quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Assumir o leme

Se um barco não sabe a que Porto dirige-se nenhum vento lhe será favorável. 


Os planos hoje foram traçados enquanto o marido cozinhava. A minha vontade era que ele fosse trabalhar para um banco em São Paulo, ou para a IBM ou para a SAP e que eu com o tempo voltasse a faculdade, me formasse e dali uns anos tivesse meu consultório decorado ao estilo provençal, cortinas brancas, o divã azul celeste, enfim. Puff Jeanyne, planeta Terra chamando. Acontece que se ficarmos aqui a esperar e esperar, já vimos que as coisas não acontecem só de rezarmos para Santo Expedito. Estamos de acordo que ficar aqui na mãe não dá e morar na mesma cidade também não dá. Em nome da nossa sanidade mental...
O Fernando vai tentar o ramo imobiliário, oportunidade que foi oferecida a ambos, no entanto não há vínculos com a empresa, só ganha se vender. O mercado no Brasil está extremamente aquecido, mas creio que não por muitos anos...mas isto é coisa para ganhar dinheiro rápido e este é o plano um. O dois, é juntar grana e emigrarmos para França. Enquanto estivermos aqui, o marido vai fazer um curso da oracle que vai abrir mais chance de emprego e com um salário melhor. E eu quero poder finalmente dedicar-me a escrita. Se Paulo Coelho conseguiu porque não eu? Mas quero fazer as coisas direitinho, estudar, pesquisar bastante para escrever um romance histórico. Geralmente isto é coisa que não se diz, mas é o que sempre fiz desde a infância, tenho jeito para a coisa, milhares de histórias na cabeça, uma imaginação inesgotável. Preciso é acreditar em mim e neste dom que esteve a minha frente durante todo este tempo e eu não percebi. E depois de traçarmos nosso plano de fuga, nunca nos sentimos tão felizes desde que naufragamos pela primeira vez.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

A dança dos olhos negros - Capítulo I

O ar estava húmido, escuro e pesado. Ela suspirou embaixo do que antes fora uma mesa, agora estava resignada a uma espécie de esconderijo tosco. Ouvia vozes e pelo pouco do que se atrevera espiar dera com a casa completamente revirada. Ao longe distinguia-se gritos. De mulher? De criança? Não importava, já tivera tanto por uma noite. Seu pai e seu irmão jaziam ao relento nos campos. Sucumbiram sobre as lanças e espadas do inimigo. Inimigo este que os considerava bárbaros e por isto queimava suas casas, estuprava suas mulheres e assassinava crianças.
De repente os passos tornaram-se mais próximos. As risadas dos homens satisfeitos pelo saque e pelo sangue atravessaram o recinto. Ela encolheu-se, mas sabia que era em vão. Sentiu uma mão forte e áspera puxá-la pelos ombros. Seu cheiro ocre de sangue velho encobriu-lhe as narinas e por um instante pensou que ia desmaiar.
- Vejam só o que achei perdido por aqui! - Bradava o homem com palavras cheirando a álcool. 
Seguiram-se risos, cada vez mais altos e mãos por todo seu corpo. Alguém lhe empunhou como se fosse uma recompensa e a levara para a luz. Esteve tantas horas em completa escuridão que o simples fato da aproximação da luz, fez com que seu rosto se contorcesse e ela lembrou-se de que aquele desconforto seria o menor dos seus problemas. Fechou com mais força os olhos e rezou para que terminasse logo.
Atiraram-na sobre o piso frio da entrada da que antes fora a casa de sua família. Tentou cobrir-se o mais que pôde como um animal acuado a olhar seus algozes à espera da morte. Pela primeira vez encarou-os. Diziam que eram frios, os seus olhos castanhos, escuros como um poço. Pareciam recém chegados de Niflhem. Eram assim o romanos, grandes guerreiros, sedentos de domínio sobre todas as tribos. Seus deuses devem ser mais poderosos que os nossos e muito mais difíceis de contentar. Eram em sua maioria mais baixos que o seu povo, mas fortes e bem treinados por baixo da armadura cor de carmim. Sentiu as pernas tremerem quando a mesma mão que lhe carregara lhe forçou a suspender o peso nos pés. Achava que quando alguém estivesse sob ameaça o corpo se acordava, os sentidos se apurariam a fim de que pudesse lutar ou fugir. Mas seu corpo ao contrário, adormecia, sua visão estava turva e seus ouvidos pouco captavam do exterior, apesar de ter consciência de que a aldeia estava mergulhada no caos.

- Vejam só, está é especial. 
Rasgaram-lhe a túnica e um seio branco de auréola rosada ficou pendido em meio aos trapos de linho   que emolduravam o corpo esguio.
- Sim, é virgem. - Apontavam para os adornos em seu pescoço. Tinham ao menos algum conhecimento sobre o costumes germânicos afinal. Podia sentir no mínimo dez pares de olhos sobre sua nudez. Escuros. Olhos de poço negro, insaciáveis. 
- Quem vai ser o primeiro?
Houve certa agitação, empurrões. As espadas tilintaram em sinal de aviso. Um dos homens deu um passo à frente e lhe agarrou da mão do primeiro. Foi ele que a achara em seu esconderijo e tomava o que devia ser seu por direito. A sua primeira vez com um homem.
E depois disto o que sucederia? Dezenas de pênis rasgariam sua vagina e ela neste momento dava tudo para ser uma velha enrugada que não despertasse os instintos do inimigo. Mas lá estava com os lábios trêmulos e as coxas rijas, fechadas, a mulher mais bela de toda a tribo, um adjetivo que neste momento particularmente odiava. Os cabelos compridos em trnaças loiras como o trigo, pingavam suados pelo medo e ansiedade. Se fosse para ser, que seja rápido. E quando finalmente o primeiro guerreiro avançou e abriu-lhe as pernas, ela apertou o sexo. Ouviu os cascos e alguém a apear do cavalo. Não sabia qual era a sensação, se de alívio ou de dor. Seu destino poderia ser pior do que havia imaginado. Mais alguém para a festa? Mas os homens silenciaram. Apenas o que a sustinha os braços algemados pelas suas mãos arquejava. Os passos foram diminuindo. Pode ver pelos cílios dourados que era alguém superior. Tinha adornos nas armas e o elmo era ligeiramente maior do que o dos outros entre o seu braço.
- O que temos aqui?
- Publius encontrou-a em um canto. Íamos ensinar esta puta a se submeter à águia romana.

Por alguns segundos houve silêncio. O homem ponderou. Olhou para o seu corpo e ela tentou aprumar o que restava de sua dignidade. Desta vez não tentou encolher-se. Os seios pulavam conforme o peito lutava para respirar arduamente. E com um gesto, saiu-lhe a voz rouca:
- Ande para fora daí. Quero ela para mim.
E depois virando-se aos demais - Eu já disse que quero o melhor para mim.
Em um salto o grupo deu um passo atrás e o peso pouco a pouco saía de cima dela. Pode ver pelos suspiros, a frustração que ficara o homem que agora lutava para vestir-se. O que a requisitara, virou-se e estendeu-lhe a mão ao que ela rapidamente correspondeu. E levantou-se segurando o pouco tecido que não estava violado pelas mãos ávidas dos seus algozes. Seguia consternada sem saber se aquilo de fato seria melhor do que um estupro coletivo, pois de um romano não se pode esperar grande piedade, mesmo para uma mulher jovem e bonita. Ele agarrou pela cintura e susteve seu peso para que pudesse montar no animal. Lenta colocou as pernas entre o lombo e pode sentir o pelo morno em sua pele dolorida. Ele subiu depois, atrás de suas costas, bem colado a sua nuca. O toque metálico de sua armadura fez-lhe calafrios e ainda mais que o silêncio, a respiração contida e a certeza de que seria dele dali a momentos a aterrorizava. E depois provavelmente encontraria a morte ou talvez ele a atirasse para aqueles monstros depois que saciasse a fome de sua carne. A visão da chegada ao acampamento romano deteve seus pensamentos. Ficou impressionada pelas fileiras intermináveis e  organizadas pelas colinas, pela quantidade de soldados que abrigava. Talvez mais de trezentos homens a circular, acender fogueiras, a contar as jóias e armas roubadas de seu povo. Ele contornou  as barracas e amarrou o animal perto de outros que pastavam ao pé algumas árvores. Com brusquidão ele a puxara por entre um labirinto até  deter-se frente a uma. Não era maior que as restantes como esperara, pensou enquanto ele a empurrava para dentro. E a escuridão apoderou-se de seus olhos outra vez. Caiu sobre o que parecia ser uma cama improvisada. Ele virou-se e pode mais uma vez encarar seus olhos negros.
- Descanse. Logo venho cuidar de você. - voltou a cabeça antes de sair. - ah, fugir não é uma boa idéia.
Aquele homem lhe falara em seu dialeto. Isto deixou-lhe com mais medo, foi quase como se ele pudesse transpassar sua alma, não com sua lança, mas com suas palavras. Ela aquiesceu e vendo-se sem escolha, deitou-se encolhida sobre as pernas. As lágrimas desciam quentes e queimavam. Suspirou agradecida por finalmente estar sozinha. Era hora de chorar seus mortos.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Custo de vida

Os meus pais podem e os teus??
Pois que aqui no Brasil o dia das crianças já se avizinha, é no dia 12 deste mês. Claro que não vamos dar nada para o Fabian, mas mesmo assim não deixo de olhar os preços dos brinquedos por aqui. Fico abismada ao perceber que em Portugal com vinte euros dava para comprar um bom brinquedo e aqui com 50 reais não se compra nada de muita qualidade. Os brinquedos bons ficam na faixa dos 150/200 reais (pasmem!). E o que me intriga é que pessoas de renda mais baixa mesmo assim esforçam-se para dar os melhores brinquedos. Vejo pessoas que são modestas e postam fotos dos filhos com veículos a motor que aqui são caríssimos e invenções da última temporada. O poder de compra mede-se não só pelas roupas de marca que ostentam, mas também pelos brinquedos que podem dar aos filhos, mesmo que isto signifique se encher de carnês a 12x. 
O Fabian tinha roupas da c&a, algumas da Chicco (dos saldos), Zippy e H&M. Raramente comprei coisas da Zara porque a considerava carota. Aqui também tem Zara, mas os preços são de loja para ricos, sim ricos porque chega a ser mais de 4 vezes o valor em euros a mesma peça. Calçados costumava comprar da nike e da chicco. Bem, Chicco aqui nem ver...é coisa da elite. Nem tem na maioria dos shoppings. E os tênis que comprava por 22 euros da nike, custam em média 100 reais. Aqui há tanto imposto, mas tanto que fazem as medidas de austeridade de Passos Coelho parecerem preços da nova coleção de primavera.
ps: só para não dizerem que exagero, deixo aqui alguns sites de brinquedos e roupas/calçados infantis.


segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Dos avós e dos netos

Não é novidade que os avós gostam de mimar os netos. É quase que um código de honra entre eles, não se pode ver os netos chorarem, não se pode ver os netos sofrer, mesmo que se tenha que rasgar o cu, as vontades dos pequenos mandões tem de ser satisfeitas. Tudo bem, porque eu tive a minha vez e gostei de usufruir da sua proteção desmesurada. Não sou contra...os avós são para isto mesmo, para ser um oásis em meio a tantas regras e tantos nãos. Os avós são um eterno sim. O problema está quando os avós não sabem que mesmo seus poderes tem limite. Que os pais não devem interfirir na relação deles e também eles não devem nas dos pais. Isto sempre dá merda. E quando se mora com os avós e os pais na mesma casa, dá sempre mais merda. E isto exige muito mais paciência dos pais e os netos sabem disto. Por sua vez eles abusam mais dos gritos e miados. Eles fazem de tudo para enlouquecer os pais. E os avós são assim, imunes a chatice inerente às crianças, eles parecem ver só aureolas e asas, eles esqueceram de que um dia estavam eles no nosso lugar. Hoje eles são paz para os netos e guerra para os filhos. Aliás guerra esta que não terminou na nossa infância, guerra que teve uma trégua na adolescência e retomou com mais força quando nos tornamos pais. O tempo tem disto, nos força a papéis e nós como bons atores habilmente incorporamos. Agora somos os chatos do momento, os maus...até quem sabe a próxima geração. Para mim, avós são uma espécie de heróis que fracassaram. Os netos sabem disto. E os pais por sua vez, sabem muito mais...



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