segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Qual é a música?

Moro num país tropical...só que não. Em fevereiro teve carnaval (de um jeito francês) e não há muitos fuscas, mas os minis do mr. Bean ainda desfilam pelas ruas com canteiros floridos. É impressionante como mesmo estando a milhares de quilômetros ainda seja possível escutar música brasileira com alguma frequência, bastando apenas afinar os ouvidos. Ou às vezes nem isto. Logo que chegamos em Strasbourg, um francês disse entusiasmado ao saber que éramos brasileiros: eu conheço uma música em português! Olhamo-nos curiosos. Ele começou atabalhoadamente a cantar "são as águas de marçô fechando o veráuô" , embora tenha garantido que o cantor, João Gilbertô era português e não nosso conterrâneo.
Em um dia o carrossel em frente à praça da mairie tocava Michel Teló desesperadamente, ai se eu te pego em uma versão remix que eu podia ouvir até chegar em casa. Outra vez, ao entrar em uma loja de brinquedos alternativos, as notas tão rápido começaram a se encaixar na minha cabeça, que exclamei um pouco mais alto do que planejava: aquarela de Toquinho! Nestas horas dá uma felicidade incontida como se um pedaço do Brasil viesse ao nosso encontro. Coisas que só o vislumbre de nossa canção favorita surgindo ao acaso pode-se assemelhar... E o entusiasmo foi quase o mesmo quando de noite, uma moça loira cantou a Garota de Ipanema em um inglês carregado de R para todo mundo ouvir. 
Estes dias passava os olhos pelos preços da arca das carnes congeladas, quando o rádio do supermercado começou a tocar uma música embalada. À princípio parei de procurar a bandeja mais barata. Com o tempo a gente vai ficando bom nisto. A música ia e vinha conforme o zumbido das pessoas aumentava ou se afastava. Aqui felizmente não há nenhum gerente que fica louco por instantes no corredor dos iogurtes. Fiquei à espera. Não podia acabar sem eu puxar lá do fundo da memória, o nome, cantor e o estilo. Mudei de posição para ver se conseguia chegar mais perto do som, ou como não avistava nenhum aparelho, se podia ao menos ficar mais longe dos outros clientes. Já não procurava quantos euros o quilo, nem me apercebi que passava pelos animais mortos em halal. Estava chegando ao fim quando de repente seguiu-se o rá rá rá rá. Não precisou completar, minha mente piscava o lepo lepo ô ô. Olhei para os lados, todos concentrados em agarrar primeiro a melancia mais vistosa, a bandeja de peitos de frango menos amassada, enquanto as crianças corriam com seus carrinhos em miniatura cheios de sorvete. Ninguém ligou para minha cara triunfante quase de quem via o próprio Silvio Santos a saltar de terno e microfone naqueles corredores caóticos. Virei para o marido que estava a poucos passos e disse-lhe que o rádio estava tocando música brasileira. Ele não tinha reparado. Confidenciei-lhe que se fosse cara caramba cara cara ô, eu não me aguentava, saía com os dedos para cima e de quebra ainda puxava o trenzinho. Não tem graça nenhuma a gente guardar esta brasilidade toda amarrada no peito, e vai ver até é por isto que eles gostam tanto de nós.

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

My precius!


Tenho a mania de tirar e por a aliança vezes sem conta. Sempre que estou distraída ou nervosa começo inconscientemente a fazer este gesto, deslizando sobre os dedos (talvez a única parte de mim que ainda é fina) até chegar ao fim e quase cair. Pois que desta vez caiu. Rolou como nos desenhos animados em direção a uma brecha do sofá e quedou-se por segundos, os suficientes para me darem a impressão de que com jeito conseguiria alcançá-la, para depois sumir em um buraco estreito. Só me veio em alto e bom som um "foda-se" articulado entre tristeza e raiva. Com tanto lugar para cair, tinha de ser logo ali que a minha mão espremida não alcançava! Depois do Fabian dormir, pedi ajuda ao marido para resgatá-la. Tentei com uma espátula de bifes e quase que a perco também. Desencaixamos a chaise longue e a pusemos de pés para o ar. O marido deu umas sacudidas para ver se rolava para o nosso lado e eu cirurgicamente cortei uma parte do forro preto de pvc que não deu em nada, pois o vão que ela caíra não tinha ligação com o resto a não ser o braço do sofá. 
Uma tripa de grampos nos olhavam com jeito de desafio infantil. Era o sofá ou a aliança, o que eu escolho? Eu amo meu sofá branco-chaise-longue-que-passei-anos-a-sonhar-com-ele-na-minha-sala, mas também andar de mãos nuas depois de dez anos? É que nem pensar comprar outro anel nestes tempos. Hum...
Saí de perto e deixei o marido tirar alguns grampos para eu enfiar a mão posteriormente à cata do tesouro perdido. Pensei que dali fosse fácil, mas camadas de espuma e um tecido lanoso tiveram de ser cortadas. Voltei a por a mão e tatear pelo furo com cuidado para não deixar um dedo naqueles grampos. E foi então que a senti finalmente: gelada e encolhida à minha espera. Foi impossível não sentir-me como o Gollum ao deslizá-la para onde jamais deveria ter saído. E cada vez que escuto a expressão "aquele lugar que nunca vê o sol" é neste pedacinho estreito de pele que penso. E que continue assim muitos e muitos anos. 

Facebookeando

Reciprocidade é tudo!


terça-feira, 5 de agosto de 2014

Má educação

É sabido que desde que pus os pés na França incomodei-me com o excesso de merci e pardon. Cada vez que o garçon (no sentido brasileiro mesmo) trazia bebidas, petiscos, molhos, tínhamos de dizer merci. Acho que falamos mais de dez vezes já contando com a hora do recolhimento das sobras. Não bastava um merci na ida e outro na volta? Pois parece que não, mas eu entendo que é daquelas coisas as quais temos de aprender a conviver. Porém o que me irrita mesmo, é a mania tipicamente francesa de ser mal educado dizendo palavras educadas para maquiar. Nestas horas eu dava um braço para saber responder à altura, o que infelizmente me resta na falta das palavras certas, é sorrir e calar (por enquanto). E não foi nem uma mão cheia de vezes que isto aconteceu, foi muito mais. Então a criatura chega-se em determinado lugar e ao invés de pedir, sim pedir porque não tenho obrigação nenhuma de obedecer-lhe, eles mandam a pessoa sair com um s'il vous plait ora porque querem sentar  lado a lado do amigo, namorado, etc, ora porque acham que aquela borda da piscina está bom para eles se abancarem sendo que há trocentos lugares livres em que podem fazê-lo, mas não! São os últimos a chegarem e acham sabe-se lá por um decreto qualquer que tem o direito de ocuparem o nosso lugar só porque usaram as palavrinhas mágicas. O meu grande problema sempre foi pular a linha tênue entre a assertividade e o humor de um gorila disputando território, sendo que geralmente eu escorrego mais para o segundo. Acho que bater no peito e fazer biquinho não abona muito para o meu lado...mas...mas...e se eu falar pardonnez-moi quelque chose no maior estilo Caco Antibes depois... ajuda?
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