisa ou alguém lhe pudesse denunciar. As paredes tem ouvidos e as portas tem olhos, pensou D. Inês, mas ainda são mudas meu filho. A porta permanecia fechada, às vezes a vizinha gostava de se fazer de difícil. Ele pigarreou, olhou para o relógio, mas ela tem certeza de que não viu as horas, apenas os milésimos de segundos que passou estancado à porta verde de trinco dourado. Ajeitou a alça da sacola. Hummm era escura, não dava para ver o que era. D. Inês subiu nos dedos o mais que pôde. Maldito do Zé que sempre esquecia de que não fora favorecida pela natureza. Não conseguiu saber, a vizinha abriu a porta e engoliu o homem na escuridão do apartamento. Ela saiu e voltou a sentar no sofá. Os pés balançavam nos chinelos, o olhar perdido entre as velhas da televisão e a apresentadora que gritava e ria escandalosamente sem emitir nenhum som. O único barulho era o jornal do marido e da sua respiração. Uma hora e meia depois o homem saía, os sapatos a ecoar no corredor vazio e iluminado pelas luzes de emergência. Vinte minutos depois, era o das botas de borracha. Às vezes vinha com macacão e uma maleta de metal, às vezes com um frango assado que comprava do outro lado da rua. Mas vinha sempre de botas. Oh céus como rangiam. Rangiam as botas no corredor e rangia a cama e rangia a mulher. Depois um senhor muito magro e baixo. Tinha bigode e uma roupa de corte ultrapassado pela moda. Depois o das tatuagens e calças largas. Tinha um crucifixo tatuado na nuca, este fazia a vizinha rezar muito. Também havia o da moto, professor de jiu jitsu, o representante de remédios. Não eram todos em um dia só, revezavam-se. Saberiam uns dos outros? Especulava para o marido, que só lhe respondia para que parasse de querer saber da vida sexual da vizinha. Mas muitas vezes não era dela que queria saber, era do corno. O último homem a chegar à casa tinha passos de sapato barato e solas gastas. Abria a porta com dificuldade, atrapalhado com uma criança pela mão e outra menor no colo. Sua careca suava enquanto fazia aquele que deveria ser o seu único exercício do dia. D. Inês tinha vontade de abrir a porta para cumprimentá-lo, perguntar qualquer coisa sobre o tempo ou reclamar que a faxineira não havia limpado o hall do prédio. Mas não conseguia, por mais que quisesse não conseguia olhar para o homem de olhos azuis, com duas crianças penduradas e mochilas e chaves. Tinha medo dele ver que sabia. Tinha medo de ver que ele por sua vez também sabia. E o olhar de um corno é das coisas mais tristes que há... Talvez devesse reconsiderar a ideia da neta e inscrever-se em um programa de auditório. Ela tinha razão: deveria ser apenas uma velha como as outras.
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