O Fabian tem uma fixação por um dos colegas da escola. A primeira coisa que diz quando me vê é: posso corrê com o Alpharren? Se chego um nano segundo atrasada e dá o azar do menino sair antes dele é uma choradeira. Várias vezes lhe aviso que não nasceram grudados, não é porque um faz que o outro tem que fazer, mas não adianta. Saem correndo e rindo em uma simbiose de clones, pulando a cerca do jardim, apertando nas campainhas e deixando o zelador do prédio alto tão cinzento como ele, a bradar. Durante a tarde só quer saber se o amigo vai dormir na escola também e lá tenho de ouvir a cada minuto se eu tinha mesmo mesmo mesmo a certeza de que o Alpharren ia. Hoje esteve duas horas a brincar com ele até o pai chegar do trabalho e atravessar a praça. Engraçado foi ver sair da boca do pequeno turco "vamu corrê", assim como Hafize sorria quando o Fabian soltava umas frases em sua língua. Mas e o francês? Vai indo, obrigada. Mas tenho aqui a impressão de que ele ainda aprende turco primeiro.
quinta-feira, 10 de abril de 2014
Ainda bem
Não, não é o sorvete de arroz doce da ali na Rua da Prata, mas é o de morango na Rue de Austerlitz que desce pastoso e fofo como se quer o bom gelato. Não é o rio Guaíba, tampouco o Tejo, mas é o Ill serpenteando pelos contornos da cidade tal como um amante acaricia o corpo de sua amada. Dentro das pequenas janelas de madeira a cidade espia os habitantes, escuta a conversa jogada nos bancos, fotografa em câmera lenta os ciclistas e seus mil e um code dress que vão desde o praiano ao sport chic com salto agulha.
Ainda bem que existe outro dia, outros sabores e outra vida a esperar por nós ao virar da esquina. Ainda bem que podemos virar a página e suspirar de alívio que o que temos agora compensa o que deixamos para trás.
quarta-feira, 9 de abril de 2014
It's been a long cold lonely winter
O vento trouxe com ele o cheiro da cevada*, um cheiro morno e doce que não combinada nada com esta ventania desvairada. Faz tanto tempo que não venta aqui que já tinha me esquecido de como os meus cabelos conseguem ganhar vida e quase me estrangulam enquanto ando. Desde Erico que me é impossível não relacionar o tempo com o vento. O vento de certa forma é como a materialização do tempo, mas isto não quer dizer que ele passe mais rápido. É como se ele açoitasse a pele só para dizer "estou aqui", "olha para mim, eu passo, vês?". Esta semana além de vento tinha pólen voando e pousando na roupa, a primeira coisa que pensei era que ia morrer espirrando, mas ao que parece não sou alérgica ao pólen alsaciano.
Meu corpo ainda está a acostumar-se com o tempo, se misturando com a paisagem. Depois do inverno me acumular uma dezena de quilos no lombo, hoje a primavera me encontra poros a dentro, florescendo a minha vontade de sair do casulo que transformei a minha casa. Está na hora de bater as asas, de me agarrar a fundo e recuperar-me destes longos meses de frio. Só agora consigo entender o entusiasmo dos Beatles quando cantavam "It feels like years since it's been here...here comes the sun and I say, it's all right".
*Ai ai as delícias de morar perto de uma cervejaria (só que não).
Meu corpo ainda está a acostumar-se com o tempo, se misturando com a paisagem. Depois do inverno me acumular uma dezena de quilos no lombo, hoje a primavera me encontra poros a dentro, florescendo a minha vontade de sair do casulo que transformei a minha casa. Está na hora de bater as asas, de me agarrar a fundo e recuperar-me destes longos meses de frio. Só agora consigo entender o entusiasmo dos Beatles quando cantavam "It feels like years since it's been here...here comes the sun and I say, it's all right".
*Ai ai as delícias de morar perto de uma cervejaria (só que não).
segunda-feira, 7 de abril de 2014
Adão
A primeira vez que me dei conta dele foi quando bateram violentamente em uma das janelas da sala. Ou em todas porque agora já não lembro mais. A lateral da casa dá para a calçada e temos de tomar muito cuidado para não assolapar alguém que esteja passando quando abrimos ou fechamos as janelas. Pensamos que era por isto, alguma delas tinha escapado do trinco e estava abanando. O marido foi espiar e voltou dizendo que tinha sido um menino que o fizera e a mãe tinha se desculpado. Nas outras vezes que aconteceu ignoramos completamente pois sabíamos que era ele.
Depois o vi milhares de vezes a chegar com sua mãe ora no carrinho, ora pela mão arrastando-a. Mas foi só semana passada que notei que a senhora além dos olhos muito azuis era vesga, não que isto a fizesse pior que os outros, mas me culpei por não o ter notado antes, logo eu que gosto de me achar boa observadora.
Descobri que ele era colega do meu filho, mas sempre fica acompanhado pela mãe, faz todas as atividades sempre perto dela, porque ele tende a querer fugir e não tem muita coordenação motora. Adão tem síndrome de down e o Fabian nunca tinha mencionado a sua existência. Simplesmente me disse estes dias que o Adão batia nos amigos. E eu tentei lhe dizer que o Adão é diferente, não queria que ele tivesse a impressão de que o menino era mau, mas que ele controlava pouco os seus movimentos muito agitados. O Fabian não quis saber da minha explicação, para ele o colega era igual a qualquer outro, era apenas um dos que "batem" nos amigos tal como ele o faz (às vezes)...
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