quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Mundança

Não existe, mas devia. Mundança seria na definição do meu dicionário particular, a abundância de mundo, ou a dança de um mundo dentro de nós, que se sacode em rotação separando as coisas que já foram e criando espaço para que outras possam ser. 
Queria ser uma pessoa daquelas fáceis de levar, uma que aceita tudo, cujo refrão é um eterno Carpe diem...Ao invés disto, me agarro ao desespero como se ele fosse realmente a única saída, dou golpes no ar e mesmo, mesmo quando a "mundança" é para melhor, abraço os joelhos tentando me proteger das minhas falsas expectativas. 
Sinto-me como um aluno repetente a ver as mesmas lições no quadro, a preparar-me ansiosa para a prova, sempre as mesmas perguntas, já com as respostas decoradas em verso, vejo-me a rodar...a cair...pequena... Engulo o medo na tentativa de que assim ele não possa me engolir. Traço dietas, faço planos e espero com a ansiedade de quem quer atropelar a vida. Na verdade, o que eu queria era que as coisas permanecessem quietas e que o chão parasse de girar sob os meus pés.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Que mulher, que coragem!

Queria eu ter a coragem desta mulher e admitir o que sinto, abandonando de vez aqueles sorrisos tortos e os pensamentos contraditórios que me roubam a franqueza. Depois que li a reportagem desta mãe com sentimentos tão análogos aos meus, pensei ter encontrado minha alma gêmea da maternidade e garanto que esta é muito mais difícil de achar do que a vulgar da música que segue com duas metades da laranja, dois amantes, dois irmãos.
Ainda é tarefa hercúlea desvincular a maternidade de uma imagem única, a do altar de sacrifício, ao estático e inquestionável amor materno, amor incondicional. Eu realmente acredito que existe, mas acho redutor afirmar que só as mães possuem acesso a este bem precioso que um Deus  reservou apenas à metade da humanidade.
Acho incrível como ainda se julga em dois pesos duas medidas a atitude de uma mulher que não quer ter filho, ou pior de uma que tem mas que não se sente abençoada com este papel, enquanto o homem tem sempre qualquer coisa que desculpe sua opção, abandono ou omissão. O lugar de um filho é com a mãe, os bois mugem. Será que é? Será que a vida é assim o preto no branco? 
Nunca me disseram que se arrependeram de serem mães, e no entanto há aí aos montes, quase trezentos comentários no blog. Todos os dias chegam com a mesma pergunta ardendo no peito. Serei a única a sentir isto? Imagino-as a digitarem a frase com culpa solitária, os dedos carregados de raiva, medo e muitas vezes, lágrimas.   Umas chegam, leem silenciosamente e vão embora. Outras voltam, partilham suas histórias tão diferentes, mas ao mesmo tempo tão semelhantes. Outras vem todos os dias. Vivemos nas sombras, e eu queria ter a coragem desta mulher, mas não tenho. Até quando vamos alimentar esta falácia de que a mulher nasceu para ser mãe? Que a mulher só é completa se for mãe? Que só se descobre o que é mesmo amar quando se é mãe? De fato admito que há aquelas em que o papel serviu perfeitamente, mas e as outras? E se as outras forem a maioria? 


Bonitinha indelicada

A pessoa não bota foto do filho no facebook porque quer protegê-lo. Aí depois põe uma foto sua e diz que o filho é a sua cópia e diz triunfante: viu,  o motivo por vocês não conhecerem o fulaninho não é porque seja feio, pois hoje me confirmaram que é lindo de morrer! 
Como dizer isto de uma forma educada? Se é verdade que são assim tão parecidos,  este comentário não passou de uma mentira piedosa. E se é verdade que são mesmo tão parecidos porque diabos põe uma foto sua quando criança? Coerência mandou beijos.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Qual é a música?

Moro num país tropical...só que não. Em fevereiro teve carnaval (de um jeito francês) e não há muitos fuscas, mas os minis do mr. Bean ainda desfilam pelas ruas com canteiros floridos. É impressionante como mesmo estando a milhares de quilômetros ainda seja possível escutar música brasileira com alguma frequência, bastando apenas afinar os ouvidos. Ou às vezes nem isto. Logo que chegamos em Strasbourg, um francês disse entusiasmado ao saber que éramos brasileiros: eu conheço uma música em português! Olhamo-nos curiosos. Ele começou atabalhoadamente a cantar "são as águas de marçô fechando o veráuô" , embora tenha garantido que o cantor, João Gilbertô era português e não nosso conterrâneo.
Em um dia o carrossel em frente à praça da mairie tocava Michel Teló desesperadamente, ai se eu te pego em uma versão remix que eu podia ouvir até chegar em casa. Outra vez, ao entrar em uma loja de brinquedos alternativos, as notas tão rápido começaram a se encaixar na minha cabeça, que exclamei um pouco mais alto do que planejava: aquarela de Toquinho! Nestas horas dá uma felicidade incontida como se um pedaço do Brasil viesse ao nosso encontro. Coisas que só o vislumbre de nossa canção favorita surgindo ao acaso pode-se assemelhar... E o entusiasmo foi quase o mesmo quando de noite, uma moça loira cantou a Garota de Ipanema em um inglês carregado de R para todo mundo ouvir. 
Estes dias passava os olhos pelos preços da arca das carnes congeladas, quando o rádio do supermercado começou a tocar uma música embalada. À princípio parei de procurar a bandeja mais barata. Com o tempo a gente vai ficando bom nisto. A música ia e vinha conforme o zumbido das pessoas aumentava ou se afastava. Aqui felizmente não há nenhum gerente que fica louco por instantes no corredor dos iogurtes. Fiquei à espera. Não podia acabar sem eu puxar lá do fundo da memória, o nome, cantor e o estilo. Mudei de posição para ver se conseguia chegar mais perto do som, ou como não avistava nenhum aparelho, se podia ao menos ficar mais longe dos outros clientes. Já não procurava quantos euros o quilo, nem me apercebi que passava pelos animais mortos em halal. Estava chegando ao fim quando de repente seguiu-se o rá rá rá rá. Não precisou completar, minha mente piscava o lepo lepo ô ô. Olhei para os lados, todos concentrados em agarrar primeiro a melancia mais vistosa, a bandeja de peitos de frango menos amassada, enquanto as crianças corriam com seus carrinhos em miniatura cheios de sorvete. Ninguém ligou para minha cara triunfante quase de quem via o próprio Silvio Santos a saltar de terno e microfone naqueles corredores caóticos. Virei para o marido que estava a poucos passos e disse-lhe que o rádio estava tocando música brasileira. Ele não tinha reparado. Confidenciei-lhe que se fosse cara caramba cara cara ô, eu não me aguentava, saía com os dedos para cima e de quebra ainda puxava o trenzinho. Não tem graça nenhuma a gente guardar esta brasilidade toda amarrada no peito, e vai ver até é por isto que eles gostam tanto de nós.
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