segunda-feira, 15 de setembro de 2014

A turca

Passei por ela duas vezes na subida para a escola. Vinha pendendo para os lados com as mãos na ilharga, o vestido até os pés e o lenço amarrado na cabeça. Lembro-me desde a primeira vez que a vi, há um ano atrás, pensei que estivesse doente tal era o tom pálido amarelado e as olheiras profundas e roxas que a destacavam da aglomeração de pais à espera. Fora isto, a expressão de alheamento, o lábio costurado em uma linha reta a qual nunca vi curva alguma. Não foi nenhuma surpresa quando ela desabou minutos antes do sinal tocar. Alguém soltou um grito, mas creio não ter sido ela. Caiu sem sequer suspirar, os olhos plenamente brancos até ir encontrando ombros pela descida. 
Dias passaram-se, e o seu menino era trazido ou levado por outra pessoa. E quando finalmente ela apareceu, trazia o ventre inchado como se alguém o tivesse soprado na noite anterior. As olheiras ainda mais cavadas na pele sobre o tom pálido de sempre.
Dizem que a gravidez traz um brilho especial a muitas mulheres, olhei-a disfarçadamente e constatei que infelizmente não foi o caso. Às vezes meu lado cusco quer perguntar o porquê daquela tristeza, mas me atenho ao fato de que parece que aquela mulher nem está mais aqui. Se me atrevesse, imagino que minhas palavras caíssem a seus pés bamboleantes, e que ela as pisasse distraidamente  como se o fantasma fosse eu...

Sobre o verão da Alsácia

Tal como aquela velha piada: 
Vai ser bom!
Não foi?


sábado, 13 de setembro de 2014

Vamos ver se nos entendemos

Situação nada hipotética na minha vida. Sabe aquele momento que senta ao teu lado uma mãe e desata a falar e reclamar que não tem sossego, que como os filhos roubam tempo e paciência e patati patatá? E depois com a cara mais deslavada do mundo, abre um sorriso colgate e pergunta: mas compensa né? Eu acho que a pergunta em si é retórica, mas mesmo assim faço um esforço de imaginação. Quem sabe daqui uns anos, quando ele estiver um homem feito, quando estiver discursando num púlpito de uma universidade qualquer, quando tiver casando com a pessoa que ame, quando estiver pegando nos braços pela primeira vez alguém que ajudou a fazer, quem sabe um dia, quem sabe talvez, eu diga que sim, que compensou. Até agora a resposta é um grande e redondo NÃO.


quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Vida de emigrante

Com sete anos vivendo fora do Brasil, eu já não me deslumbro com isto. Pelo contrário, às vezes fico muito sem graça quando alguém diz com aquela pompa que moro na Europa. Ah péra, to recebendo um telefonema da França! Antes eu confesso, logo que tornei-me emigrante que sentia lá no fundo uma ponta de orgulho, um orgulho absurdo e bem escondido, pois nem eu mesma sabia o que faria com ele. Afinal, orgulho de que mesmo? Não sou um ser especial só porque vivo fora do meu país. E por acaso nem é a mim que concedem este título, mas é me  transmitido pela crença de que "nas Europa" vive gente educada, sim, muito honesta, onde tudo é lindo, muito bom.  E por convivência, esta civilidade seria me passada através de uma espécie de osmose cultural ou coisa que o valha. 
Eu já deixei-me disto no momento em que pus os pés em Portugal, e creio não ter levado um ano para livrar-me completamente desta síndrome de vira-lata que acomete quase todo o brasileiro, inclusive aqueles que moram fora do Brasil. E o antídoto é de graça, e não dói. Ao menos a mim não doeu (tanto).
Para aqueles que sonham deslumbrados com o país das maravilhas, só recomendo-lhes aquela música do Titãs: "quem espera que a vida seja feita de ilusão, pode até ficar maluco ou morrer na solidão". Não há perfeição aqui fora, há pessoas de todos os tipos: educadas, mal educadas, que só querem se dar bem, e pelo amor do meu saco de paciência, o jeitinho "brasileiro" é universal. E muitas, muitas vezes as pessoas só não fazem mais, não porque sejam moralmente superiores, mas porque há um tácito acordo de entre-vigias. Se eu não posso, fulano também não pode, porque se fulano fizer e não der nada, eu vou atrás. 
Depois de um ano na França, descobri que para ser mal educado é só preciso falar "pardon", que funciona como um passaporte dando-me o direito inclusive, de tirar as pessoas do lugar que ocupam para eu sentar. Não, eu ainda não me utilizei dele, mas já fui confrontada com esta atitude mais vezes do que gostaria. E ontem foi o estopim, quando uma mulher de quase 200 quilos passou-me à frente na fila para pegar o seu filho na mesma sala, e quando eu suspirei, ela desatou a xingar-me para toda a escola ouvir. Ai de mim que não respeitei o código do "pardon", minhas desculpas, senhora, por não tê-la deixado ser mal educada em paz...
Depois quando escuto algum brasileiro a falar só maravilhas do exterior, eu  penso silenciosamente, "coitado...se ficar mais tempo ainda vai ver-se nu desta ingenuidade toda". E vai doer mais nele do que doeu em mim.


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