quarta-feira, 24 de julho de 2013

Cidades

A minha cidade é feia, já aqui o disse. É feia e me dói admitir porque é quase como dizer isto de um filho ou de alguém que se gosta muito. Ando pelo coração da cidade perdida entre prédios altos e de fachadas decadentes. São como velhos curvados pelo tempo e pelo vento minuano. O centro é uma porção de ruas pousadas em morro e descidas íngremes, uma paisagem cinzenta e viva simultaneamente. Vozes anônimas cantadas, gritadas, resmungadas, adquirem o tom da própria voz da minha cidade. Passam todas elas em coro, ecoam em suas artérias pululantes, alguém vende ouro, alguém quer que eu venda meu cabelo, alguém oferece preços atrativos, alguém anuncia consultas para colocar aparelhos ortodônticos. Daqui a nada começam a anunciar, "ólhó promoção de silicone: prótese 230 ml na hora, na hora!". 
Os ônibus e carros circulam oprimidos em um mar de cabeças. Avançam e cortam obstáculos ao sabor da correnteza. É com uma ponta de desânimo e relutância que junto-me à maré. Faço a minha parte. Faço-me cidade e incorporo concreto e asfalto, de minha pele brotam paralelepípedos, de meus olhos janelas espelhadas. No meu sangue pulsa o Guaíba inteiro, de meu calor, agora o frio. Sou assim, um Porto Alegre cinzento de outono. E ainda dizem que as cidades pertencem às pessoas... não, as cidades é que as tomam para si e faz parte da vida esta inconsciência de que se é coletivo.
 Aos poucos preparo-me para deixá-la outra vez, ela se ressente, sinto-o. Não quer ver ninguém partir. Quer saber se volto e preocupa-se se lá onde vou outra cidade me irá acolher. Digo-lhe que não sei com a incerteza que me é costumeira, não sei de nada, nem do último olhar que lhe vou deitar quando estiver ao céu. Vejo meus punhos cerrados, misturo-me. Já dentro de mim Lisboa eriça-me a pele com as calçadas de calcário e basalto. Duas cidades disputam meu corpo, meu coração. Reviro-me, tenho a alma em carne viva. Meus pensamentos nadam em ruas fantasmas, sem minha história, sem memória de mim. Há o medo que escorrega entre pedras, há um medo aqui dentro, um medo sem fim. 

O bicho papão da solidão

Lembro-me de um dia enquanto estávamos abraçados desfrutando daquele silêncio em que quase não é preciso dizer nada, olhei para ele e sorri. Ele sorriu de volta e perguntou-me se estava gozando com a cara dele. "Não...sabe porque tu nunca vai ser rico?" Não, porque? Porque neste mundo não existe perfeição". Demos risada, e por certo achou que era mais um dos meus exageros, mas falei-lhe com todo o coração. Claro que o marido não é perfeito, mas dentro de seus defeitos consegue ser uma pessoa de convivência muito fácil, não é de discussões, é gentil, ainda é daqueles que abre portas para passar e de deixar a última fatia de queijo para mim. 
Quando olho a situação das amigas mais próximas, sinto um nó no estômago porque sei o quanto elas passam trabalho com as suas relações. Tenho por exemplo duas delas que simplesmente não se separam porque tem medo de estarem sozinhas. Uma porque tem de voltar à sua terra e recomeçar, morar na casa da mãe, procurar emprego, etc... e outra porque apesar de ser independente financeiramente, tem medo de dormir sem ninguém para lhe fazer companhia. Esta última perguntou-me se eu aguentaria o tranco da solidão, antevendo a cara que fazia enquanto contava-me a pseudo-quase-separação. Respondi-lhe que seria muito difícil e que às vezes penso nisto, não como uma situação de divórcio, mas de viuvez. E acho normal que estas coisas me passem pela cabeça por motivos óbvios. Ia ser terrível, mas muito mais porque nos amamos, não por uma situação em que este já não há e resta apenas a insegurança. A isto imagino que o mal já está feito, está presente e não é a forma de um corpo ao lado da cama que prova o contrário. Este vazio, este medo de recomeçar, juntar os cacos da frustração acumulada deu um amor que já partiu ou quiçá nunca houve, é duro, não digo que não seja. Esta mania das minhas amigas também em procurarem homens que agem como filhos colabora para isto. São mulheres desorientadas e com medo do próprio medo, vivem em sombras de momentos felizes porque não conseguem fazer o luto de um casamento. Sinceramente não queria estar no lugar delas, sei das minhas limitações e é por isto que agradeço todos os dias pelo marido que tenho. Ah não é rico nem lindo (já foi muito), não é jovem, mas é um homem bom, e que sabe ser filho, ser pai, amante e homem na medida certa do meu coração.

terça-feira, 23 de julho de 2013

A minha vida em quatro malas

Já fiz duas malas, nem foi assim tão complicado, algumas coisas separei para doar, outras vou deixar aqui até que alguém possa levar (o que acaba por ser quase esquecer pois não sei quando isto irá acontecer). O Fabian viu-me a fazer a segunda mala, entrou, pulou, tirou coisas de dentro. Ao menos já vai mentalizando para a mudança que vamos fazer outra vez. Afinal elas até que ficaram paradas por estes quatro meses, mas agora está na hora de me mexer que não sou de deixar as coisas para a última hora. 
Esta semana até o dia 1 de agosto o Fabian está de férias e temos feito alguns programas com ele, parque, passeio na serra, shopping porque o tempo às vezes não ajuda muito. Semana que vem vamos ficar uns dias com os meus padrinhos em Gramado, lá tem piscina térmica e ele vai ficar muito tempo entretido. 
Agora que o tempo deu para passar um pouquinho, fico contando os dias, as semanas que faltam, agora dou-me conta que resta um pouco mais de um mês. E parece-me muito irreal como quando desejamos ansiosamente uma coisa e quando estamos prestes a realizar, o sonho fica em um limbo, carece de eventual realidade por muito tempo, talvez mesmo quando estiver sentada no avião, a mim será como se de um sonho não passasse... a vida custou tanto a entrar nos eixos que ainda parece-me truque de ilusionismo aquele bilhete que jaz no meu endereço eletrônico.

Inveja é aquela coisa

que dá quando se olha para a previsão do tempo e enquanto aqui estamos encarangando, um pouco mais para cima está trinta graus.


Enquanto isto aqui no Sul...

Web Statistics