quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Bonequinha russa


Há pessoas que parecem saídas de um livro, podem ser bonitas ou feias e na verdade nem é isto que importa. Há qualquer coisa de exótico ou de familiar em seus traços e gestos que não passariam desapercebidos em um romance. Na minha sala de aula há duas famílias russas compostas pela mãe e filhos.  Uma com um casal de filhos e outra com três filhos: um homem e duas moças. Kaputiana, filha da primeira matrona, é uma leoa em forma de mulher. Tem os cabelos encaracolados cor de cobre e os olhos bem marcados em sombra negra para evidenciar sua cor de amêndoa. Poderia dizer que tinha olhos cor de mel, mas Kaputiana (que bem poderia ser nome, mas é o seu sobrenome), tem olhos em chama e um parco sorriso. E tenho a certeza de que as poucas vezes que o faz, é mais com desdém do que com alegria. Kaputiana nem é assim tão bela, mas cativa a atenção por não ter vergonha da juba disposta para cima, como uma trepadeira envolta na tiara e os lábios em formato de botão prestes a desabrochar. 
A par disto, a filha do meio da outra família russa é uma mistura que ainda não sei definir justamente. Talvez umas pinceladas de Brigitte Bardot, Ana Paula Arósio e Liv Tyler. Tem estatura mediana e veste-se com saias jeans pelo joelho. Os cabelos castanhos presos em um coque permanecem semi desnudados por um lenço colorido. Além dos olhos profundamente azuis, o lenço era a única coisa que dava cor ao seu vestiário. A irmã mais nova é bonita, mas não tanto quanto ela, a bonequinha russa, cuja timidez e trejeitos desafinados dão-me a convicção de que desconhece a beleza que possui. Poderia muito bem caminhar por meio século atrás com sua pele nevada e qualquer escritor teria o prazer de tê-la como a mocinha do enredo, cujos olhos fugidios e rasos da cor d'água derramariam lágrimas por páginas e páginas sem fim. 
Também poderia incluir-se as velhotas da Albânia e seus dentes dourados ou a menina carente de atenção da Romênia, assim como a tez desaforada de Funda: a turca, ou o corpo franzino e deambulante de Hassam, do Blangadesh. Há por aí muito personagem à solta, basta um olhar mais apurado para voltarem à vida em um pedaço de papel.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

A mini saia


Pois bem, estar em um lugar novo e não comparar para mim é quase impossível e faz tempo que pensava em falar sobre isto. Não acho normal mulheres com mais de quarenta usar mini saia. Não acho, pronto. Podem ser magras, ter as pernas em dia, mas é uma coisa que não combina mais. E acho estranho justamente pela França ser considerado o país baluarte da elegância na moda e mulheres com esta idade não são nada elegantes de mini saia. Uma coisa é um vestido ou saia três dedos acima do joelho, uma roupa moderna e jovial, outra completamente diferente são salto agulha e mais da metade das coxas de fora. Uma coisa é mini saia na praia com chinelos de dedo, na piscina, no camping em ambiente informal, outra é desfilar pela cidade, pelo shopping, disputando a atenção com adolescentes com a polpa da bunda à mostra. Ainda estes dias vi uma que devia ter mais de cinquenta, já com os cabelos curtos totalmente brancos de mini saia e saltão ao lado do marido curvado e senil. O problema está em querendo sentir-se mais jovem, acabam por evidenciar mais a maturidade para não dizer, entrada na velhice. O que também é engraçado é a constatação de que no Brasil onde todo mundo sabe que as mulheres adoram roupa curta e provocante, lá pela metade dos trinta as mini saias ganham aposentadoria, salvo seja no período de férias. No Brasil, as quarentonas, cinquentonas, sessentonas começam a vestir-se de acordo com a idade e o corpo que tem, ainda são sensuais, mas sem ser vulgares. E tirando as "eternas" gostosas da mídia (Xuxa, Luma de Oliveira, e demais atrizes sou-gostosa-malho-muito-e-jamais-ficarei-para-coroa), as mulheres no geral sentem que já usaram e abusaram deste estilo e partem para outra. Por isto a pergunta que fica é: será que mulheres que os pais e mais tarde os maridos não deixavam que usasse no tempo aceitável, são aquelas que mais tem necessidade de usar quando sentem que já não devem nada a ninguém? Será este o caso da Maya em Portugal? 
O marido pergunta-me quando irei aposentar as minhas, eu realmente não sei, acho que a cara de novita joga ao meu favor, mas com certeza quero aproveitar todo o tempo que tenho, porque esta moda da mini saia na terceira idade não é coisa para me fazer a cabeça (e as pernas).

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

A debutante


Hoje foi o meu primeiro dia de aula e em uma luta cerrada entre a preguiça e o remorso de uma oportunidade perdida, ganhou a privação de sono. Lá fui eu tropeçando nos pés e quase morri de susto com a quantidade de gente que se enfileirava no saguão. Entrei na sala, mas antes garanti a minha cadeira (elas ficam no corredor assim como as grandes mesas dobráveis de plástico). Depois de uma breve apresentação fomos separados em níveis. Ufa, ainda bem que não seria uma hiper turma de setenta alunos! Dirigimo-nos para a sala ao lado, esta sim despida de qualquer coisa que pudesse assemelhá-la com uma sala de aula, afinal era usada para a prática de esgrima. A professora começou por saber os nossos (pré) nomes, de onde éramos, se somos casados, se temos filhos. Fiquei surpresa ao ver que temos cinco pessoas de Kosovo. Não ouvia falar de Kosovo desde as aulas de geografia em 97. Depois continuamos com um grupo do Azerbaijão, Uzbequistão, Turquia, Rússia, Geórgia, um representante do Bangladesh, uma da Romênia e outro do Afeganistão. Na outra ponta, uma portuguesa mascava chiclete nervosamente e com os olhos verdes pregados no vazio, atrás de mim e em pé, um angolano aguentava uma hora e meia em sorrisos tímidos. Era a única brasileira, mas pelo menos não a única a falar português. 
Quando a professora perguntou quanto tempo estávamos na França, as respostas variavam entre 14 anos a alguns meses. Sério que uma senhora turca respondeu que há 14 anos que mora aqui e está na turma dos iniciantes! Depois um homem admitiu que estava aqui há seis anos e entendia muito pouco de francês. A portuguesa de olhos ausentes chegou em 2005, mas como trabalhou sempre com portugueses falava muito pouco francês. E claro, havia gente que só ia lá com mímica e muita enrolação. Gente que não sabia nem noções básicas de inglês e que não falava outra língua senão a do seu país de origem. Às vezes pude sentir-me dona de um francês fluente tamanha era a dificuldade de comunicação, e claro que a entendo   pois até o alfabeto é diferente, no entanto não deixei de pensar isto. Na quinta começamos a aula de verdade: com quadro, mesa e cadeira para todos. E que Marcel Marceau olhe por nós!! Aliás, proponho até que seja canonizado como o santo dos imigrantes, muitos foram os milagres que presenciei.

sábado, 5 de outubro de 2013

De nome Francisco

Sábado passado tive um sonho logo pela manhã, o marido e o filho já estavam de pé. Estava fora do corpo e muito transtornada, sentia-me pesada, era uma aflição antiga que me fazia andar para lá e para cá. De repente comecei a sentir a tal presença. Era sutil e esmagadora tal como os meus pensamentos em círculo. Não quero ser mãe. Não quero voltar a ser mãe. Não gosto, não vê? Porque não procura outra pessoa? Desde que me lembro tenho um mantra na minha cabeça e mais do que um mantra é uma afirmação que deixa-me esquisita, num misto de medo e orgulho. Estou grávida. Uma obsessão que pairou pelos anos e sentia-me comprometida com dois espíritos a que havia de gerar seus corpos físicos nesta vida. Em sonhos eram sempre dois. Dois filhos, um casal. Eu os abandonava, era uma péssima mãe. E depois de ter o Fabian esta certeza se embruteceu, não havia hipótese de pensar em ser mãe novamente, e contudo a presença cobrava-me. Eu cobrava-me. Pois esta manhã sonhei e já farta de tudo isto resolvi ser o mais sincera possível. Chorei. Falei com alma e coração de que sou falível, sofrível até como mãe, que ganhava mais escolhendo outra pessoa, quiçá amorosa e que não faltam por aí são mulheres pedindo está dádiva de serem mães. Estava na sala, a que agora é a minha sala. Sofá branco, eu de pijama, o Fabian a gritar e o marido sentado à mesa no computador. Subitamente sinto o peito vazio, um homem negro materializou-se a minha frente sentado no sofá. Assustei-me de imediato, mas ele sorriu. Tinha um sorriso puro e uma energia que acabou por contagiar-me deixando-me serena. Trajava branco e quando falou sua voz era doce, quase paternal. Disse-me que não me preocupasse demasiado, que não viria para resgate e sim para ajudar na mudança do planeta. Disse-me que agora poucos encarnavam para isto, e que tudo tinha seu tempo e quando chegasse a hora eu saberia. Tinha milhões de perguntas, mas curiosamente elas esvaziaram-se naquele momento. Ele disse que me acompanhava e ao marido e que às vezes via mais negatividade nele do que em mim. Ainda falamos sobre a paternidade tardia e no quanto o Fernando tinha melhorado depois de ser pai novamente. Ele concordou. Nisto, o Fabian nos olha e diz mãe! Fiquei surpresa: ele nos vê? E o homem seguramente disse que sim. Perguntei-lhe o nome e ele disse que chamava-se Francisco. E eu: mas este é o seu nome atual ou gostaria de chamar-se assim? Ele sorriu e voltou a desaparecer. Logo depois, acordei. Descobri mais tarde que o nome Francisco significa "francês livre".  E desde então o mantra não se ouviu mais.
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