domingo, 10 de novembro de 2013

Os monstros


Meu filho agora teima em dizer que há monstros na casa. Tem medo de ir sozinho ao banheiro, quer que acendamos a luz. Na hora de dormir temos de ficar ao lado até cair completamente em sono profundo, pois caso ousarmos sair antes disto, uma pequena mão nos "manda" deitar a cabeça novamente. 
Queria muito lhe dizer uma coisa: os monstros na verdade existem. Embora a gente balance a cabeça e digamos que não. Eles existem e se alimentam de escuro. De mágoa. De raiva. De passado. De medo. E é difícil controlá-los, com o tempo ele irá aprender a disfarçar, mas invariavelmente terá momentos em que se entregará a eles. E talvez o maior medo de um adulto seja ser engolido por um. 
Fiquei por muitos minutos transtornada quando li a história de Junko Furuta, talvez mais uma entre tantas e tantas outras, mas esta  de forma especial fez-me pensar que os monstros andam aí. Quantas vezes imagino cenas no calor da raiva, quantas vezes não deixo-me cega e incapaz de distinguir entre o bem e o mal, apenas uma vontade urgente de destruir tudo a minha volta? E às vezes tenho medo de mim e penso que só me diferencio de certos criminosos pelo fato de que meus delitos tenham acontecido apenas na minha mente. E se tivesse a frieza e capacidade para tal? Ou se não tivesse nada a perder? Ou se não tivesse mais medo de tornar-me um monstro e dar vazão a todos os impulsos medíocres que atravessam meu pensamento? 
Sim, meu filho, os monstros existem: dentro de nós. Nunca se esqueça disto. E nunca deixe de lutar contra eles. 

O tímido Natal

Não sei  se é por estas bandas, mas se não somos daquelas pessoas que andam sempre a olhar tudo (inclusive o teto) não íamos nos dar conta que estamos há menos de dois meses do Natal. Aos poucos, algumas bolas e guirlandas surgem no alto dos grandes mercados, e talvez este seria o único indício se não fosse o corredor dos brinquedos triplicado. Até agora népia de árvore. O Auchan saiu apenas com uma por 9.90 que era cruzes, muito feinha. No E. Leclerc vão pensar mais à sério no fim do mês. Pode ser que seja uma louquinha por Natal, mas eles também me parecem tão pouco empolgados! Nem tocam bate-o-sino-pequenino, nem Simone, nem nada. 
A Alemanha é logo ali, como sabemos, e parece que os "alemón" já estão vendendo decorações lindíssimas. Quase todos os dias temos panfletos de lá na caixa de correio e eu fico babando e sonhando quando o marido vai se dispor a nos levar a  Khel para finalmente deixar o Natal entrar em casa. Porque até agora só consegui comprar as luzinhas...





sábado, 9 de novembro de 2013

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

A Nega


Nega traz o café. Nega engoma a camisa do Dr. Faustino. Nega faz cozido com leitão que a minha mãe vem almoçar. A nega era tantas vezes requisitada que às vezes chegava a duvidar que tinha nome. Lembrava-se de ter chegado ali por ser a maneira mais fácil da mãe se livrar da filha mais velha. E tendo mais meia dúzia para alimentar, era o melhor que poderia fazer: teto e comida em troca de trabalho. A mãe só esqueceu de dizer que era teto e comida em troca de sua vida. Com treze anos deixou de ser Teresa para ser a Nega dos Fagundes. Na verdade na altura era a Neguinha, depois com o tempo, foi crescendo e engordando, e o apelido evoluiu conforme os cabelos crespos soltos se encolhiam por baixo de um lenço.
A Nega serviu para tudo, de cozinheira, empregada e babá. Se pudesse até de ama de leite a fariam. Serviu para acalentar o Dr. Faustino tantas e tantas noites, serviu também para anos mais tarde o Carlinhos perder a virgindade. Tivera tempos atrás um filho no bucho. Mas a patroa que não era boba e sabia das aventuras do marido, depressa levou-lhe em uma batuqueira que lhe deu um chá. Até hoje guardava uma dor imaginária no ventre como se aquela situação se repetisse vezes sem conta. Seu filho de sangue e suor lhe escorreu pelas pernas e Teresa ainda acha que foi melhor assim. Que vida teria um mulatinho bastardo naquela casa? Isto se a deixassem ficar lá.

Nega esfregava a camisa do dono da casa com sabão de coco. As mãos pretas torciam, os nós dos dedos se batiam e ela voltava a esconder as mãos na espuma branca. Enxaguava, pendurava e voltava a torcer outra camisa branca. Tinha de deixar os punhos e gola limpos, caso contrário faziam-na lavar novamente. Enquanto isto cantava, suspirava e lembrava do tempo em que ainda era livre, devia ter uns quatro ou cinco anos. Sentava na grama com o vestido sujo de terra e ficava a observar as formigas passarem sobre suas pernas finas. Faziam cócegas. Carregavam folhas enormes sempre em frente, sem perder tempo, sem olhar para os lados. Às vezes segurava uma das folhas só para as ver esperneando como se ainda caminhassem sem se darem conta de que haviam lhes tirado o chão. Depois as deixava ir e elas continuavam como se nada as tivesse interrompido. Devia ser muito chato ter a vida de formiga. Só trabalhar e trabalhar e não ter tempo para viver. Depois de muito chamar, a patroa lhe tinha ido com o robe e cabelos em rolos para a área de serviço. Nega! O que é senhora? – disse em um pulo. To chamando há horas, vem já me apertar o vestido. Seguindo ela pelo corredor ainda lhe pergunta o que estava pensando da vida. A Nega emudece e depois diz com um sorriso áspero que a outra não viu. E eu lá tenho vida pra pensar nela?
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