quarta-feira, 25 de junho de 2014

Memórias de infância

A minha tia tinha uma cocota, não lembro como e quando e porque foi lá parar, mas apenas lembro de estar  onipresente lá na sua enorme gaiola, invariavelmente rodeada de cocô. A minha vó tinha raiva da caturrita tanto quanto tinha raiva de cozinhar. Imagino que devia ser o descalabro chegar sempre do trabalho todos os dias e fazer a coisa que mais se detesta, no meu caso é passar camisas de homem, mas isto eu posso fazer uma ou duas vezes na semana. Enfim, minha vó chegava muito estressada e a cocota adivinhava-lhe o humor e começava a gritar lá do quartinho da empregada. Um parênteses para o apartamento em que eles moraram por vinte anos, um enorme imóvel de três quartos, estranhamente com uma sala pequena, uma cozinha idem que descambava em um corredor-área-de-serviço (com a máquina dançante da vó) e depois em um minúsculo, estreito e sem janelas, quarto de empregada. No fim dele ainda tinha uma peça mais diminuta ainda com um vaso sanitário: pior resquício de escravidão legal não há. Mas de fato aquela peça nunca serviu para outros propósitos senão  albergar todas as tralhas que uma família numerosa vai juntando, as garrafas de vinho rasca e a bicicleta dos anos 70 do meu vô. E claro, a cocota. Fecha parênteses. 
Lembro da vó gritar: Nyne, vai lá e faz esta porcaria ficar quieta!! Achavam que eu tinha um dom apaziguador no bicho, mas eu sempre achei que ela só gritava porque se sentia só, e começava a contar-lhe histórias a que ela atenciosamente encurvava a cabeça para um lado e para outro, em contemplação. 
Houve um tempo em que tentamos fazer com que ela "falasse" coisas como bom dia, olá, tchau. Mas curiosamente as únicas palavras que ela repetia eram: cala a boca e filho da puta. Captadas pelo meu educado avô. Lembro outra vez quando ela botou um ovo, fiquei muito feliz a imaginar o filhotinho que iria nascer dali. A minha tia pegou o ovo e colocou-o em uma tampa de garrafa, daquelas de lata, dentro do armário. Dias depois, o ovo quebrou e fiquei muito magoada com ela, fazendo-me de surda às explicações de que seria impossível uma ave conceber sozinha. 
A cocota morreu um par de anos depois, estávamos na praia, foi encontrada já sem vida em sua gaiola cheia de cocô. Penso que até a vó disfarçou-se em tristeza, eu acho que chorei, engraçado a mente pregar-nos peças destas, já não lembro se chorei ou se queria chorar quando enterraram seu corpo pequenino sob a areia. Quieto, inerte. Um silêncio a que demorei para me acostumar, pois não havia mais com quem dividir as minhas histórias. Pelo menos morreu longe daquele quartinho e do medo de um dia misturar-se ao abandono relegado àquelas coisas que deixamos assentar o pó.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Muy amigo

Para quem não vê Game of Thrones, apresento o Fabian, quer dizer, The Hound


E é assim, meu menino é como se fosse um cão de guarda do amigo turco. Já lhe disse para deixar de ser besta e parar de se meter em confusão por causa dele, mas não adianta. Volta toda a semana com roxos e arranhões, o último foi um quase dentro do olho. No dia do piquenique pude ver bem como são as coisas, o Alparen apronta e foge e o Fabian sai para defendê-lo, bate e claro, acaba apanhando. Nem imagino como deve ser com meninos que são bem mais velhos do que ele, que apesar de ser grande, é dos mais novos e como consequência com menos juízo na cabecinha.
Bem sei que na vida quem não aprende com amor, aprende com a dor, mas eu gostaria muito que ele  me poupasse as pomadas de gel. Quando eu falo isto, as pessoas suspiram: ah os meninos são assim. Não acho normal esta obsessão com este amigo, só fala nele, só quer ir na escola à tarde se ele for. Talvez seja uma fase, não sei... vamos ver como vai ser nas férias! Ou se cura ou enlouqueço.

E não é que é?

Impossível passar longe da copa, mesmo que não se veja os jogos, mesmo que não se queira saber se fez gols, se perdeu ou ganhou. A tv aqui em casa fica ligada nos jogos mais importantes (segundo a definição do marido) e vez por outra escuto o narrador francês se exaltar, não como se esgoela o Galvão Bueno, mas ainda assim. Gol. Falta. Pênalti. Agora uma coisa que tem me deixado com um pouco de azia é a quantidade de brasileiros que torcem para Portugal. Eu aqui nunca fui de segundos, sou de um time só: meu Internacional de Porto Alegre ou no caso, a seleção. A única exceção para a qual torço é a Argentina. Torço para perder. Tinha lido num dos blogs que a história de país irmão é bobagem e concordo. Mas dizia a pessoa que é porque as ex-colônias guardam muito ressentimento dos países colonizadores, já eu acho que é recíproco. Principalmente quando a ex-colônia em alguns sentidos acaba por superar o seu colonizador (hello England!)... E o mais notável é que pelo mundo virtual  não encontrei ninguém que elegesse o Brasil como segundo time "do coração", mas o contrário é verdadeiro. Cada vez que vejo fotos dos meu compatriotas fardados de Portugal, dá uma tristeza. Quanto amor mal correspondido...se eles soubessem...


sexta-feira, 20 de junho de 2014

E depois me perguntam porque ando com uma vontade louca de esfolar alguém

Conversa de hoje:
- Ça va?
- Ça va (tenho uma enorme vontade de responder suvaco toda vez que me perguntam).
- Então, mas hoje não vens de vestido?
- Não. Está frio.
- E estas leggings onde compraste? São boas. - Passando a mão nas minhas pernas.
- Sim, são. Comprei no Brasil.
- Mas olha, que número vestes?
- 42.
- Oh não!
- Sim. Costumava vestir o 40, mas...
- Não! Eu visto o 44 e tu és tão gorda quanto eu. - Pausa para a cara de psicopata americano. - Tu tenhas atenção para não engordar mais, faz mal à saúde.


Ótimo ser chamada de gorda quando na verdade esta é a única coisa que se pensa o dia todo, que não se tem mais que cinco peças de roupa em um armário inteiro e quando ainda se está em plena tensão menstrual. Preciso urgentemente aprender a ser mal educada em francês. E estas merdas o marido não me ensina, este filho de uma...velha chata.
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