quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Fabionices

O Fabian chega para mim todo esbaforido:
"Sabi mãe, que eu tava na escola i ouvi um bauio e a metesse (professora) disse que a gente tinha que corrê bem rápido poque tinha fogo e a escola ia expludi." 
Eu disse-lhe "é mesmo?" com a cara de falsa surpresa de sempre, a constatar de que se tratava de mais uma das suas histórias mirabolantes. No entanto, quando voltei ao assunto, percebi que só podia ser um treinamento de evacuação. Perguntei-lhe se foi divertido e ele disse que sim, só ficou desapontado porque o homem aranha não apareceu!

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Casamento à distância



Cada relação é um mundo à parte mesmo. Tem gente que se ama tanto que o melhor é ficar longe, tem quem não suporta ficar separado nem mesmo por um cômodo da casa, tem quem mande emails todos os dias, e quem não telefone nunca. E se os dois se acertam e são felizes, por mim tudo bem. Agora, na minha vida é difícil conceber um casamento à distância porque a minha forma de amar exige mãos, (a) braços, o chão cheio de farelos e à noite a cantiga clássica de roncos que me faz adormecer há oito anos. Sei e repito cada vez que um pensamento derrotista vem à baila, que foi uma escolha nossa e até onde se saiba, uma escolha temporária. Perguntam-me quando vamos ficar juntos novamente e não é por falta de vontade, mas realmente não sabemos. Se fosse por mim já estávamos no apartamento novo, o Fabian na escola, o meu cachorro entre as almofadas do sofá. E é uma pena que não possa hibernar até estar tudo nos eixos novamente. O que me resta é tentar conviver o melhor possível com a solidão, visita tão constante aqui de casa que já vem de chinelos...
Tem horas que acho que vou enlouquecer ( um pouco mais do que o normal), porque se estar sozinho em uma situação de mãe solteira já é complicado, estar sozinha como mãe solteira em um país em que não se pode contar com ninguém, é exasperante. Costumo dizer que temos conhecidos, não amigos, por isto acho tão difícil esta relação à distância. Ficamos um mês sem nos ver, e agora o marido vem de quinze em quinze dias, o que até muito bom para quem já ficou meio ano separado. Mas isto não invalida o que sinto. Deixou de doer, é verdade. Mas não quero me acostumar, recuso-me a me acostumar, porque o dia em que conseguir, não valerá de nada estarmos juntos.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

O circo da morte no "fakebook"

Foi um fato que a tia fez de tudo para manter uma certa privacidade sobre a doença que enfrentou e pela minha parte sempre a respeitei e imagino que no seu lugar também teria tomado esta decisão. As pessoas que são importantes sabem, ou saberão ao seu tempo...mas a maioria está ali apenas como urubu rondando carniça: bebem os detalhes e saem com um dó fingido, a prometerem rezar já que não há mais o que fazer. 
Lembro-me das horas que passamos ao telefone, quase 90% dos assuntos giravam à volta das banalidades da nossa vida na França, da adaptação à língua, das gracinhas que o Fabian fazia. Achava que era eu quem tinha de escutar, mas obviamente ela não queria falar de morte. Ela queria falar de vida. Como se os momentos ordinários dos meus dias fossem qualquer coisa de tonificante para seu organismo debilitado...
Acredito que a família esteja no seu direito em manifestar a dor, escrever bilhetes ou cartas em memoria dos que nos deixaram, mas acho de um oportunismo e falta de sensibilidade sem medida, pessoas que não convivem há pelo menos uma década e que nunca se importaram de saber se a criatura estava viva ou morta se manifestem. Que digam de sua (in)justiça nos posts de quem realmente sente a perda, mas que façam-no em seus perfis à procura de likes é simplesmente mesquinho.
Admira-me que através de um amigo em comum, tenha pedido para uma "amiga" pesarosa parar de postar coisas sobre a nossa família em respeito à decisão da minha própria tia, e que a pessoa além de ignorar o meu apelo, posta mais coisas como que por birra. Parece que algo lhes sobe à cabeça, talvez qualquer espécie de estatuto de luto em que as pessoas todas lhes abraçam e dão-lhes tapinhas  nas costas virtuais. Mesmo que isto não lhes diga respeito, mesmo que em razão disto, atropelem o bom senso e a educação. Deixo um recadinho a esta mulher irritante e sem noção, como diriam os franceses: Tereza, tu m'emmerdes*.





* Aparentemente merda virou um verbo, e eu gosto disto. 

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Hoje

Hoje quero mentir que os meus olhos vermelhos são fruto da tinta do cabelo que escorreu-me marrom pelo corpo. Que a água quente lavou as picuinhas que um dia tivemos, deixando um borrão de sorriso no lugar dos beiços tremidos. Hoje quero lembrar da mulher que considerei no alto dos meus quatro anos a mais bonita do mundo. Quero lembrar das nossas risadas soltas, das unhas dos pés (e das mãos) que não confiava a mais ninguém senão a ti. Hoje queria fingir que nunca existiu este hiato que nos afastou e que engolir a besta do meu orgulho foi a melhor coisa que fiz. Hoje queria não ficar imaginando a hora em que contarem para eles aquelas historias sobre o papai do céu. Hoje mais uma vez estou longe, longe demais, longe do alcance de um cafuné e um beijo de despedida. Hoje quero mandar à merda esta maldição que me faz prever o futuro...caramba, puta que pariu... eu não queria estar certa, eu queria que tu ficasses, tia.
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