sábado, 26 de setembro de 2015

Ah então como foi a primeira aula de boxe?

Foi boa. Se eu fiquei assim, imagine o saco!
Se você pensou que ele ficou lá paradinho  na dele como se nada tivesse acontecido,  acertou.

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Turismo pau de selfie



Neste mês tivemos a visita de uma prima do marido com o seu esposo e o filho. Era para ficarem pouco mais de uma semana, mas depois de várias mensagens postergando a estada ora porque iam dar uma passadinha na Normandie, ora porque resolveram voltar à Itália para conhecer Pisa, ora porque isto ou aquilo, acabaram por ficar aqui três noites apenas. Já tinha virado gozação entre nós, "o que foi, a fulana vem amanhã? Não, resolveram de última hora já que é tudo tão perto, dar uma passadinha na Índia antes. E talvez estiquem até a China, quem sabe?".
Dois mil e muitos quilômetros depois e meio milhão de fotos pelo caminho, o resultado foi pelo menos duas pessoas na metade dos quarenta de olhar cansado, sendo puxados pelo filho dela, uma espécie de criança hiperativa de 22 anos. Não é exagero dizer que mais da metade das fotos eram exatamente iguais, tirando o pano de fundo que variava de três a quatro vezes por dia. Eles conheceram a capital Suíça, umas dez cidades italianas e praticamente quase todas as regiões francesas em vinte dias.  E eu estou aqui há dois anos e só conheço Strasbourg, Paris, a estação de Nice e pouco mais. Admito que deu uma certa inveja no começo, mas depois vi o que eles chamavam de turismo e para mim, mais se assemelha  a um estado permanente de ansiedade em fotografar tudo do que propriamente algo prazeiroso que é realmente conhecer outros lugares. 
Todas as noites, assim que conseguiam o sinal de Wi-Fi do hotel, ela descarregava 80, 90 fotos do passeio do dia. As mesmas fotos de ombro e tiradas de um ângulo de cima. Fico pensando e também faço a auto-crítica, se não houvesse Facebook, quão exponencialmente cairia a necessidade de fotografar tudo e mais alguma coisa? Se não houvesse para quem contar, ou como era "antigamente", apenas os familiares e amigos próximos soubessem  que dia tal estaríamos em Malága e que voltariámos alguns dias mais tarde, haveria esta necessidade de provas? 
Tento vasculhar minha memória à procura de quando isto foi um comportamento aceitável, mas não encontro. As pessoas viajavam, claro que havia os que se gabavam de viajar, as máquinas eram de rolo, as fotos eram menos repetitivas, levava-se uma eternidade para saber que afinal saímos com os olhos fechados ou vermelhos em metade delas. Mas não havia este desespero em provar que viajamos de verdade, que não nos socamos dentro de casa incomunicáveis. Realmente pudemos bancar a fortuna de uma passagem de avião à Europa, realmente andamos de gôndola e vimos a torre Eiffel e o Louvre (mesmo que não tenhamos entrado para não perder tempo). Hoje parece que as pessoas viajam para os outros, e o fazem com o cuidado de nos manter bem informados de como é bonito o teto da capela Sistina e de como são estreitas ruas  de Bergamo mesmo que eles não tenham se dado conta disto, estavam mais preocupados em não esbarrar no pau de selfie alheio. Duvido que guardem memória daqui dois ou três anos. Se não fossem estes registros pouco criativos, talvez pensassem estar tendo um déjà vu, caso voltassem a passar por lá. 
Durante o período que eles estiveram aqui, não ouvi em nenhum momento demonstrarem entusiasmo ou felicidade pela viagem. Pelo contrário, pareciam estar presos em um pesadelo e que não viam a hora de acordar. Sem saber me conter eu disse: é, agora acho que vocês vão precisar de umas férias para descansar destas...

Na França ser como as francesas



Uma das coisas que tenho aprendido aqui é que o assédio não é normal. Não é coisa de gente civilizada e nunca deveria ser um balançar de ombros, como se não tivéssemos escolha a não ser aceitar e fingir que não era conosco. É mais fácil assim, não foi comigo que aconteceu, mas com outra pessoa, aquela que atravessou a rua, aquela que sentou-se na minha varanda. Mas aquela não era eu, não pode ser eu.
Pois bem. Estava juntando o cocô do meu cachorro em um beco que dá para o estacionamento de um prédio. Passaram dois velhos que haviam estacionado o carro momentos antes, um deles olhou-me, olhou e olhou de novo. Parecia que eu era um frango daqueles dourados e que giram e soltam um cheiro que fez  o seu estômago revirar. Acontece que eu não sou um frango e lembrei-me disto justamente depois de morar na França. Nunca quis ser. E como se tivesse despertado de um sonho, quase mecanicamente e com a cara mais carrancuda que pude, lhe ofertei o dedo do meio. 
Já descrevi aqui o "paraíso" que isto é comparado ao Brasil no que toca ao assédio, mas isto não nos livra de vez por outra lidar com umas aberrações destas, como um sujeito de um edifício do outro lado da rua achar-se no direito de me espionar toda vez que sento na sacada. Teve alturas que cheguei a baixar o toldo para que ele não me visse, em outras simplesmente voltei para dentro de casa . Ora, agi justamente como fui ensinada todos estes anos: sou eu que devo mudar-me para que não seja "incomodada". Já mandei-o se foder, mental e fisicamente, meu marido já xingou para que parasse de olhar para cá. Inclusive fez com ele o que ele faz comigo: olhou fixamente para sua sacada até ele se sentir desconfortável e sair. Se adiantou alguma coisa? Um pouco. Ele está mais discreto, mas duvido  que mude. Já tenho treinado uma frase que usamos muito em português: perdeu alguma coisa aqui? Além de alguns palavrões caso haja insistência. Gritados bem alto e forte, como deve ser para que não me esqueça nunca de que não sou mais um frango. 

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Insônia

Parecia uma turbina de avião aquela hora da madrugada, mas eu sabia que era só o caminhão do lixo. O motorista mexe em uns botões, o colega desce e encaixa a lixeira do prédio. A máquina agarra, depois levanta e depois retorna ao chão. Nenhum barulho além do motor do caminhão. Nada de "êeee" e "ôooooo" dos homens. Lembro de quando o caminhão laranja do DMLU passava naquela rua, vinham em três, às vezes quatro e de luvas nas mãos. Sempre paravam para pegar o nosso lixo que sabiam vir acompanhado de frutas que o meu padrasto separava para o lanche. De vez em quando chovia muito, e ele se embaraçava nas próprias pernas, ou esquecia de pôr lá fora. Mesmo assim, eles batiam na campainha, sempre sorrindo, "bom dia!", carregavam o lixo e o lanche e êeeee que a caçamba fedida do caminhão nem sempre esperava. 
Lá era durante o dia bem cedo. Lá a gente enrolava milhares de jornais para ninguém cortar o dedo. Lá  sempre que estava calor demais ou quando o mundo desabava, sentia uma mistura de dó e admiração por quem fazia este trabalho. Alguém tem de fazê-lo, pois a cidade não pode viver em meio ao lixo, então alguém tem de viver. Aqui o caminhão foi embora e só restou os roncos do marido.
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