segunda-feira, 3 de março de 2014

O BUM (de bomba mesmo) imobiliário



Acompanho de longe, mas também já estive perto e cada vez mais fico chocada. Será que as pessoas não vêem ou sou eu a melodramática que prevejo o mesmo que aconteceu no mercado norte-americano? Tá certo que eu concordo com o programa "Minha casa, minha vida" que proporcionou a oportunidade para gente humilde que nunca na vida imaginou que poderia se livrar do aluguel ter finalmente a casa própria. Agora precisava ser uma caixinha de isopor? Sério, apartamentos de dois quartos com menos de 50 metros quadrados? Onde uma esteira é sinônimo de sala fitness, duas mesas de plástico e uma mini churrasqueira fazem o "espaço gourmet", uma piscina de dois metros quadrados para quatro prédios só para deixar mais caro o condomínio? As portas, os acabamentos (ou seria os não-acabamentos) são tão frágeis que agora é proibido furar parede, claro, se o fizerem  prédio desaba! A cozinha que já era pequenininha na década de 90, hoje aderiu ao conceito "living", que é na prática, um exíguo corredor separado da sala por uma mesa de madeira e dois banquinhos altos de bar. No fim há um espaço para a máquina de lavar e só. Ah e não vão pensando que podem cozinhar em conjunto a não ser que o outro dê um apoio moral do sofá ao lado, enquanto estiver a meio metro da tv de 42 polegadas. E todo este conforto por uma bagatela de duzentos mil reais. É. E sabe aqueles imóveis "amplos" de 65 metros quadrados que estão construindo na zona nobre da cidade? Estes vão a 500 mil reais, isto mesmo! Segura o infarto agora para os apartamentos de um milhão, aqueles de dois quartos mais um mini escritório, nada de luxo não, apenas construído com a qualidade com que deveriam ser todos os imóveis. Há casas sendo construídas no litoral gaúcho (que nem se compara ao de Santa Catarina) que ultrapassam os quatro milhões e não estou falando de casas extremamente luxuosas. Ora se eu tenho este dinheiro vou logo gastar no Sul? As pessoas já pensaram que tá mais barato comprar um apê em Paris do que em Porto Alegre? É porque ovo por ovo, Paris é bem mais chic né? E sempre teremos o charme dos elevadores pifando ou simplesmente das escadas a subir com duas sacolas de mercado em cada mão, ou dos ruídos das necessidades fisiológicas dos vizinhos, ou das paredes abaloadas pelo tempo (ou falta de qualidade dos materiais). 
Esta semana, o marido recebeu um email daquele nosso amigo que morava em Portugal, dizendo que a casa que ele comprou valorizou 10% em um ano!! Isto é um dos bordões que um corretor aprende logo a dizer: com este mesmo dinheiro tu não compras este imóvel daqui a dois meses. Mas é aquela coisa, compra quem quer, só que não deixo de pensar como anda todo mundo doido para abocanhar um naco da onda do Mundial. E aqueles que dizem a frase pragmática como a gente já ouviu de muita vó (estilo: imagina se pega no olho!): "Imagina na Copa". Eu digo, com mais cheiro de naftalina ainda: Imagina depois! Quero ver o que vão fazer com todos estes prédios e conjuntos de casas que pipocam por tudo que é lugar se não há gente que tenha condições para embolsar uma grana destas. As pessoas esquecem que ao invés do boom pode vir mesmo o BUM, porque depois da bonança, vem a tempestade novamente.

Quem roubou o meu sorriso?



Tenho de fazer um esforço para lembrar...já faz tanto tempo. Diria que três, não, quatro meses. A verdade delegado, é que nem ao certo sei quando ele começou a me fazer falta. Estava eu passeando pela rua, você sabe, portando o meu sorriso. Não é um qualquer, porque todo mundo acha que é tudo igual, mas não é. O meu sorriso era assim do tamanho (medindo os dedos ao redor da boca. Olhar impaciente do ouvinte). Não sei, senhor, e não sei porque variava. Às vezes cabia uma nesga de sol, às vezes um Magnum de caramelo, às vezes expandia-se tanto que eu podia engolir o mundo inteiro. É...era um sorriso especial, não assim que fosse melhor que o seu delegado, mas é que era o meu. E não entendo como alguém pode ter a coragem de roubá-lo, ele não estava fazendo mal a ninguém, estava restrito e amarrado ao meu rosto... 
O delegado retira por momentos os olhos escondidos pelas sobrancelhas pretas: 
- Você é estrangeiro?
- Sim, senhor. Sou brasileiro.
O homem solta um suspiro.
- Já não é o primeiro caso. Estava a ponto de por um cartaz no tram a avisar. 
- Então, já sabem quem foi?
O homem chega-se à frente, debruçando-se sobre a papelada que os separava, disse em um tom conspirador:
- Nunca lhe contaram que aqui adoram roubar sorrisos?... Fazemos assim: deixe os seus contatos, se acharmos o seu nós avisamos. É por isto que a gente logo vê quem não é daqui. Há que ter muito cuidado e uma vez com ele, evite de deixá-lo à solta por aí. 
- Normalmente eu lhe apertaria a mão sorrindo, mas...
- Eu entendo, com o tempo o senhor se acostuma. - "Ces étrangères et l'habitude de penser que peut sourire impunément dans notre pays".

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

"Há que endurecer, mas sem perder a ternura"...( e como é que se faz isto meu filho?)

Chegando ao fim a primeira semana de férias, não deixo de pensar que este país tem-nas em demasia. Afinal férias de inverno para quem não tem carro, em um lugar que não tem quase nada para fazer significa apenas ficar em casa dia após dia. Ontem mesmo me dei conta que se não saísse, ia completar uma semana sem por o nariz para fora de casa, lá reuni coragem e fomos na praça da Mairie. Às vezes sinto-me observadora da minha própria vida, eu sento em um banco sentindo aquele frio que me adormece os dedos e enquanto vejo ao longe o Fabian brincar, imagino-me longe, muito longe. Não sei ao certo o que procuro e qual o propósito de estar aqui, se é viver dias iguais, se é voltar a estudar, se é me dar um tempo. Por enquanto não sinto qualquer ódio em particular, sinto-me apenas a vagar através do tempo e tal como se fosse em um sonho, belisco-me, mas não tenho a certeza de que sinto mesmo a dor ou se esta é apenas uma construção da minha mente. De qualquer forma tudo tem de passar por lá mesmo, mas no fundo, eu sigo...distante...longe...dormente.... 

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Bandido bom é bandido morto

Eu acho que devia ter uns oito anos quando soube que meu avô tinha sido assaltado. Foi no centro da cidade, tinha ido buscar um dinheiro (como naquela época existia o imposto por transferência bancária, muita gente preferia retirar e fazer o depósito com a quantia em mãos). Levou um pontapé, caiu e ninguém fez nada. No centro lotado, as pessoas simplesmente passaram e sequer ofereceram a mão para ele levantar. Lembro que senti muita raiva quando ele contou, eu queria trucidar quem tinha feito isto com o meu vô, mas como disse, eu tinha oito anos... 
Hoje, descendo os olhos sobre as notícias, pulam casos e mais casos de pessoas que fazem justiça com as próprias mãos, surram, amarram em postes, matam. Dizem elas que bandido bom é bandido morto. E este punhado de gente é obscenamente aplaudido por uma multidão descontente com este Brasil da copa, com a corrupção esparramada nos noticiários, com as verdades absolutas de filmes caseiros no youtube. Uma coisa que devíamos saber separar é o sentimento de raiva e impotência das vítimas  do revanchismo. A raiva é legítima, o último não e nem é preciso explicar porque. Qualquer pessoa em seu perfeito juízo vai saber que a pretensa ideia de "dar uma lição" não deixa de ser crime.
Os dedos estão apontados, acusadores, por uma gente branca, que tem faculdade, que viajou a Disney e conhece a torre Eiffel. E estes dedos acusam: a culpa é do Lula, é da Dilma! A culpa é do bolsa escola, a culpa é destes pobres que só sabem fazer filhos! A culpa por fim, é do próprio bandido que escolheu um caminho torto. Eu não sei se estas pessoas já tentaram por alguns minutos saírem da frente dos seus smartphones e das páginas da Veja... Mas a verdade é que o marginal que nos assalta é uma espécie de efeito cuja causa somos nós. 
Há um tempo atrás li uma reportagem sobre o porquê a taxa de violência em Luxemburgo ser tão baixa. Dizia o autor que a diferença entre abrir com tranquilidade o seu laptop no transporte público está em ganhar menos. O salário de um lixeiro para o de um gerente comercial são dois mil euros a menos em média. Aqui na França também podemos notar isto, mesmo que a diferença salarial seja maior. Nada é comparado com os menos de 700 reais de salário mínimo e os salários da classe média de oito mil reais, vinte ou trinta. Nem estou falando de gente riquíssima, de presidentes de empresas...estou falando de um salário que é perfeitamente possível de atingir (se você é da classe certa). 
Outra coisa que as pessoas não tem noção, é que a questão "escolha" que jogam para o criminoso é no mínimo ilusória. Ah, claro, ele pode ser honesto, eu sou honesta, não é difícil. Mas eu estudei em escola particular a vida toda, eu não tenho nenhum familiar toxicodependente, eu tenho uma família estruturada. Se as pessoas soubessem as histórias que fico sabendo de amigas professoras cujos alunos com dez anos se prostituem, que outros estão no tráfico pois só assim para ostentarem roupas de marca, que não há simplesmente ninguém que se interesse por eles... Que aos dez, onze anos são pequenos adultos que fazem escolhas de adultos, mas que no fundo tem a maturidade cronológica esperada para a idade. É fácil ser bom quando se é privilegiado, quando a violência é apenas no noticiário e não na nossa casa quando o pai bebe e sai distribuindo socos em quem alcançar. É fácil manter-se honesto quando as portas não se fecham pela cor da minha pele, quando tenho a oportunidade de terminar a faculdade e já emendar um mestrado. Pergunto-me se estas pessoas que reclamam  deste país corrupto e violento abririam mão de ganhar salários tão altos em nome de uma melhor distribuição de renda. Ou falar de impunidade, dar lições em moleques batedores de carteira e jogar a culpa em toda a corrupção que rola em Brasília é mais a cara delas? 

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