Nada melhor para um programa de sábado do que se enfiar em um mar de gente. Não só isto, um mar de gente portando guarda-chuvas, porque hoje São Pedro ligou o ar condicionado e decidiu que já era outono. Tudo que separou este dia de mais um passado entre o sofá e a internet, foi a pergunta inocente da médica antes de nos despedirmos. "Vão a braderie em Strasbourg?" E quando soube que era uma feira de usados com a participação das lojas do centro com a última demarcação de preços, é claro que eu quis ir (para desespero do marido). A minha intenção nunca foi gastar, o motivo foi mais ou menos um misto de masoquismo ingênuo e a certeza de que tenho carência de rostos desconhecidos, aliás, não sei porque, sinto falta de multidão. Não todos os dias, porém me parece uma forma de sentir a cidade pulsante, e fazer por minha vez pertencente a ela. Pelas ruas estreitas vou escutando a moça que atrapalha-se no francês e no inglês a gaguejar um sotaque amorfo. Os casais de braços dados a dividirem um refúgio, as crianças nos carrinhos a dormir em plena chuva sem qualquer proteção e o cachorro de uma senhora que passeia com sua roupa plastificada. Alguns doces encantam os olhos, mas não o meu paladar que pede leite condensado como premissa básica para uma torta. Vagueio pelos preços achando os macarons pela hora da morte e os chocolates mais caros do que as calças jeans da rua ao lado. Uma blusa da Marilyn Monroe com a bandeira do Brasil me chama atenção assim como a máquina de sorvete do francês que acena para a plaquinha com os sabores do dia: baunilha e morango. Lembrei-me da brincadeira tão sem graça como insistente em que diziam só tem isto, quer o que? O vendedor deu-me a opção entre o morango com baunilha separados na casquinha ou misturados. Escolhi tudo misturado para combinar bem com o dia, com a chuva, com os desvios para não levar um safanão do guarda-chuva alheio e com a sensação de que tão cedo não convenço o marido a um passeio destes.
sábado, 26 de julho de 2014
sexta-feira, 25 de julho de 2014
"Depois de um tempo ele vai perceber que todas as guerras são a mesma guerra"
Nunca me importei com os conflitos da faixa de Gaza e não é por ter feito História que toda e qualquer história me interesse. No entanto, esta semana vi um vídeo no facebook de um homem segurando pelos cabelos, a cabeça sem corpo de um menino que aparentava ter a idade do meu filho. O homem o qual só se via a mão, continuava a sacudi-la e com ela um pouco de um tecido ralo do que antes fora uma camiseta vermelha. Os olhos sem vida do menino me varreram a noite assim como os restos do que um dia fora um ser humano. Não consegui dormir.
Quando começaram timidamente reportagens e protestos virtuais contra a ofensiva israelita, rapidamente lembrei-me da sobrinha da vizinha da minha madrinha (pode parecer aquelas histórias inventadas, mas por acaso não é). A mulher muito magra e de cabelos curtos era a típica emigrante que come merda e arrota caviar. Ficou horas a falar na sala da minha dinda sobre o quanto Israel era bom, como era tudo mais desenvolvido e como aqueles piercings e anéis de orelha com brincos (era a febre da Jade e da novela da Glória Perez) já se usava lá há muito tempo. No meio daquela tagarelice toda estava a jovem obesa e muito tímida, Shirrah. Escondia-se nos olhos azuis e cabelos loiros, soltando alguns monosílabos e poucas frases articuladas em inglês. A mulher tinha muito orgulho da filha que no ano seguinte iria completar 16 e assim servir por dois anos no exército. Já a mãe, fora uma "aborrecente" revoltada a quem nada estava bom, foi em última medida de reabilitação mandada para um kibutz, lugar este em que teve de aprender a viver em comunidade, a repartir, a trabalhar se quisesse comer, e lugar também onde desertou de todos os luxos que a família brasileira lhe ofereceu.
E ao relatar para o marido este episódio caricato, voamos para a segunda guerra e até antes, para a raiva de Hitler. Para além deste ter se apaixonado por uma judia na sua mocidade e ela não lhe ter ligado nenhuma, seu ódio pelos judeus não era infundado de todo. O problema foi tê-lo desfocado. O problema na verdade da Alemanha quebrada pelos tratados da primeira guerra, pelo sofrimento do povo, não foram os judeus, mas os ricos e os ricos eram em sua maioria judeus. Ao avançar em histeria coletiva contra estes, os "culpados" na versão obtusa do ditador, fugiram entre outros países principalmente para os Eua (muitos deles são hoje donos de bancos e impérios familiares). País que não por coincidência é o único a votar contra o cessar fogo de Israel. Além de lucrar imensamente com o comércio de armas, diga-se de passagem.
O conflito de Gaza é uma guerra étnico-político-religiosa. Alguém disse por aí que não é verdade que viveram sempre em guerra, houve períodos de paz, eu acho é que houve períodos de entre guerra pois são séculos a mais de hostilidades para chamarmos aquilo de paz. Às vezes eu penso, mas cumé que pode um pedaço tão pequeno de terra dar tanto rebuliço, uma terra que não é rica, não tem petróleo nem nada. E por outro lado, como é que um Deus pode ser tão sacana em prometer uma terra já ocupada? Ou como este Deus já escolheu o seu lado desde aquela época? Ou porque as pessoas gostam de viver vizinhas da morte por um pouco de orgulho, de mar, de crença, ou de ódio por tantos e tantos séculos? À propósito, será que a Shirrah seguiu carreira no exército? Será que ela tem facebook? Queria mandar um vídeo para ela...
*Citação meio de cabeça de O Tempo e o Vento, Erico Verissimo.
quinta-feira, 24 de julho de 2014
E boca fechada
Sou péssima a guardar segredos...peço até que não me falem. Tem um ditado que fala que segredo de três, só matando dois, ou dois matando um. Não sei, mas era isto. E porque não consigo guardar segredos dos outros, os meus também andam ali saltando até a beira da voz como crianças irriquietas a dizerem "agora sou eu!". Tenho aqui um segredo...mas não posso contar e isto me angustia. Quem sabe daqui uns meses?
terça-feira, 22 de julho de 2014
Muda de vida se tu não vives satisfeito
Adoro esta música do António Variações! Ele é legítima versão portuguesa do nosso querido Raul Seixas, e vejo muitas semelhanças para além da barba farfulhenta e do jeito meio nem aí para o mundo. Mas voltando ao que me trouxe aqui, dizia o marido que esta semana passada mais um amigo/conhecido ficou desempregado e perguntava se ele podia ajudar enviando currículo e indicando sites de emprego. Ora, eu sinceramente não sei o que ainda fazem alguns dos nossos amigos em Portugal, sendo que cada dia mais aperta o cerco e o mercado de trabalho principalmente da informática, não é tão grande como isto. Temos um que passou meses e meses desempregado e agora vai pulando de emprego com contrato renovável mensalmente com ganhos de 1500 euros brutos a recibos verdes. Para quem estava acostumado a receber quatro mil, isto é um salário baixíssimo e convenhamos que a crise veio para ficar, nem que seja duas décadas. Se para os portugueses que tem família, filhos pequenos e tal, é admissível um certo apego ao país, para nós que emigramos e deixamos tudo para trás, o que nos impede de fazê-lo novamente? O que nos prende mais?
Uma coisa que tenho aprendido (e ultimamente tenho aprendido tanto...), é que a vida não espera por ninguém. Nem a vida, nem os amigos, nem nada. Se as pessoas ficam estacadas em um lugar reclamando à espera de soluções do governo ou do patrão ou dos números do euromilhões, vai ser uma espera em vão. Mudar não é fácil. Não é mesmo. Mas às vezes o caos completo é a única forma de reajustar nossas necessidades e talvez nossos desejos. As ruas pelas quais passamos, mudam, o restaurante preferido fecha, os amigos se mudam ou simplesmente mudam e com isto levam a nossa amizade. Nada é garantido. E por incrível que pareça podemos ser felizes em qualquer lugar, desde que haja dinheiro. E quem disse que Portugal detém o monopólio de qualidade de vida (como nos disse um amigo como maior motivo para não se ir embora)? Há muitos países com um potencial enorme para recomeçarmos... É claro que eu sei porque não vão embora: o medo é maior do que a vontade de mudar de vida. E nós tivemos uma sorte do caramba, um empurrão do destino, vá lá. Eu nunca pensei que um dia pudesse dizer isto, mas se não fosse aquela tramóia do português, provavelmente estaríamos na mesma vida de antes, contando as cabeças dos colegas que já foram para rua. Vivendo refugiados com um medo de peru em véspera de Natal... Onde está a qualidade de vida nisto?
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