segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Da gente chata do Facebook

Os destaques do mês vão para:

Aqueles que atualizam seu estado a cada meia hora a sentir-se: maravilhoso, doente, triste, etc. 

O que ganham: Um voucher para um psicólogo vapt-vupt (Dr. Phil unindo desde 2002 necessidade de atenção à curiosidade sobre a vida alheia). Sei que estão doidinhos que todo mundo se pergunte o porquê de estarem assim e lá poderão falar o que quiserem e tudo o que couber em 50 minutos!

So  you think that life is  a talk show? 



Pessoas que curtem seu próprio estado, foto, comentário.




O que ganham: Um espelho de quatro lados, daqueles dos programas de mudança de estilo. Quem sabe, mas só quem sabe, consigam enxergar como é ridículo ficar curtindo a si próprio. Já está subentendido que quando se partilha algo, gosta-se daquilo que se escreve, se posta, enfim.... 

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Elisa (parte 3)

Pela fresta exígua da janela pôde precisar que o dia já ia alto. Há quanto tempo não acordava tarde? Talvez apenas nos dias festivos, em que a vila enchia-se de estrangeiros e música regada à cerveja e dependendo da importância e das condições dos convidados, a vinho. Ao seu lado jazia Stephane completamente afundado em ronco e saliva. Livrou-se de um de seus braços fortes e com cuidado foi levantando da cama. Quando já ia a meio caminho, uma de suas mãos graves segurou o que restava de sua camisa de dormir. 
- Onde vais? - Perguntou-lhe a voz recém vinda do sono.
- Já está na hora de levantar, preciso fazer algo para comermos...
- Não, hoje ficamos por aqui. Já dei ordens para isto. Talvez esteja ali na porta alguma coisa para pormos no estômago. 
Elisa revirou os olhos, mas encaminhou-se até a mesma e trouxe o prato de cerâmica com algumas frutas rodeadas por pão e banha. Em uma mesinha de apoio havia uma jarra de água e uma taça. Serviu-se demoradamente sendo apreciada por olhos que lhe comiam os gestos. Uma nesga de sol entrou pela fresta denunciando alguns buracos de cupim na janela de madeira. O quarto iluminou-se de imediato. Stephane levantou-se já com o pênis ereto e lhe abraçou por trás. Elisa em uma tentativa de adiar o inevitável pôs-se a procurar vestígios de sangue nos lençóis. Agora entretinha-se a passar as mãos e retirar as cobertas, Stephane divertia-se com a cena enquanto mordiscava um pedaço de pão.
- O que procuras?
- Não há sangue? Não há sangue! Como pode se eu sou...era virgem?
- Mitos... acalma-te minha pequena. - Disse beijando sua testa. - não é assim com todas. Eu senti quando rompeu, fica descansada...sei que mais virgem que tu não havia.
A jovem pareceu convencida e ele finalmente a carregou de novo para a cama. Desta vez demorou-se  em carícias e beijos para só então penetrá-la com mais cuidado que na noite anterior. Stephane não sabia ao certo o porquê de ter aceito a proposta de Elisa, afinal era forte o bastante para carregá-la até alguma cocheira que fosse e fodê-la entre montes de feno. Mas não estava acostumado a isto. As mulheres sempre vieram de muito boa vontade dividir-lhe o leito, apenas aquela potrinha chucra fugia de seus braços como o diabo da cruz. E isto deu-lhe um objetivo na vida sempre que não estava peleando ou em competições pela honra da coroa. Tinha de a ter a qualquer custo, tinha de domar-lhe as carnes, de fazê-la fêmea como todas as outras. Mesmo que isto o fizesse assentar como um homem de família, até porque com vinte e oito anos já passava da hora de pensar em um herdeiro.  Desta vez fizera de forma tão convicta que quase ouviu um suspiro de gratidão escapar por entre os dentes de Elisa.
Os dias passaram e com eles a falta do período anunciou-se logo no segundo mês de casada. Sentia vertigens cada vez que se fazia dia e já acostumava a manter-se sempre perto de algum balde ou jarro. Quando confirmou as suspeitas e contou que ele ia ser pai, Stephane já sabia-o há muito tempo. Decerto tinha os seus bastardos por aí, criados muitas vezes como filhos legítimos sem qualquer suspeita.
 Sempre que via uma mulher grávida geralmente rodeada de cuidados se fosse rica, imaginava no quão tolo podia ser viver de aias e criadas até para limpar-lhes a bunda. Pois com ela jamais seria assim: fez questão de fazer tudo o que fazia antes, na casa do senhor Castel. Tirava o leite da vaca, sovava o pão e o assava, fiava, lavava o chão, mesmo quando advertida por Marie morta de medo por permitir tal disparate.
Rapidamente Elisa viu que a gravidez era um bom motivo para afastar o marido, que por sua vez caía ainda mais nos braços de outras mulheres. Chegava tarde, cheirando a cevada e essência perfumada, e quando raras tentativas de lhe ter ressurgiam, ela colocava a mão na barriga e fingia dor.
Quando notava que o marido saía, puxava de um dos livros que padre Jacques lhe confiava e desta forma encontrava refúgio a sua vida de vaso precioso. Desta vez distraiu-se de tal forma que não percebeu os passos do marido a chegar no quarto, desapontado por inadvertidamente ter esquecido o anel que o rei lhe ofereceu e que só tirava do dedo para dormir. Ao ver a mulher absorta com um livro na mão, Stephane engrossou a voz:
- O que pensas que estás fazendo? - Antes que tentasse esconder, ele arrancou-o das mãos e tentou soletrar muito vagaroso - D-a...Dan...te. Tu sabes ler? Quem te ensinou a ler?
Elisa tremia em um nervoso louco de lhe jogar toda a raiva acumulada pelo ostracismo feminino.
- Não precisa dizer nada. Já sei quem foi! - Dirigiu-se para a porta.
- Ele, ao contrário de ti, é um homem de verdade! Tem mais colhões que tu e muitos por aí.
Stephane levantou a mão pesada pronta para desferir-lhe um tapa, mas estacou-a no ar ao lembrar do filho que ela carregava.
- Não me obrigues a tomar providências disto. - E saiu com passos pesados batendo a porta atrás de si, deixando pousado no canto da mesa o anel pelo qual voltara.
Era um fim de tarde como todos os de um inverno punitivo em França, céu nublado já virando noite e barro misturado com neve. Com uma barriga de seis meses atrapalhava-se na roca, tinha de manter as pernas mais abertas que o necessário. Olhava para a rua e xingou em pensamento a criada por ter esquecido de trazer mais lenha para o fogo que findava. Olhou para a pequena chama que agonizava e tornou a virar para o monte de tocos já cortados por Valentin, o rapaz coxo e filho de Marie. Estava sozinha sabe-se lá até que horas, quando o marido resolver que já cantou, trepou e bebeu o suficiente para voltar à casa. A criada já havia se recolhido juntamente com o filho e voltaria antes do dia amanhecer. Stephane não gostava de outras pessoas além deles em casa. Elisa ergueu-se de encontro à capa e fazendo força para proteger a barriga do frio, desceu os degraus em direção à neve. Seus pés afundaram e rapidamente sentiu-se invadida pelo gelo, caminhou até a pilha e depositou um a um dos tocos no cesto de vime que havia trazido. Quando não restava mais nenhum no solo, fez força e depositou-o no meio do braço direito, fazendo o caminho de volta com algum esforço. Chegou em frente à lareira da sala, ajoelhando-se com cuidado e começou a jogar a lenha fria e soprar devagarinho. Quase perdiam-na com a umidade e teriam de deixá-la secar dois ou três dias para utilizá-la. Sentia uma pressão na barriga, estava dura, mas já havia sentido isto antes. Elisa agora satisfeita pelo calor voltar ao seu corpo, olhou para baixo e soltou um grito, seguido de uma pontada lancinante. Pela luz amarelada notou que tinha a saia do vestido coberto de sangue e atrás dela, um rastro encarnado a acompanhou desde os primeiros passos na neve. Quis arrastar-se até a cama, mas não tinha forças. Gritou o mais que conseguiu por Marie, mas sabia que seu apelo nunca seria ouvido. Até que por fim, depois de desesperar-se em choro, desfaleceu exausta sendo guardada apenas pelo fogo, que dançava em uma tentativa de a consolar.
Stephane a encontrou enrolada sobre seu próprio ventre, em  posição fetal, e o susto de perder a mulher e o filho que esperava, o fez desvencilhar-se do estado embriagado para correr à Marie e depois atrás de alguma parteira. Deixou a esposa deitada, enfiada em um monte de travesseiros e sob os cuidados da criada. Elisa respirava com dificuldade, tinha a boca seca e a fronte molhada de suor. Ao abrir as pálpebras suavemente como a espantar a dor, viu uma mulher gorda com os seios muito grandes quase a sair da roupa. Ela estava a poucos centímetros de seu rosto, tão perto que podia antever-lhe o buço e sentir o hálito. Apalpava a barriga e pôs-lhe a mão dentro da vagina, arrancando-lhe um gemido.
- Então? Está tudo bem com ela?- Perguntava Stephane com medo na voz.
- Sim, ao menos por enquanto.
- E o bebê?
- Não mexe.
- Como assim não mexe?
A mulher olhou-o e sua boca fina em silêncio, preferiu não pronunciar a resposta.
- Vamos ver, se em dois dias tiver febre, teremos de expulsar. - Disse isto enquanto lavava as mãos na bacia com água morna que Marie tinha trazido. Tornou a colocar o xale e saiu deixando Stephane no quarto cheirando a sangue e morte.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Elisa (parte 2)

Ao cair da tarde, aproveitou que tinha de pegar duas galinhas em seu Fontier, o homem calvo e baixo que por ser viúvo, às vezes lhe pedia para coser alguma roupa e em troca lhe pagava com ovos, farinha e o que tivesse disponível e que ela assim o escolhesse. Entregou-lhe as duas camisas de dormir em um saco de linho e recebeu a gaiola com os animais ainda vivos a bicarem constantemente meia dúzia de milhos no chão de madeira. Agradeceram-se mutuamente e ela saiu já pensando no trajeto que faria, passando na frente da taberna que Stephane costumava ir antes do anoitecer. Ao se aproximar, pode ouvir sua gargalhada vigorosa. Asno, pensou. Bateu com força os pés e agitou as galinhas para que cacarejassem quando avistasse a frente do estabelecimento. De fato lá estava ele rodeado de mulheres penduradas ao pescoço como se formassem um colar humano, acessório que dispensava facilmente ao vê-la em seu vestido verde escuro. 
Elisa não era particularmente bonita, nem gorda como se queria as damas, com carne farta para agarrar no coito. Mas era ao contrário, de uma delicadeza invulgar, seus pés eram tão pequenos que pareciam angélicos, os seios eram também diminutos e duros, mal balançavam quando fugia de si. Os cabelos lustrosos e fortes como a crina de seu cavalo, especulava Stephane, faziam sua dona tão arredia como o outro, e sorriu ao desvencilhar-se das jovens, seguindo o vulto de Elisa. 
Poucos passos de suas pernas longas, alcançaram-na e logo tinha seu hálito alcoolizado a esquentar a nuca desnuda da moça. Elisa estremeceu, parou por segundos de sacudir as galinhas que por certo aninharam-se já extenuadas.  Stephane agarrou seu braço e puxou-a para seu peito largo. Desta vez, não se debateu, notou-lhe apenas um suspiro ainda que seu corpo estivesse tenso à proximidade. Com as mãos pesadas agarrou-lhe nos ombros e abaixou os lábios em direção aos dela. Elisa desviou-se a tempo.
- Preciso falar contigo.
Stephane largou a fileira de dentes bem formados enquanto os olhos cobiçavam seu decote. Tinha por certo que a teria aquela noite, pensava rapidamente apenas em um lugar discreto  para levá-la de uma vez, antes que desistisse. 
- Fala, minha querida.
- Stephane, não vou deixar tu deflorar-me. Não. - O sorriso desapareceu. - Se me quiseres realmente será sob o teu teto e como tua mulher de direito. Não serei só mais uma rameira...
Ele fechou os olhos mordendo levemente o lábio inferior, depois enroscou os dedos em seu cabelo em tranças e disse-lhe, desta vez a ver-se refletido nas esferas nebulosas de Elisa:
- Está certo. Se é assim que queres, assim será. Amanhã cedo falarei com o senhor Castel para formalizar minha intenção....mas depois de tudo isto - fez um gesto vago com a mão que despegou-se de seus fios - tu serás minha. Só minha. - E voltou a tentar aproximar-se da boca rosada, mas encontrou apenas a bochecha de Elisa. Ela deixou-o só a observar sua silhueta a diminuir cada vez mais, até não ser mais perceptível e transformar-se apenas na noite. 
O dia embranqueceu, era a forma como via dia após dia de céu cerrado de nuvens, de frio, em que o sol demorava a pousar e quando o fazia, desistia logo de tanta tristeza e lama junta. Elisa abriu os olhos uma hora antes disto, para falar a verdade sequer dormira, revirou-se a noite toda em sua cama dividida com as outras duas filhas do senhor Castel. Era hoje que Stephane ia pedir-lhe a mão (ou o seu corpo) em casamento. Sabia que não possuía dote e que seu tutor não lhe ia tirar de suas filhas legítimas para dar a ela, mas também sabia que o velho ia sentir-se livre do fardo de a ter em sua casa. Talvez já tivesse começado a pensar em dá-la para algum camponês que lavrava suas terras, era uma forma barata de a ter sempre por perto para os serviços gerais que já fazia e ao mesmo tempo não gastar mais com ela. Ironicamente no dia que mais a interessava ficar em casa para espiar o seu destino, Aydee sua mãe de criação, mandou-a ajudar sua irmã que estava muito doente. Preparou uma cesta com pão e sopa de aveia, algumas frutas e foi com a pequena carruagem que lhe designaram, tendo ordem para retornar apenas quando esta estivesse a andar novamente. Deixou um bilhete antes de sair ao padre Jacques, escondido entre as primeiras folhas de sua bíblia de estimação, a explicar o contrato de casamento. Duas horas depois estava a avistar uma pequena propriedade cravada em meio a uma plantação de trigo. Três cachorros vieram ao muro avisar que havia alguém estranho nas proximidades. Ao fundo, na porta entreaberta, surge um rapazote a volta dos oito anos que silencia os bichos eriçados e a convida a entrar. Elisa coloca os pés sobre o piso de madeira que rangia a qualquer movimento, depositou a cesta sobre a mesa e seguiu o menino em direção ao quarto de sua mãe. Havia mais três ou quatro crianças pela casa, sendo uma delas ainda bebê de colo. Quando viu a mulher a gemer na cama rodeada de alguns pares de olhos infantis, Elisa pensou que se fosse apenas um resfriado ainda ficava ali presa uma semana ou duas. E seus dias foram de cozinhar, limpar, lavar, cuidar dos pequenos, já que a criada da casa estava em resguardo de parto e ainda não haviam arranjado quem a substituísse. Ouviu falar em uma prima que chegaria há três dias talvez, mas não veio. Os dias foram tão preenchidos que mal sobrava tempo para pensar em Stephane. Elisa emagreceu a olhos vistos, mas sentiu-se feliz quando finalmente a mulher conseguiu andar sem a sua ajuda e ainda mais quando os cachorros saudaram a tal prima da criada que havia chegado. Sua missão estava cumprida.
Mal entrou pelos fundos da casa, o senhor Castel lhe chamou à sala. Ouviu sua voz rouca e viu a mão pousada sobre o descanso da cadeira. Elisa mantinha a cabeça baixa e os dedos entrelaçados. 
- Tenho uma notícia para te dar. - Passou a mão rechonchuda pela cara e terminou coçando a barba ruiva. - Já estás na idade de casar, Elisa. Na primavera farás quatorze anos e ainda não tinha pensado seriamente em um pretendente para ti. Cresceste tão rápido - Olhou-a com o corpo franzino e ainda mais magro do que antes. Era quase um contrassenso o que acabava de dizer. - Tiveste sorte, Stephane o Campeão do rei quer a tua mão em casamento. Sinceramente não sei o que viu em ti, mas parece que tem pressa! Agora vá, outra hora falamos sobre o o resto... 
Elisa fechou os olhos como se um trovão lhe tivesse passado com força pelas veias. Sentia-se estranha, não parecia ser a mesma que habitava seu corpo, sentia uma repulsa e ao mesmo tempo uma força animal que a impulsionava para o meio da tempestade. Uma força que vinha de dentro, de baixo, e latejava cada vez que seus olhos cruzavam com Stephane. Todas as noites aproveitava a luz avarenta de uma vela para costurar o seu melhor vestido, com o qual casaria no próximo mês. Ele por sua vez estaria em campanha com a guarda do rei a fim de silenciar meia dúzia de homens que se insurgiam contra a alta dos impostos. Retornaria bem a tempo de esperá-la na igreja. 
Stephane surgiu em sua armadura, agora menos brilhante e com alguns amassados e arranhões de espada e foices. Abriu-a, retirando também a malha de ferro. Sempre a olhar para ela foi baixando a calça, retirando os sapatos até ficar completamente nu. Nesta altura Elisa virou-se para a parede, ele chegou-se afastando seus cabelos soltos para o lado. Esfregou o peito com poucos cabelos negros e isto provocou-lhe um arrepio na espinha. Stephane ia desabotoando o vestido com a destreza de  anos a despir mulheres. Desceu os dedos pelas cordas do espartilho desapertando-o de forma que Elisa pudesse  respirar normalmente. Fê-la abrir os braços e deixou-a apenas com a camisa fina que a cobria até a metade das coxas. Deitou-a beijando com sofreguidão a boca enquanto enfiava a mão à procura dos seios virgens e pontudos. Elisa não sabia se mantinha-se presente ou se viajava para algum recôndito de sua mente, sentia-se a flutuar para fora do corpo e a julgar-se tão reles como as outras mulheres a quem de forma perversa tinha traçado destino igual. O membro lhe rasgou a inocência e depois disto sabia que não haveria volta, nem mesmo ao convento que padre Jacques se referira, a menos que o consorte morresse. Estava agora presa para a vida toda. Os gemidos altos e ritmados de Stephane e depois o corpo inerte que lhe caíra por cima, selou-lhe a sorte como uma porta pesada de uma masmorra a fechá-la na escuridão.


Elisa (parte 1)


Andava com passos cuidadosos como se isto fizesse com que seus pés pequeninos deixassem de afundar no barro escuro, manchando os sapatos de sempre. A maioria das pessoas estava acostumada a não olhar para a sujeira das barras dos vestidos, das calças e sapatos dos homens. Fazia parte do cotidiano inclusive dos ricos a arrastarem seda e couro pelo mercado da vila. Sabia disto, mas ela não conseguia desviar o olhar do chão e esconder o desgosto de ver o trabalho que deu para lavar a roupa, estragado em  poucos minutos. Tão pensativa estava que não o viu com a armadura brilhante estacado à sua frente. Esbarraram-se. Embarraram-se (ainda mais). Elisa resmungou baixinho que um homem com armadura imaculada era sinal de que ainda não tinha enfrentado a guerra e não devia se orgulhar disto. Era o Campeão do rei, Stephane que apesar de tudo era o homem mais bonito da região. Alto, muito alto pelo menos para ela em seu metro e meio, cabelos escuros e revoltos pelos ombros e um sorriso galante que mantinha sua cama sempre aquecida por qualquer fêmea em que debruçasse seu charme. Elisa nutria profunda antipatia por aquele jeito leviano de cavaleiro-mor, daquela arrogância para quem a sorte sorria vezes demais. Desvencilhou-se de suas mãos garantindo-lhe que estava bem e correu a tempo antes que uma de suas garras enormes lhe apalpasse os seios disfarçadamente.
Correu para a capela em busca de algum conforto. Ajoelhou-se na pedra fria, sentindo um certo prazer naquela dormência que ia subindo pelos joelhos acima até chegar-lhe em seu sexo. Padre Jacques que havia observado o furacão de Elisa, pousou sua mão torta e velha sobre os cabelos negros que serpenteavam até a cintura. Tomada de assalto, seu peito disparou como se a simples presença do padre, aquele que de certa forma a criara como uma filha, a desnudasse todos os pensamentos em revelia. 
- O que houve minha filha?
Elisa aspirava silêncio, contida e ofegante ao mesmo tempo. Sua face ruborizada de ódio e culpa. Por alguns instantes bastou olhar para a cara de madeira da Virgem, rodeada por anjos gordos e sem expressão. 
- Acho que eles não nos ouvem.
- Como? Quem não nos ouve criança?
- Padre...porque tanto sofrimento, porque tenho os joelhos ardidos pela senhora Albertine que nos castiga e se ri que nunca iremos aprender uma vírgula que seja, um número para fazer contas à capas e mantas...e se é para isto que servimos, que somos nada além de vasos a gerar vida, preciosos quando as há e vazios e sem valor quando parimos, para que viver?
O velho arqueado gentilmente cedeu o lenço branco e começou a enxugar as lágrimas que brotavam vindas de um poço muito fundo da alma. Sacudia a cabeça e sentiu-se grato por mesmo às escondidas lhe ter ensinado a ler e escrever, sendo um segredo que por certo lhes custaria a vida de ambos caso alguém o suspeitasse. Depois de notar que os soluços se espaçavam, ajudou-a a levantar-se e sempre com as mãos paternalmente nos ombros a levou a sua humilde biblioteca na sacristia. Retirou um volume de capa carmim e quase desfeito em pó e lhe depositou nas mãos em concha. 
- Toma minha filha. Aqui está uma coisa para distraíres-te.
Elisa olhou novamente em redor, confirmando que não havia ninguém por perto e depositou em um gesto rápido, o precioso contrabando sob um bolso em sua capa, costurado para este fim.
Sorriu e fazendo uma pequena vênia, beijou-lhe agradecida as veias saltadas das costas de sua mão. Em um movimento brusco soltou-se do padre e desapareceu pela escuridão da igreja rumo ao céu aberto.
Órfã de pai e mãe em tenra idade, fora criada pela família Castel, um pouco mais abonada que a sua própria, porém muito longe de ser rica. Cresceu mais para servir do que para ser uma filha legítima da casa e era constantemente lembrada da sorte que tivera por isto. Era a primeira a levantar-se e a última a deitar, garantindo que tudo estivesse conforme seus tutores gostavam. Sempre que podia escapava para a igreja com a desculpa de rezar, no entanto era nestes pequenos e raros momentos que aprendia a magia de desenhar sentimentos. Lembrava-se agora da conversa tida outro dia com o padre sobre o que fazer de sua vida. Finalmente tinha tido coragem para relatar os assédios constantes de Stephane, inclusive de sua tentativa frustrada de violá-la a caminho de casa. Jacques mirou-lhe com as bolsas de cansaço por baixo dos olhos trêmulos, sorria tristemente quando lhe disse:
- Criança...o que esperas da vida? Case, já estás em tempo de traçar o teu destino. O que será da tua velhice sem filhos que olhem por ti? Se entretanto preferires o convento, posso indicá-la para a madre Justine...
Elisa puxava as mangas do vestido obstinadamente enquanto balançava a cabeça em negativa. Jacques lhe afirmara para casar com Stephane que não era tão mau assim, era um homem como os outros e que qualquer dia ainda podia-lhe pegar desprevenida e conseguir ter sucesso em seus desejos. Mais valia ser sua esposa e ter sua própria casa, quem sabe com um ou dois criados para ajudarem-na. Era uma vila pequena, em um reino por sua vez não muito extenso e Stephane sempre dava jeito de se por em seu caminho. Havia tomado uma decisão, só não sabia se escutava ao padre ou seu próprio desejo disfarçado de ódio.

* Trata-se de um auto-plágio: despudoradamente inspirado em um sonho que tive.
Web Statistics