sexta-feira, 11 de abril de 2014

O mico nosso de cada dia

Pensa em uma pessoa cansada. Não, tipo bem cansada, com as pernas latejando depois de um treino de uma hora e meia. Cheguei trazendo shampoo, creme e gel de banho. Ufa! A água quente nas costas mesmo que por 17 segundos (me dei ao trabalho de contar) retirando o suor do corpo. Fechei os olhos por pouquíssimo tempo e de repente ouço tocar o alarme do prédio. Insistente e monótono como o bonjour do motorista do ônibus. Ai meu Deus, o que que eu faço? Saio correndo enrolada na toalha porta a fora? E se for um teste? A espuma escorria dos meus cabelos. E se neste momento tá rolando o maior fogaréu no saguão? Olhei para o canto do vestiário que conseguia avistar: nem viva alminha. E agora José? Com o creme, o shampoo e o gel na mão pronta para correr (e provavelmente levar um tombo) escuto a voz vinda das caixas de som. Mesdames e messieurs o que? Só podem estar brincando comigo, tenho a impressão que o sujeito colocou uma batata na boca de propósito antes de falar! Isto é uma emergência ou n'est pas uma emergência? Ele disse "permaneçam calmos" ou "boa sorte e que let the game begin"? Do mesmo jeito que a voz apareceu, sumiu do nada, sem explicação nenhuma. E o alarme continuava. Imaginei logicamente que se houvesse real urgência de evacuar a academia, alguma criatura havia de checar se alguém tinha ficado para trás...tomando banho...pensando se devia correr ou passar o segundo creme nas pernas.
Foi um alívio entrar no vestiário e ver ele como de hábito, com gente se preparando para sua sessão básica de tortura. Vesti-me e saí. O alarme ainda estava tocando. Nunca vou esquecer como se sentem aquelas vovós que não entendem/escutam o que a gente fala. Nota mental: na dúvida, haja naturalmente (ainda bem que não saí correndo com a toalha)!

quinta-feira, 10 de abril de 2014

E o francês?

O Fabian tem uma fixação por um dos colegas da escola. A primeira coisa que diz quando me vê é: posso corrê com o Alpharren? Se chego um nano segundo atrasada e dá o azar do menino sair antes dele é uma choradeira. Várias vezes lhe aviso que não nasceram grudados, não é porque um faz que o outro tem que fazer, mas não adianta. Saem correndo e rindo em uma simbiose de clones, pulando a cerca do jardim, apertando nas campainhas e deixando o zelador do prédio alto tão cinzento como ele, a bradar. Durante a tarde só quer saber se o amigo vai dormir na escola também e lá tenho de ouvir a cada minuto se eu tinha mesmo mesmo mesmo a certeza de que o Alpharren ia. Hoje esteve duas horas a brincar com ele até o pai chegar do trabalho e atravessar a praça. Engraçado foi ver sair da boca do pequeno turco "vamu corrê", assim como Hafize sorria quando o Fabian soltava umas frases em sua língua. Mas e o francês? Vai indo, obrigada. Mas tenho aqui a impressão de  que ele ainda aprende turco primeiro.

Ainda bem


Não, não é o sorvete de arroz doce da ali na Rua da Prata, mas é o de morango na Rue de Austerlitz que desce pastoso e fofo como se quer o bom gelato. Não é o rio Guaíba, tampouco o Tejo, mas é o Ill serpenteando pelos contornos da cidade tal como um amante acaricia o corpo de sua amada. Dentro das pequenas janelas de madeira a cidade espia os habitantes, escuta a conversa jogada nos bancos, fotografa em câmera lenta os ciclistas e seus mil e um code dress que vão desde o praiano ao sport chic com salto agulha. 
Ainda bem que existe outro dia, outros sabores e outra vida a esperar por nós ao virar da esquina. Ainda bem que podemos virar a página e suspirar de alívio que o que temos agora compensa o que deixamos para trás. 

quarta-feira, 9 de abril de 2014

It's been a long cold lonely winter

O vento trouxe com ele o cheiro da cevada*, um cheiro morno e doce que não combinada nada com esta ventania desvairada. Faz tanto tempo que não venta aqui que já tinha me esquecido de como os meus cabelos conseguem ganhar vida e quase me estrangulam enquanto ando. Desde Erico que me  é impossível não relacionar o tempo com o vento. O vento de certa forma é como a materialização do tempo, mas isto não quer dizer que ele passe mais rápido. É como se ele açoitasse a pele só para dizer "estou aqui", "olha para mim, eu passo, vês?". Esta semana além de vento tinha pólen voando e pousando na roupa, a primeira coisa que pensei era que ia morrer espirrando, mas ao que parece não sou alérgica ao pólen alsaciano.
Meu corpo ainda está a acostumar-se com o tempo, se misturando com a paisagem. Depois do inverno me acumular uma dezena de quilos no lombo, hoje a primavera me encontra poros a dentro, florescendo a minha vontade de sair do casulo que transformei a minha casa. Está na hora de bater as asas, de me agarrar a fundo e recuperar-me destes longos meses de frio. Só agora consigo entender o entusiasmo dos Beatles quando cantavam "It feels like years since it's been here...here comes the sun and I say, it's all right".




*Ai ai as delícias de morar perto de uma cervejaria (só que não).
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