Não, eu não morri. Mas quase. Engraçado por que mudei-me tantas vezes num espaço de três anos que achava que já tinha prática nisto...parece que me enganei. Esta foi a primeira mudança de "mala e cuia" como dizemos na minha terra. Nas outras levamos malas, na de Portugal para o Brasil, algumas caixas, mas o grosso mesmo encontrou o seu destino: vendido ou dado.
A novela começou na terça quando fomos "avisados" de que a mudança não poderia ocorrer no outro dia pela manhã, visto o caminhão ter se estragado. Ficou combinado então para o mesmo dia às quatro da tarde. Ora, um caminhão vindo dos arredores de Paris, podía-se com certeza contar com algum atraso, o que de fato aconteceu, só não esperávamos que fosse tanto! O rapaz telefonou às onze da manhã dizendo que estava saindo (não mentiu, podia estar saindo do banho), e foi dar com os costados em Schiltigheim às 9 e 20 da noite. Pois, uma viagem que se faz no máximo em seis horas... Nesta altura o marido já estava espumando e eu também havia perdido toda a calma. Que horas iríamos sair, sabendo que nos esperavam 900 km pela frente e que no outro dia tínhamos de estar lá para receber as coisas, assim como tínhamos documentos para resolver da inscrição para a escola do Fabian?
Os dois rapazes que chegaram não tiveram boa vontade ou neurônios para jogar o tétris a fim de que cada móvel, sacola, ou mala achasse o seu lugar naqueles 17 metros cúbicos. Então ficaram pecando pela burrice, iam e voltavam. Tiravam e tornavam a colocar e nesta dança, quem dançou foi o colchão de casal, assim como duas cadeiras. A brincadeira terminou à uma da madrugada, quando percebemos que se não ficassem estas coisas íamos noite a dentro nisto. O Fabian capotara para o lado ressonando atrás de mim no carro, assim, foi o marido que vistoriou tudo, depositou a chave na correspondência e não olhou para trás.
A estrada era um traço infinito que escondia-se na escuridão. À nossa frente apenas os dois faróis nos guiavam para casa. Paramos duas ou três vezes para o Fernando tomar café e mesmo eu coruja assumida, tive uma hora em que não havia jeito de permanecer com os olhos abertos. Combinamos que no próximo posto descansaríamos quarenta minutos: acordamos com a ligação da minha mãe duas horas depois. Trintei, to ficando velhota! Mas ainda não tive tempo para panicar. De volta à estrada, paramos só ao chegar no prédio.
Primeiras considerações: vi mais sol aqui nestes dias do que em um mês na Alsácia. Para mim inverno podia ser isto, um casaco leve e nada mais. Devo ter ficado casca grossa, estou sempre achando que está quente e acho o povo muito exagerado ao se agasalhar.
Caminhar e sentir o ar da maresia, se espantar como uma criança a cada vez que o sol estende seu manto dourado pela sala, ver as palmeiras como se de um país tropical se tratasse, me faz lembrar de tudo o que passamos para estar hoje aqui. Se alguém me dissesse lá atrás , quando o Fernando ficou desempregado que no fim das contas iríamos morar neste lugar, nestas condições financeiras, eu teria dito "só se for agora, bora começar a aventura". Ou via Crucis, vá lá...