terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Só os olhos de fora (ou nem isto)



Uns dias atrás tive uma discussão com um ex colega (cá para mim ele gosta de picar-me com estes assuntos) porque defendi a posição da França em proibir o véu que deixa apenas os olhos de fora (niqab) ou nos piores casos, a burca em espaço público. Dizia-me ele que então a França não era um país livre e democrático já que não aceitava a religião muçulmana. Para mim liberdade e democracia são conceitos relativos, pois acho que seria muito interessante um país livre que permitisse uma forma tão extrema de repressão ao gênero feminino. As pessoas não são proibidas de seguirem esta fé, elas podem usar véu para cobrir os cabelos e pescoço (hijab), os vestidos pretos até os pés, podem andar dois metros atrás dos maridos (que é como andam), sentar no banco traseiro enquanto o filho senta na frente com o pai, só não podem cobrir o rosto. Culturalmente a França não interfere no jeito deles viverem, as mulheres seguem sendo reprimidas seja voluntaria ou involuntariamente. Sinceramente este não é o primeiro assunto que vejo dar polêmica com quem se enfia atrás de uma série de teorias políticas e defende uma posição sem nunca ter vivenciado. Em 2008 antes da aprovação desta lei, durante os dois meses em que "morei" em Paris parecia muitas vezes que estava no Afeganistão ou qualquer país talibã do gênero, tal era a quantidade de mulheres de burca que andavam por lá. E como sou do pensamento que se fosse no país deles eu teria de me sujeitar a tapar-me toda, sendo assim, se eles escolheram um país livre para viver e não uma ditadura muçulmana, tem ao menos de mostrar a cara. O meu ex colega que é professor, nunca passou pela situação de dar aula para mais da metade de alunas em que só vê os olhos ou nem isto, ou tentar interagir com uma pessoa por trás daqueles panos todos. É claro que não descarta-se também por parte do governo francês uma questão política e ideológica porque são os emigrantes quem tem de se dobrar aos costumes e não o contrário. 
Quanto a este cartoon penso que enquanto a mulher ocidental consegue ter escolha do que se vestir a outra já não ocorre o mesmo. E o argumento usado por ele de que deviam deixar que a própria convivência com um país mais aberto mudassem aos poucos a forma desta etnia pensar, vestir e agir, é ridícula e denuncia mesmo a ignorância de uma pessoa que nunca conviveu com um grupo minoritário e auto-excludente (que em muitos sentidos me faz lembrar os ciganos em Portugal). Este assunto por acaso dá pano para burca, pretendo falar outras vezes por aqui.



Transcrevo aqui uma opinião interessante deixada em uma coluna sobre este tema:
Totalmente a favor da proibição. Não acho que isto acirra o preconceito. Ninguém está acima da lei. Aqui na Suiça por exemplo é proibido andar com rosto coberto em vias publicas. Esta lei existe ha muito tempo. E foi criada para desmacarar os neo nazis que gostavam de fazer suas passeatas pró nazismo com o rosto coberto. Desde que esta lei foi criada vem diminuindo o numero deste tipo de passeatas, pois eles nao tem coragem de mostrar a cara em publico. Quanto a motociclistas, carnavalescos, sao autorizaçoes especiais. O motociclista só pode usar o capaceta enquanto está em cima da moto, e os carnavalescos faz parte da tradição, da cultura do país. Eu tenho uma amiga muçulmana ( minha concunhada), as mulheres da familia dela nao usam burca, no maximo a mae usa niqab, ela nem isso, mas as mulheres de sua familia tb sao a favor da proibiçao a burca. E se uma pessoa criar uma nova religiao onde todos têm que andar nus ? Esta tudo bem em nome da religiao andar nu por ai ? Existe aqui na Suiça e na Alemanha um grupo de naturistas religiosos que caminham nus nas montanhas como forma de estar em total contato com a natureza. Chega o verao, coloca-se mais policiais vigiando estes lugares e estas pessoas sao multadas e presas. Agora se algumas podem usar a burca, pq outros nao podem caminhar nus pela cidade ? Vc é a favor que os naturistas religiosos adquiram o direito de andar nus em vias publicas para assim poderem expressar sua fé ? "


domingo, 19 de janeiro de 2014

Bonitinha indelicada

Queria ser rica a ponto de dizer para os outros que o melhor da vida o dinheiro não compra.


O corpo como símbolo de status (no ocidente)

Todo mundo sabe que o ideal de beleza muda conforme a cultura e também dentro da mesma com os passar dos séculos. Antigamente as mulheres gordas/inhas eram tudibom,  lá estão elas todas fofas retratadas nas mais diversas obras desde os afrescos da Roma antiga até a Renascença. E a principal razão para que o corpo volumoso ocupasse total apreço era nada menos do que sinal de riqueza. Até os nossos amigos agrotóxicos existirem, a população era constantemente afetada pelo tempo, se chovia demais ou de menos, se uma praga destruísse a plantação, assim como por guerras e consequentemente não haver quem lavrasse a terra e guardasse sementes para a próxima leva, etc. A comida até a idade média e convenhamos que na idade moderna também, era um problema. Como só quem pode comprar são os ricos e só se engorda (muito) quem come bastante, é lógico que envergar aquele pneuzinho em um passeio na cidade era equivalente a ter o Iphone 5, o nike air max e a ferrari hoje. Tudo naquelas dobras a mais. Ah mas e o metabolismo lento e o hipotiroidismo onde é que fica? É, acontece que em se tratando dos pobres, meses ou anos de subnutrição e poucos alimentos frescos disponíveis, assim como dez horas ou mais de trabalho pesado, haja gordura que aguente.
A partir dos anos 40 tivemos um movimento que foi se intensificando com o passar dos anos: "dona de casa livre-se já desta gordurinha". Jane Fonda na década de 70 e suas polainas coloridas entravam pela tv das casas de classe média americana a propagar o saudável que é ser-se magra. A mídia, a moda por sua vez com suas Twyggs de pernas da grossura do braço de muita gente, as mocinhas dos filmes e novelas com cintura de pilão refletiam a mudança gritante de paradigma estético. Começaram a pipocar revistas femininas com mezinhas e dietas para perder os três quilos que toda mulher sonha. Alguns anúncios vendiam até pasmem, tênias para facilitar o procedimento!
Com a comida de má qualidade cada vez mais barata, com restaurantes fast food com menu pela metade do preço que se pagaria por um bom prato de comida mais saudável e equilibrado, proliferaram obesos e semi-obesos, incluindo infelizmente um grande percentual de crianças. Alimentos sem açúcar, frutas e legumes biológicos, bolachas e pão integral são caros para muitos bolsos, e por ironia estes são os alimentos que proporcionam melhor qualidade de vida e consequente emagrecimento. Hoje o ideal de beleza, falando principalmente do corpo feminino, é a mulher magra, se possível ainda tonificada e dependente de um arsenal de suplementos vitamínicos. É só observar com atenção a quantidade de pessoas pobres que baseiam sua dieta em batata, arroz e massa, que quando saem para comer fora, a única coisa que o salário alcança é ir ao Mc Donalds. É reparar que cada vez mais os pobres ao contrário de antigamente, apresentam sobrepeso. Hoje mais que um ideal de beleza, é um sinal de status manter-se em forma porque isto significa que temos poder aquisitivo para pagar uma academia, que temos tempo para cuidar de nós, que podemos consumir produtos restritivos a maior parte da população. 
Quando vemos na capa de uma revista uma artista curvilínea a deliciar-se com semente de chia, não é apenas  a provocação à raiva/pessimismo por não conseguirmos fechar a boca, mas é uma das formas subliminares de dizer: este corpo não é para todo mundo. Ser rico, estar in não é para todo mundo ou não sabemos lá que o modelo capitalista é tão e só a exclusão da maioria? Muita gente pensa tratar-se de apenas estética, mas a verdade é que certos conceitos não nascem apenas do óbvio, mas ao contrário, trazem uma série de questões econômicas, políticas e de relações de poder que a nossa cultura nos devolve com mais uma dieta da estação.

sábado, 18 de janeiro de 2014

Stupid phone


Uns meses atrás o marido trocou o seu telefone básico por um smart phone da LG. Ele sabe que tenho vontade de um dia (talvez) ganhar um Galaxy S, suspeito mesmo que pelo valor, quando lançassem o 10, eu poderia comprar o dois. Mas já era uma forma de ir me habituando ao novo sistema porque o meu já deve ter uns quatro anos e foi um dos primeiros a ter internet (que nunca habilitei) e acredito que seja o android 1.0 de tão arcaico. Ah e tal que legal poder acessar os emails pelo telefone, todo um mundo novo pela frente, o sonho de nunca mais me perder na rua, porque o gps seria para mim questão de vida ou morte. Poder tirar fotos com melhor resolução do que as fotos de "webcam" de 46kb que o meu atual me proporciona. Ver o facebook, etc. Mas rapidamente todas estas vantagens foram reduzidas a tum tim. A: mummmm mummmm (onomatopeia de vibração) todo o tempo. Todo o tempo. Aquilo é tão irritante que assemelha-se ao tamagoshi versão para adultos. O telefone passa frequentemente a dizer: olhe-me. Olhe-me. Tenho um email. Tenho spam. Tenho duas notificações da tua tia para a corrente do Buddah da abundância divina. O amigo do teu amigo que não é teu amigo, é na verdade um desafeto teu, comentou o status que tu também comentaste. Já disse que tenho email? Inclusive durante a madrugada. Tum tim! Não preciso nem dizer que prefiro o meu telefone de museu, que por sinal está descansando silenciosamente dentro do armário.

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