Situação nada hipotética na minha vida. Sabe aquele momento que senta ao teu lado uma mãe e desata a falar e reclamar que não tem sossego, que como os filhos roubam tempo e paciência e patati patatá? E depois com a cara mais deslavada do mundo, abre um sorriso colgate e pergunta: mas compensa né? Eu acho que a pergunta em si é retórica, mas mesmo assim faço um esforço de imaginação. Quem sabe daqui uns anos, quando ele estiver um homem feito, quando estiver discursando num púlpito de uma universidade qualquer, quando tiver casando com a pessoa que ame, quando estiver pegando nos braços pela primeira vez alguém que ajudou a fazer, quem sabe um dia, quem sabe talvez, eu diga que sim, que compensou. Até agora a resposta é um grande e redondo NÃO.
sábado, 13 de setembro de 2014
quinta-feira, 11 de setembro de 2014
Vida de emigrante
Com sete anos vivendo fora do Brasil, eu já não me deslumbro com isto. Pelo contrário, às vezes fico muito sem graça quando alguém diz com aquela pompa que moro na Europa. Ah péra, to recebendo um telefonema da França! Antes eu confesso, logo que tornei-me emigrante que sentia lá no fundo uma ponta de orgulho, um orgulho absurdo e bem escondido, pois nem eu mesma sabia o que faria com ele. Afinal, orgulho de que mesmo? Não sou um ser especial só porque vivo fora do meu país. E por acaso nem é a mim que concedem este título, mas é me transmitido pela crença de que "nas Europa" vive gente educada, sim, muito honesta, onde tudo é lindo, muito bom. E por convivência, esta civilidade seria me passada através de uma espécie de osmose cultural ou coisa que o valha.
Eu já deixei-me disto no momento em que pus os pés em Portugal, e creio não ter levado um ano para livrar-me completamente desta síndrome de vira-lata que acomete quase todo o brasileiro, inclusive aqueles que moram fora do Brasil. E o antídoto é de graça, e não dói. Ao menos a mim não doeu (tanto).
Para aqueles que sonham deslumbrados com o país das maravilhas, só recomendo-lhes aquela música do Titãs: "quem espera que a vida seja feita de ilusão, pode até ficar maluco ou morrer na solidão". Não há perfeição aqui fora, há pessoas de todos os tipos: educadas, mal educadas, que só querem se dar bem, e pelo amor do meu saco de paciência, o jeitinho "brasileiro" é universal. E muitas, muitas vezes as pessoas só não fazem mais, não porque sejam moralmente superiores, mas porque há um tácito acordo de entre-vigias. Se eu não posso, fulano também não pode, porque se fulano fizer e não der nada, eu vou atrás.
Depois de um ano na França, descobri que para ser mal educado é só preciso falar "pardon", que funciona como um passaporte dando-me o direito inclusive, de tirar as pessoas do lugar que ocupam para eu sentar. Não, eu ainda não me utilizei dele, mas já fui confrontada com esta atitude mais vezes do que gostaria. E ontem foi o estopim, quando uma mulher de quase 200 quilos passou-me à frente na fila para pegar o seu filho na mesma sala, e quando eu suspirei, ela desatou a xingar-me para toda a escola ouvir. Ai de mim que não respeitei o código do "pardon", minhas desculpas, senhora, por não tê-la deixado ser mal educada em paz...
Depois quando escuto algum brasileiro a falar só maravilhas do exterior, eu penso silenciosamente, "coitado...se ficar mais tempo ainda vai ver-se nu desta ingenuidade toda". E vai doer mais nele do que doeu em mim.
Depois quando escuto algum brasileiro a falar só maravilhas do exterior, eu penso silenciosamente, "coitado...se ficar mais tempo ainda vai ver-se nu desta ingenuidade toda". E vai doer mais nele do que doeu em mim.
sábado, 6 de setembro de 2014
Na praça
Ela olhava para as crianças e soltava risadas que mais se assemelhavam a gritos engasgados. Talvez perdidos pelas palavras que queria dizer. Os meninos iam e vinham com seus patinetes de metal, faziam manobras às vezes bem sucedidas, às vezes nem tanto. A pista estava democraticamente dividida com os dois lados em inclinação maior para os meninos grandes e a rampa menos íngrime, assim como um pedaço da plataforma, para os pequenos como o meu filho. A menina, de cadeira de rodas e mãos tortas, observava incontida eles girarem à sua volta, balançava levemente os braços e fazia menção de subir na pequena rampa. Uma hora ela foi. Colocou as mãos em forma de concha pelo pegador das rodas e as movimentou naquela direção. As crianças pequenas pararam. Os adultos observavam sua determinação e os adolescentes seguiam fazendo o que já faziam há pelo menos uma hora desde que eu tinha chegado na praça da Mairie. Ela tentou. Empurrava com esforço. Já sabia o gosto da sensação de descer semi-selvagemente pelas mãos do pai ou que quer que seja. Ela havia deslizado de costas e rira tão alto como alguém que ganhara na loteria. As rodas subiram meio palmo e não mais. O Fabian parou por instantes, mas depois desviou para descer nas pontas dos pés em sua bicicleta sem pedais. Os adultos começaram a ficar preocupados, até que o senhor veio de um banco e lhe pôs quase rampa toda para trás. Ela foi e voltou meia dúzia de vezes, sempre rindo em gritos, gritos que me sacolejavam por dentro e me davam vontade de rir também. Na última vez a cadeira rodopiou por milésimos de segundo e emborcou para o lado. Prendi a respiração, mas ela estava presa por um colete preto e só ria ainda mais alto. Desta vez eu ri junto, gargalhei, não sei se de alívio ou de vergonha. Dizem que uma das coisas que as pessoas com deficiência mais detestam é que lhes sintam pena. Então mas e como faz se este é o primeiro pensamento que nos vem e que paira ali como se fizesse fundo em toda a cena? Ignorando a tudo, ela ria. Ria. E continuava a rir. De mim ou dos meus preconceitos...que importa? Ela ria.
Hoje foi o dia
Vi um homosexual assumido a xingar outro homem chamando-o de "traveco", sendo que este não se parecia nem um pouco afeminado. Mas se fosse?
Às vezes a vida é tão surreal que podemos duvidar se não estamos fazendo parte de algum esquete de pseudo humor...
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