A montanha fica paradinha esperando Maomé. E é assim, a montanha não vai a lugar algum. Quer dizer, algum lugar atrás de Maomé, foi mais ou menos isto que disse a minha vó. Estou de braços abertos esperando ela e mais alguns familiares que queiram nos visitar, mas ir ao Brasil tão cedo, não quero. Não tenho paciência para ficar na casa de ninguém, pelo contrário, dou tanto valor a este cantinho que é nosso que nem me passa pela cabeça. Acho que as coisas que passamos ainda estão tão vivas na pele, tantos sapos engolidos, tantas desavenças, que pela primeira vez na vida e quem me conhece sabe que isto é verdade, não tenho a mínima vontade de ir ao Brasil. Não fechei a porta, apenas não estou a fim de abri-la tão cedo, é só. Maomé tem de parar de preguiça e ir mesmo até a montanha.
quarta-feira, 23 de abril de 2014
terça-feira, 22 de abril de 2014
Os tipos de maternidade
Tenho certeza de que podem me apontar tantos, mas tantos defeitos neste mundo (chata, egoísta, controladora, ansiosa...filha única: guess what?), mas nunca terão razão em me chamar de hipócrita. Ah isto eu sei que não sou. Aliás, este tem sido quase o meu baluarte para o autoconhecimento: esmiuçar e admitir coisas não tão agradáveis para eu mesma, bem-vindos ao meu mundo! Então o post que mais bafafá deu é o "odeio ser mãe" e já expliquei algumas vezes o porquê sinto-me assim, mas tenho ainda algumas considerações por fazer. Já que as pessoas acham-se no direito de cagar regras no que eu devo sentir, eu sinto-me com a liberdade de falar sobre a maternidade alheia, porque não?
Em primeiro lugar, claro que não somos todas iguais, mas o que parece um ponto inquestionável é o de que apesar de sermos diferentes e levarmos vidas igualmente diferentes, temos de sentir o mesmo. Um amor-maior-que-o-mundo, incondicional e avassalador, um amor que faz com que não pensem mais em si em primeiro lugar e dediquem toda a existência para o(s) seu (s) filho(s). Eu acho bom quando este amor chega, e não me importa se ele vem como em forma de plantinha interior (não é assim que dizem que cresce a cada dia?) ou como raspadinha ache três corações e ganhe o seu amor incondicional aqui. Mas é difícil explicar quando ele não chega, é difícil porque ao contrário de parir um filho, não se pode parir um amor. E isto se torna patético de dizer, mas ser uma orgulhosa portadora deste amor materno incondicional não a faz melhor ser humano, não a faz mais tolerante (e é por isto que há moderação de comentários aqui). Assim como o contrário também é verdadeiro, uma pessoa que não consegue inserir-se neste dogma maternal, não é um monstro, bicho papão, comedor de sonhos de criancinhas, e pode inclusive, olha só, ser uma boa pessoa!
Sempre desconfio de pessoas que propagam a todos os cantos como é bom ter filhos, que isto é a melhor coisa que poderia acontecer com uma mulher e digo isto porque? Porque geralmente esta mãe é uma mãe fim-de-semana, é uma mãe três-horas-dia, é uma mãe que muitas vezes "aluga" o seu filho para creches, babás, avós, etc. Eu não estou dizendo que isto seja péssimo à partida, porque tempo para nós é uma coisa que todas precisamos, mas o que me refiro é terem a audácia do discurso de mãe do ano com quem abdica quase 100% do seu tempo para o filho. A minha vida é dedicada, não voluntariamente, ao Fabian. Não temos quase nenhuma vida de casal a menos que se conte o intervalo (pequeno, diga-se de passagem) entre "ele dormiu!" até nós mesmos irmos dormir. Não há avós, não há amigos, não há família nenhuma que fique com ele...somos apenas nós dois. Sempre. Como os franceses gostam de dizer: 7 sur 7 jours. E isto cansa. As crianças moem o juízo, sugam as energias e a vida muitas vezes fica um inferno.
Vou ser mazinha agora, mas este amor incondicional me parece tão ligado à condições que chega a roçar a hipocrisia. Porque na época que pude ter algum tempo para mim, cheguei a aceitar minha nova condição como mãe-prisioneira, mas só a partir do momento em que consegui um regime aberto. Ou seja, é muito fácil amar tendo escapadinhas a dois a cada mês, ou poder deixar uma vez por semana ou mais o filho com os avós para um jantar, um cinema, ou simplesmente para ficar no sofá a ver séries sem ser interrompidos 741112222 de vezes. É fácil ser mãe podendo dividir o tempo entre a família alargada que aliás é o que acontece em muitas culturas, nas quais todos tem sua parcela de responsabilidade por aquela criança. Além de fácil é bom se valer do apoio de terceiros mesmo que tenhamos que pagar, e está tão corriqueiro, que uma ex colega do meu marido, o filho não tinha nem nascido e já estava procurando babá para passar a noite com ele. E ninguém disse " não acredito, que tipo de mãe é esta?". Pergunto-me se estas mães tivessem todo o seu tempo ocupado com o rebento, tendo por consequência, zero para ela, será que não iam repensar estes julgamentos e inclusive este adjetivo por trás do seu amor? Será que existe vida depois da maternidade? É porque é a isto que muitas vezes resume-se esta falta de empatia para com esta filosofia de vida.
Para além disto, irrito-me com quem vem soltar "mas na hora de fazer foi bom", " se tivesse fechado as pernas", "se tivesse usado camisinha", etc. Porque não se trata muitas vezes de surpresa, muitas tiveram filhos planejados e mesmo assim, adivinhem? O amor não chegou. E depois vem aqueles boçais "na minha opinião só deveria ter filho quem está preparado". Ió ió (onomatopeia para burro) para você. Mas e como alguém pode estar preparado para isto além de sei lá, ter uma família estruturada na medida do possível, de ter emprego e situação financeira adequada? Existe algum simulador para futuros pais que eu desconheça? Alguém larga um bebê aqui em casa para ficar um, dois , três meses, digo, meses não, anos, e depois vem buscar para gente saber se é dessa que estamos "preparados"? Não há preparação possível, não há absolutamente nada que nos deixe a par do que é ser mãe e para umas (muitas) isto significa entregar sua liberdade inteirinha sem prazo de validade. E depois, depois vem estas mães de fim-de-semana dizer o que devemos sentir, como somos cruéis e malvadas porque ocupamos tempo com os nossos filhos enquanto estão em um feriado em Paris, em um cruzeiro em Miami ou em um salão fazendo aquelas unhas de gel pavorosas. Amor incondicional é uma ova. Só acredito da boca de quem eu sei que está lá 7 sur 7 jours, fazendo das tripas e do coração paciência. Vai ver isto até é amor.
Brincar de fazendinha
Uma das coisas que mais me chamou atenção logo que cheguei aqui foi exatamente a falta. Olha-se para todos os lados e ela não existe, não há miséria, não há pobreza. E eu me pergunto, mas nem queira comparar o sul do Brasil (que considerando o país nem é dos piores) com a França né? Aí em um dia que andava de ônibus avistei o que parecia para mim um acampamento um tanto quanto organizado, rodeado de casinhas de madeira minúsculas. Prontamente pensei "aháá" e não é que a pobreza estava todinha ali, concentrada em campos cercados por ferro verde?! Apertei os olhos: e ainda por cima plantam o que comem? Será alguma comunidade hippie no maior estilo sociedade alternativa do Raul? Aquela dúvida ficou fazendo círculos na minha cabeça até um casal de amigos portugueses nos levar para conhecer sua plantação de cebolas. Como assim, no apartamento? A minha ingenuidade não tem fim mesmo...
A prefeitura cede para qualquer habitante de Schiltigheim que queria alugar um espaço de mais ou menos 40 metros quadrados, o que eles chamam de jardins familiaux. A finalidade é mesmo o plantio, portanto as casinhas tem medidas máximas e é proibido ter piscina. Mas muita gente que não ruma para o litoral no verão, principalmente idosa, vai lá passar o dia ou mesmo a noite naquelas minúsculas casas. Há água encanada e todas as elas tem um banheirinho (é tudo inho mesmo), há um estacionamento exclusivo para os locatários e cada um recebe uma chave com um código único, caso haja qualquer problema sabe-se quem entrou ou saiu naquele momento. Mas como nada é perfeito, o nosso amigo nos disse que não se deixa nada de valor nas casas por que uns adolescentes vez por outra arrombam com pé de cabra as cabanas. E eu imaginei quem é que põe alguma coisa de valor ali entre adubos e quinquilharias que já não querem em casa, como uma cadeira bamba ou um bibelô de navio com o mastro quebrado? Ele depois de esperar pelos meus olhos que corriam aquele monte de coisas semi abandonadas, disse: eles vem para roubar cerveja, vinho ou uísque. E só me veio a cabeça o quanto meu vô ia gostar de um pedaço de campo no meio de Porto Alegre, de plantar e depois sentar para tomar sua cerveja gelada, isto se uns filhos da puta* não tivessem-na roubado de madrugada.
*o meu vô era um poço de educação e eu herdei-lhe o dom.
A prefeitura cede para qualquer habitante de Schiltigheim que queria alugar um espaço de mais ou menos 40 metros quadrados, o que eles chamam de jardins familiaux. A finalidade é mesmo o plantio, portanto as casinhas tem medidas máximas e é proibido ter piscina. Mas muita gente que não ruma para o litoral no verão, principalmente idosa, vai lá passar o dia ou mesmo a noite naquelas minúsculas casas. Há água encanada e todas as elas tem um banheirinho (é tudo inho mesmo), há um estacionamento exclusivo para os locatários e cada um recebe uma chave com um código único, caso haja qualquer problema sabe-se quem entrou ou saiu naquele momento. Mas como nada é perfeito, o nosso amigo nos disse que não se deixa nada de valor nas casas por que uns adolescentes vez por outra arrombam com pé de cabra as cabanas. E eu imaginei quem é que põe alguma coisa de valor ali entre adubos e quinquilharias que já não querem em casa, como uma cadeira bamba ou um bibelô de navio com o mastro quebrado? Ele depois de esperar pelos meus olhos que corriam aquele monte de coisas semi abandonadas, disse: eles vem para roubar cerveja, vinho ou uísque. E só me veio a cabeça o quanto meu vô ia gostar de um pedaço de campo no meio de Porto Alegre, de plantar e depois sentar para tomar sua cerveja gelada, isto se uns filhos da puta* não tivessem-na roubado de madrugada.
*o meu vô era um poço de educação e eu herdei-lhe o dom.
sexta-feira, 18 de abril de 2014
Crianças francesas não fazem manha*
Mas também não fazem mais nada. Juro, demorei todo este tempo para falar sobre isto porque estava digerindo e observando melhor antes de me pronunciar sobre o assunto. Meu filho é a única criança que vem para casa com os joelhos sujos. Só em um mês ele conseguiu furar três calças de moletom e uma jeans (!!), a qual tive de atempadamente colar o "Homem Anhanha" antes que ela se desfizesse. Também é o único que pelos vistos não sabe usar o "pananapo" e eu só fico sabendo o que comeu de lanche pela cor das mangas: se estão cor-de-rosa, iogurte de morango, se estão marrons, chocolate de caixinha. Quando levava ele para o turno da tarde, depois do almoço, notava a roupa imaculada das outras crianças e de alguns memorizei para saber que não haviam-na trocado.
Por outro lado, é verdade que para se ver uma criança fazendo birra tem de se estar muito atento e eu neste tempo todo que moro aqui, só vi uma vez e ainda assim foi tão fraquinha que quase nem notei. Quando meu filho chora na rua (e isto acontece frequentemente) parece uma coisa surreal: pessoas param para olhar, viram o pescoço e eu me sinto a pior criminosa apenas por tentar educá-lo dizendo que não pode fazer tudo que quer.
Uma coisa que me chamou bastante atenção logo que cheguei, foi a quantidade de crianças pequenas com três anos, talvez quatro, a andarem de bicicleta sem rodinhas (e eu fiquei pensando que a primeira vez que consegui este feito era uma barbada de oito anos). Mas não é só: elas andam so-zi-nhas e muitas vezes na rua, já que a ciclovia separada fisicamente dos carros não existe em todos os lugares. Os adultos vão na frente e não ficam cuidando a cada cinco segundos se elas ainda os acompanham, eles simplesmente confiam que elas o estão fazendo.
Faz sentido que o sistema de se débrouiller (se desenrascar) seja aplicado cada vez mais no país da comunidade européia com maior índice de natalidade. Uma mãe aqui tem uma média de três filhos com pouquíssima diferença de idade, assim, espera-se que os mais velhos consigam gerir suas necessidades sem grande intervenção dos adultos. Se por este prisma parece um alívio a quem está acostumado com uma criança que exige atenção em todo o tempo que está acordada, por outro a impressão que dá, é que tanta auto-suficiência cria pequenos robôs. Por serem coibidos de expressar sentimentos como raiva, revolta, ou até alegria efusiva, as crianças francesas tem um olhar inexpressivo. Parecem estar sempre temendo um olhar reprovador justamente por serem...crianças.
É muito interessante problematizar a educação que damos para os nossos ao comparar com outras culturas. Há algumas coisas que gosto, como por exemplo, eles deixarem os seus filhos "respirar", terem suas experiências e claro, por vezes caírem e se machucarem. Porém ainda continuo achando que o melhor seria um meio termo entre nós: nem tanto "te vira" e nem tanto "deixa que eu faço". Mas por via das dúvidas vou já preparar as joelheiras, que auto-colantes de desenhos animados estão pela hora da morte.
*Livro da autora Pamela Druckerman
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