terça-feira, 6 de agosto de 2013

Datas


Às vezes penso que me assemelho a um presidiário a quem será dada a liberdade em poucas semanas. Organizo mentalmente o que farei, o modo como vou deixar-me ficar embaixo do sol sentindo o calor de cada centímetro de pele. O cheiro da brisa de verão, os sorrisos, a terra molhada. O cheiro das cores, sim, tem cheiro e um cheiro doce, daqueles perfumes de vó. 
Conto os dias, as horas, construo imagens como se estivesse prestes a estrear minha vida. Os personagens embaciados na película. Os abraços ainda precisam de mais ensaios para que saiam com a pressão certa desta saudade de quase meio ano cultivada. De repente as coisas aqui já não tem graça, é uma sucessão de dias monótonos em tons pastéis, tornei-me mesmo fadada à mesmice. No entanto, tal como um prisioneiro  ao mesmo tempo que odeio estar em parcos horizontes, tenho medo de como vai ser quando as portas atrás de mim se fecharem. Ecoarão fundo um rangido de liberdade que assusta, pois que a liberdade tem um quê de caos que já não estou mais habituada. 
Risca-se o tempo com pedaços de giz, primeiro o aniversário do Fabian, depois o dia dos pais, depois mais uns palitinhos e...Paris espera por nós. Enquanto isto espero, espero e espero que ainda dê tempo para um final feliz.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Até que enfim

É amanhã que o marido põe as suas mãos grandes na chave da nossa casa. E a partir de domingo entram os armários do quarto do Fabian, a nossa cama, a cozinha, etc, etc. Nestas horas a gente vê que ter carro não é um simples capricho, ter carro é fundamental. Muitas das coisas que vi pela net em segunda mão poderíamos ficar se não fosse o impeditivo de que em algumas aldeias não exista transporte público e sem o marido ver primeiro e sem alguém para fazer o frete, nada de negócio. Ter de pagar no mínimo 50 euros a cada coisa que se compre é caro, saindo às vezes mais a pena comprar em lojas que entregam em casa e tem-se um produto novo. Temo que só daqui um ano a gente consiga comprar um carrinho... até lá nos viramos assim. 

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Brasileiros na França


Ultimamente tenho procurado blogs de brasileiros que moram ou moraram na França...não sei, é  como se eu precisasse de algum tipo de bússola, como se estes blogs pudessem me dar a mensagem de que se conseguiram, eu também consigo esboçar um ça va. Tenho devorado bytes com o blog do Daniel, que já falei aqui, o Chéri à Paris e agora é a vez de Le Croissant com a Carol, que já não escreve mais, mas mesmo assim divirto-me com as histórias que ali dormitam. 
O Domingo de Chuva foi e sempre vai ser o canto para onde venho desabafar e acredito que agora será mais que isto, fará o elo com a minha língua materna, que tanto amo e tenho medo de vandalizá-la com a falta de prática. Espero que não encha isto muito de uh lá lás e "donc "s, e prometo no inverno não trocar para domingo de neve!
As preocupações tem sido tantas que não é raro sonhar que as pessoas a minha volta falam francês. Em um deles eu respondia: oui oui para tudo. O marido que não gostou disto, acha que algum maluco vai me cantar e sem entender vou soltar oui!
Desta vez sou como gato escaldado, não vou com tantas expetativas, não vou achando que todo mundo vai me tratar como eu acho que deveria ser tratada e nem que vou achar lá brasileiros em forma de franceses. Isto não existe, são culturas diferentes, sorrisos ou meio sorrisos vá lá, difrentes. A única coisa que espero de mim é  não sair construindo muros just in case, é estar aberta para quebrar a cara se tiver de ser, cair, levantar e erguer novamente.  Minha sorte é ter um marido com uma paciência do tamanho do Everest. Que agora vai somar mais um papel na minha vida: o de meu tradutor oficial.

Na hora do almoço

Nunca vi nenhuma música retratar com tanta nitidez e poesia o retrato das famílias até então na década de 70. Quando vemos o choque das gerações, a falta de diálogo entre parentes, a situação ritualística que era sentar em torno de uma mesa como se aquilo assegurasse a união e talvez o amor que não se tinha. Cada vez que a escuto, transporto-me para uma cena que ainda bem, não vivi, mas não sei porque toca-me fundo. A música tem o seu quê de terapia e por isto algumas vezes utilizamos dela no consultório do meu antigo psicólogo. Para mim é a imagem crua do quanto somos estranhos uns para os outros, no quanto vivemos em um mundo próprio e sem pontes com os vizinhos, mesmo que estes vizinhos sejam a nossa família. 


"No centro da sala diante da mesa, no fundo do prato comida e tristeza. A gente se olha, se toca e se cala e se desentende no instante em que fala. Medo, medo, medo, medo, medo, medo. Cada um guarda mais o seu segredo, a sua mão fechada, a sua boca aberta, o seu peito deserto, a sua mão parada,  lacrada, selada  e molhada de medo.
Pai na cabeceira. É hora do almoço. Minha mãe me chama, é hora do almoço. Minha irmã mais nova, negra cabeleira. Minha vó reclama: é hora do almoço! E eu ainda sou bem moço pra tanta tristeza, deixemos de coisas, cuidemos da vida. Senão chega morte ou coisa parecida e nos arrasta moço sem ter visto a vida. Ou coisa parecida ou coisa parecida..."


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