sexta-feira, 14 de março de 2014

Tudo igual



É impressionante! Ou na verdade não, pelo menos para quem conhece um pouquinho de história. Quando a coisa começa a ficar feia o povo se encareta, "vira" à direita, extrema direita. É preciso achar culpados. Massacra-se as vozes contrárias, agarram-se muitos à religião, fazem marchas da família. Afinal é preciso achar culpados como se nos outros governos não os houvessem suficientes. Gente pobre calçando nike e já nem é mais falsificado. Gente que rouba, gente que mata. Por nada. Violência escorrendo nos telejornais. O Brasil vibra e pulsa à beira de um colapso. Estamos diante de um golpe comunista, dizem eles. Esta gente delira. Será que tem a mínima noção do que estão dizendo? Direitizam-se e a única solução é um golpe militar que por incrível que pareça tem até candidato. E aí arranjam uma musa, Raquel Sheherazade, a loira do horário nobre que diz "tudo o que o povo tem vontade de dizer e não pode". Acho bárbaro, de última mesmo, será que as pessoas são tão ingênuas a ponto de acreditar que todo este discurso parte dela? Que ela não tem lá um script que pouco improvisa, pois os mesmos patrões que a pagam mantém o controle do que o povo deve ou não saber. Esta crítica é tão rasa e apenas fala às massas sobre o horror ao outro. Porque é o outro que agride que deve ser preso. O outro que deve ser linchado, expulso, marginalizado e morto. Dá um alívio quando o problema não é nosso e sempre desta tal "outro", né não?
Grécia, Alemanha, Espanha, Portugal, e até a França viram ressurgir com força, vozes que se julgavam esquecidas. Mas foi só as luzes de emergência da velha Europa a afundar-se que lá estavam eles. É preciso achar culpados. Fora imigrantes que nos tomam os empregos (que nós não queremos)! Fora com as ajudas àqueles que não trabalham! Fora com os ciganos! Fora com os países que não contribuem no Euro! Fora! Fora! Os corpos fétidos do nazismo, do fascismo e da ditadura erguem-se e caminham como zumbis pela humanidade. Engana-se quem os acreditava mortos e enterrados, pois justamente quem ontem horrorizava-se com o holocausto anda para aí a gritar (mesmo que virtualmente) as mesmas ideias. É o velho individualismo de sempre, é que sabe, nunca há salva vidas que cheguem para todos... 

quinta-feira, 13 de março de 2014

Dias ensolarados

Eu achava que estava deprimida, mas afinal o que me faltava era o sol! Desde a semana passada o tempo melhorou tanto e fez até calor! Quinze graus para mim agora significam manga curta, tá bom, nem tanto, manga comprida e um casaquinho na mão. Acho incrível como alguém consegue gostar do inverno e pior, até fazer uma maldade consigo mesmo indo para o gelo praticar ski como um colega de curso o fez nas férias. Isto é muito masoquismo! Quem é que gosta de andar sempre encolhido, com o cenho nublado, onde as pessoas rosnam ao invés de falar? Parece mágica, todo mundo mais leve, casacões que mais parecem edredons jogados no armário... Que venha a primavera, que venha com força, senti muitas saudades!




segunda-feira, 10 de março de 2014

Fiz um trato comigo.

 Estou deixando para lá o "je ne sais pas parler français". Quando alguém me aborda e não sei porque, mas tem aumentado cada vez mais como se o universo todo soubesse da minha decisão, eu me viro. Falo francês com inglês, faço gestos e às vezes até falo em português. Estes dias um homem perguntou-me onde ficava a Mairie quando eu estava quase chegando com o Fabian em casa. Poderia ter dito que não havia entendido só pela preguiça de ter de me "débrouiller", ensaiei, me enrolei toda. Parece que quando estamos aprendendo uma língua surge uma gagueira sei lá de onde, mas consegui. Levei o homem até avistar a ponta do prédio que é bem próximo de onde moro e ele seguiu sozinho com as minha indicações. Ele perguntou se eu falava espanhol, talvez pelo sotaque ainda dismorfo, mas ao saber que falo português, jogou-me em alto e bom som um "obrigado". E eu completei em pensamento "merci a vous". É, decididamente  eu falo francês, mal, mas falo.

domingo, 9 de março de 2014

Le Carnaval


Às vezes eu penso que moro tão no fim do mundo que até o carnaval chega atrasado. Acontece que como aqui não tem feriado, o pessoal tem de se virar mesmo é nos finais de semana e assim, chegou a vez do Bouc Bleu dar o ar da graça em Schiltigheim. Carros alegóricos puxados por tratores, confetes, balões e saquinhos de pipoca para o público. O carnaval apareceu eclético e um tanto desconexo. Das bandinhas alemãs, ops alsacianas com um toque de techno ou de rock, às cheerleaders vestidas à moda da oktoberfest, sorrisos chochos ou tímidos e um adeuzinho com o braço. Alguns arriscavam um mexer de ombros como quem não quer nada, câmeras (como a minha) registravam um mar de cabeças antes de qualquer coisa. (Porque não calcei meus andaimes?)
Cada grupo que desfilava possuía sua própria música e com sorte, a sua própria banda. Um deles trazia um polvo que reclamava para si os impostos, em um jeito de brincar tipicamente francês. Os dois grupos de brasileiros que passaram, levantavam expectativas, mas a verdade é que não tiveram muito sucesso. Quando ouvi a bateria do segundo se distanciar, senti uma melancolia, uma espécie de acerto de contas com o passado. Aos dois anos, depois de uma disparada homérica e de ser alcançada pela corrida desesperada da minha mãe, voltei para os braços do meu padrinho e perguntei chorando: "dindo, tu pompa um panaval pá mim?" Com mulatas, com bateria, com brilho, com tudo tudo? E sem perceber ele passou por mim e desta vez eu não corri. Fiquei estacada com a maioria da multidão a balançar o ombrinho. Mais alguns foliões passaram vindos da vizinha Alemanha, de Baden-Baden, mais uma corja de bruxas e palhaços estilo Rod Stewart. Ao dobrar da esquina se avistava o último grupo sendo seguido de perto pelas ambulâncias. E no prenúncio de que o melhor fica para o fim, observei com ansiedade os dançarinos vestidos de dourado, preto e vermelho que se aproximavam em uma dança com pinceladas de candomblé. O som ao viajar pelo vento, acertou em cheio o peito: as batidas do surdo e do meu coração sincronizaram-se. E aquela máxima que diz que quem não gosta de samba ou é doente da cabeça ou doente do pé, mostrou-me que os franceses não desgostam nada do samba, tem é qualquer probleminha ali mesmo, nos pés. Nesta hora eu já não quis saber de mais nada, sambei, sambei e sambei com sede, uma sede que só quem está longe sabe. As pessoas passavam, olhavam e se cutucavam, e eu continuei. Fui seguindo o carnaval até a multidão ir se despedindo, os grupos se dispersando, os foliões se desfazendo de suas fantasias. Enquanto houve música sustentei a ilusão de que aquele era o carnaval prometido que muitos anos depois tinha enfim me encontrado. Quem diria que  havíamos de nos esbarrar aqui neste fim de mundo? E desta vez eu ri, corri e ninguém veio me segurar!... Pena mesmo foi não poder levar para casa o carnaval que ganhei...
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