quarta-feira, 9 de abril de 2014

It's been a long cold lonely winter

O vento trouxe com ele o cheiro da cevada*, um cheiro morno e doce que não combinada nada com esta ventania desvairada. Faz tanto tempo que não venta aqui que já tinha me esquecido de como os meus cabelos conseguem ganhar vida e quase me estrangulam enquanto ando. Desde Erico que me  é impossível não relacionar o tempo com o vento. O vento de certa forma é como a materialização do tempo, mas isto não quer dizer que ele passe mais rápido. É como se ele açoitasse a pele só para dizer "estou aqui", "olha para mim, eu passo, vês?". Esta semana além de vento tinha pólen voando e pousando na roupa, a primeira coisa que pensei era que ia morrer espirrando, mas ao que parece não sou alérgica ao pólen alsaciano.
Meu corpo ainda está a acostumar-se com o tempo, se misturando com a paisagem. Depois do inverno me acumular uma dezena de quilos no lombo, hoje a primavera me encontra poros a dentro, florescendo a minha vontade de sair do casulo que transformei a minha casa. Está na hora de bater as asas, de me agarrar a fundo e recuperar-me destes longos meses de frio. Só agora consigo entender o entusiasmo dos Beatles quando cantavam "It feels like years since it's been here...here comes the sun and I say, it's all right".




*Ai ai as delícias de morar perto de uma cervejaria (só que não).

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Adão

A primeira vez que me dei conta dele foi quando bateram violentamente em uma das janelas da sala. Ou em todas porque agora já não lembro mais. A lateral da casa dá para a calçada e temos de tomar muito cuidado para não assolapar alguém que esteja passando quando abrimos ou fechamos as janelas. Pensamos que era por isto, alguma delas tinha escapado do trinco e estava abanando. O marido foi espiar e voltou dizendo que tinha sido um menino que o fizera e a mãe tinha se desculpado. Nas outras vezes que aconteceu  ignoramos completamente pois sabíamos que era ele. 
Depois o vi milhares de vezes a chegar com sua mãe ora no carrinho, ora pela mão arrastando-a. Mas foi só semana passada que notei que a senhora além dos olhos muito azuis era vesga, não que isto a fizesse pior que os outros, mas me culpei por não o ter notado antes, logo eu que gosto de me achar boa observadora. 
Descobri que ele era colega do meu filho, mas sempre fica acompanhado pela mãe, faz todas as atividades sempre perto dela, porque ele tende a querer fugir e não tem muita coordenação motora. Adão tem síndrome de down e o Fabian nunca tinha mencionado a sua existência. Simplesmente me disse estes dias que o Adão batia nos amigos. E eu tentei lhe dizer que o Adão é diferente, não queria que ele tivesse a impressão de que o menino era mau, mas que ele controlava pouco os seus movimentos muito agitados. O Fabian não quis saber da minha explicação, para ele o colega era igual a qualquer outro, era apenas um dos que "batem" nos amigos tal como ele o faz (às vezes)...

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Fabionices



É preciso atravessar dois semáforos sempre que vou levar ou buscar o Fabian na escola. Ontem quando íamos voltando para casa, reparei que ao meu lado tinha um homem cego esperando também que o sinal abrisse. Titubeei :  ai, será que ajudo? Eu sei que  eles tem o sistema de se débrouiller e às vezes temos que guardar a gentileza no bolso e respeitar como funcionam as coisas aqui. Além do mais o sinal é luminoso e sonoro. 
O homem atravessou normalmente quando ouviu o barulho, passou pela calçada em direção ao segundo semáforo. Apalpava o mundo com a sua bengala de metal. Foi andando, avançando, e não  parou quando passou pelas pequenas bolas de concreto que existem para avisá-los de que ali começa o asfalto. Segurei levemente no seu ombro, impedindo-o de continuar. Disse-lhe que não estava verde ainda e ele agradeceu. Depois quando finalmente abriu o sinal para nós, vi que ele caminhava na diagonal, passando por uma pequena ilha, se distanciando cada vez mais da faixa de pedestres. Lá sai eu puxando o guri pela mão para catar o cego e trazê-lo de volta à segurança. Depois de nos despedirmos, o Fabian que tinha permanecido muito quieto até ali, ergueu a cabeça emoldurada pela franja:
- Mãe, poque o titio tem aquele negócio?
- Aquilo é uma bengala. Os olhos do titio estão estragados, por isto ele precisa de uma para poder "enxergar".
- Mais e poque ele não vai na dotôra pa arrumá os olhos?
- Porque nem tudo que estraga tem conserto, meu filho...  

quarta-feira, 2 de abril de 2014

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