Comecei observando a auxiliar da professora do meu filho que no alto dos seus sessenta e lá vai muitos, ostentava uma mini saia em pleno ambiente de trabalho. Aquela cena chocou-me a princípio por uma série de razões: foram anos de códigos de como se vestir das senhoras coquetas da moda jogados ao lixo. Não é só a mini saia usada em local de trabalho (que é muito comum aqui), ou a idade da senhora que fazia todas as regras de elegância dentro de mim gritarem que não podia ser, que me incomodavam. Não, era outra coisa. E voltei a olhar para a rua o olhar seguro e despreocupado das moças a andarem de bicicleta, isto mesmo, de mini ou micro saia. Elas não estavam preocupadas se a calcinha ia aparecer porque simplesmente ninguém olha para ver qual a cor delas. Elas não ouvem a cada esquina um grito de "gostosa", "lambia-te toda", nem buzinas e homens diminuindo a velocidade dos carros e fazendo menções de gestos masturbatórios (quanto menos a fazê-los de fato). Para mim havia qualquer coisa de obsceno na liberdade de poder vestir o que quiser sem pagar um alto preço por isto.
Uns tempos atrás houve um movimento muito forte no Brasil sobre o não merecer ser estuprada, mas a verdade é que mesmo as pessoas concordando que a vítima não tem culpa de nada, seguimos com a cultura de que o corpo da mulher é público, passível de ser julgado e classificado, tanto em revistas como na rua. E ainda é muito comum a ideia de que se queremos evitar este assédio, temos de ser nós a mudar, a nos encolher, nos vestir com roupas mais discretas, mascaradas muitas vezes de "elegantes". Porque se não seguirmos este dress code da segurança, estamos consentindo com cantadas e abusos de toda ordem.
Há quase um ano aqui, as francesas me ensinaram uma série de coisas importantes. Primeiro, mulheres francesas não se vestem para os homens, porque eles simplesmente não olham, muito menos torcem pescoços e ainda menos dizem piadinhas. E não o fazem porque estes comportamentos são considerados ridículos e mal educados. Além disto, a roupa curta que por ventura usem, não possui caráter de fetiche, que é o mesmo que dizer que usar mini saia não é sinônimo de estar à cata de homem. Por isto não é nenhum Deus nos acuda ela ser considerada uma peça de vestuário de trabalho tão válida como qualquer outra.
A política da mini saia, com seus contornos democráticos é nova ainda para mim, acostumada a dicotomia entre freira e puta, curto e longo, à mostra e escondido. Mas me sinto confortável ao ver que escolha o que escolher, ninguém parece se importar com a cor da minha alma. E muito menos das minhas calcinhas.