sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Se não existisse devia ser inventado

O marido tem um ex-colega de trabalho que tem um pensamento muito estranho para alguém que já passou dos cinquenta. Resumindo, é como se o mundo todo tivesse de o bajular, e como tal não existe, vive o tempo todo a reclamar. Foi demitido há alguns anos por ser pego a mandar e ler emails com mulheres nuas em pleno horário de trabalho, mas é claro que a culpa não era dele, é do chefe que é um mal humorado, sem nenhum poder de encaixe. Depois foi uma história que tornou pública através do facebook, contando da sua falta de sorte e reclamando dos guardas portugueses que só sabem caçar multa e não estão nem aí para a segurança pública. Isto porque estava com o imposto do selo atrasado há um bom tempo e foi pego por andar cem metros para comprar cigarro. A cara de pau é tanta que além de esquivar-se sempre de sua (falta de) responsabilidade, queria que os amigos fizessem uma vaquinha para pagar os duzentos euros de multa. Agora a última me rachou a cara mesmo. O marido bem intencionado lhe enviou uma proposta de emprego para a França, já que o sujeito gaba-se de falar francês. Além de devolver o email com erros básicos, pediu para o marido traduzir o currículo dele e entregar para a empresa que o marido trabalha. Falou isto como se fosse uma proposta irrecusável, daquelas que começam com "que tal", aliás deve ser isto mesmo, as pessoas tem uma enorme vantagem em lhe ter como amigo. O homem é tão caricato que custa acreditar que não é saído de algum programa de comédia e que não tem menos três anos de idade. Se conselho fosse bom, devia escutar Ana Terra* : "nem sempre podemos barganhar com a vida"...


*Personagem em "O tempo e o vento", de Erico Verissimo.

Bonitinha indelicada



O problema do bom senso, é todo mundo achar que tem.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Eu canso

Costumo racionalizar: há um certo tipo de pessoas com uma visão tão estreita, mas tão estreita que só conseguem correr atrás do próprio rabo, como os cães. Mês passado rolou uma lista elaborada supostamente por um estado unidense sobre as vinte coisas que mais detestou no Brasil. A liberdade de expressão está aí para isto, no entanto o que deixa-me boquiaberta é a facilidade com que se enquadram 200 milhões de pessoas em um esteriótipo que começa do ladrão, mau caráter, egoísta, e por aí vai. E o pior de tudo nem é a visão (ridícula de tão infantil, mas pronto) de um sujeito que viveu um lado pequenino de um país continental, mas os próprios brasileiros a abaixar a bunda para gringo e dizer "pise-me, pode passar". Jesus como me revolta. Porque já morei fora, esta é a minha segunda experiência de emigrante e pessoas mal educadas, que querem levar vantagem, corruptas, existem em todo o lugar, inclusive entre os turistas branquinhos de olhos azuis. 
Os brasileiros que viram-se com fúria para dizer: concordo com tudo, os brasileiros são assim mesmo. Dá vontade de perguntar se ele bate carteira no ônibus, se a sua mãe rebola de fio dental nos bailes funk ou se seu pai é algum vagabundo que passa a tarde a entornar trago no bar. Ah não? Porque se entramos na visão ridícula de colocar todos sob um estereótipo, não podemos esquecer que aqueles que conhecemos também fazem parte do mesmo.  As pessoas julgam-se especiais, todos são assim menos ela e os familiares e amigos, jura? A partir de agora vai um vídeo como resposta a este tipo de pensamento, com a palavra, Caetano:


Os sobreviventes



Hoje na hora do almoço o marido deu para desenterrar o programa de um velhinho português que corria seu país a fora em busca da história de vilas, principalmente aquelas que agonizavam cujos habitantes se contavam nos dedos das mãos. Lembrou de um caso de três casais idosos que eram os únicos que ainda restavam no vilarejo, filmaram a festa das castanhas, os seis sentados com duas ou três no prato e um copo de vinho. O olhar mortificado, quase inanimado, olhar de solidão, de resistência ao próprio existir. Não iam embora, ali era a casa que se fizeram homens e mulheres, que tiveram os filhos, que os viu crescer e ir-se para nunca mais retornarem. Que conversa boa para um almoço, olha lá. Mas ao escutar e imaginar a cena, lembrei-me de Josué Guimarães, do "Enquanto a noite não chega". O livro conta a história de um casal de idosos que são os únicos habitantes que ficaram na cidade, com a exceção do coveiro (não tão jovem) que esperava suas mortes para enfim partir. Os dias eram passados a recordar da vida que existia na cidade, a olhar para as casas e reviver os mortos, os vizinhos a conversarem na cerca, as crianças a correrem e subirem nos pés de pêssegos, laranjas e goiabas. Os dias eram à espera da morte e a profunda esperança que ela lhes levasse em conjunto...até que o coveiro morreu e restou apenas os dois. A escassez  de comida, a pobreza das casas caiadas e de piso de chão batido...uma tristeza sem fim. Chorei quase todas as vezes que começava a ler e por incrível que pareça tenho uma saudade dos personagens quase como se os conhecesse. Naquela conversa os vi a secar o chimarrão no sol para que pudessem tomar outra vez, e outra e outra vez. Para aquecer. Para esquecer. Da vida que já não os circundava e da morte que demorava a chegar.
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