segunda-feira, 28 de abril de 2014

A vaga da discórdia

Adoro a lógica dos meus vizinhos, sério. Moramos em um terreno que possui duas casas grandes divididas e transformadas em apartamentos. Cada apartamento tem direito a uma vaga para carros e é de conhecimento geral que não temos (ainda) nenhum, visto que a vaga costumava estar vazia. Disse costumava porque ultimamente o vizinho de cima tem estacionado dois carros aqui. Eu procuro ser justa, mas isto está me incomodando, porque um dia recebemos visitas e a pessoa colocou na vaga dele sem querer. Ao invés dele colocar na nossa, fez questão de por na do lado e esperar em pé, na chuva e no frio até que as pessoas desocupassem a sua vaga. E depois com a maior cara de pau usa a seu bel prazer, há um mês o nosso lugar sem ao menos um pedido de permissão. Assim que a nossa voiture pousar aqui em casa, vai levar com uma plaquinha bem bonita para deixar de ser bicão. To só no aguardo...esperando...com um sorriso bem educado como manda a má educação francesa. 

"Ce poste est lié à l'appartement du rez-de-chaussée. S'il vous plaît ne pas l'utiliser."

domingo, 27 de abril de 2014

Telhado de vidro



Inscrevi-me em um grupo de discussão de jovens feministas há um mês e neste pequeno período já consegui enxergar muitas coisas que nunca tinha dado importância. Mais ou menos como achar que tudo esteve sempre lá e não há razão nenhuma para que a a ordem seja esta e não outra. Mas o que tenho notado agora, nem é tanto a questão do movimento feminista por si mesmo, mas a forma como as pessoas se relacionam, ainda que virtualmente. A quantidade de mal entendidos que afloram pelo simples fato de não estarmos atentos a outros sinais que estão a nossa disposição em uma conversa física: o olhar fugidio, o tom da voz, a risada ou a voz tremida. Uma coisa que é dita de forma neutra pode ser interpretada como um pavio aceso, pois que a pessoa sente-se atingida, ofendida e sei mais o que. À parte questões óbvias a nível de desconstrução de um discurso racista, classista, machista a que fomos habituados desde a infância, noto que também há uma certa apropriação do que escrevemos para questões pessoais mal resolvidas.
E digo isto porque hoje ao falar com uma amiga no Brasil sobre o post do meu blog que ela também está acompanhando, tenho me deparado com respostas e agressões que estão além do que acho um nível normal de indignação.  E ela disse que para começar, eu deveria ficar feliz, que o meu objetivo está a ser alcançado. A gente incomoda quando pensa diferente. Eu por alguma razão, incomodo estas mulheres. Porque hein? 
O interessante é que dá para ver direitinho quem discorda sem levar para o lado pessoal e quem sente-se ferido e irritado porque eu tenho o direito de pensar de outra forma. 
Aproveitei a ideia para pensar no quanto eu fiquei incomodada com este grupo no início. Como ele atingiu meus preconceitos, meus medos, meu racismo. Sentei e observei. Critiquei (aqui comigo) e li e li e li. E procurei ter  empatia com o crossdresser que colocou suas fotos vestido de mulher, procurei ver o sofrimento da jovem negra que ainda hoje tem raiva de gente branca, procurei ver a pouca flexibilidade minha e alheia para com a dor dos outros. E é difícil para caramba. Porque depois de um tempo a gente se acostuma com o que é e com o que pensa, mas é aí que já tá na hora de mudar de novo, de abrir mais um pouco a cabecinha e deixar entrar coisas novas. Sempre digo que o ser humano é um ser de hábitos e que tende a se acomodar, que não gosta de experimentar insegurança mesmo no campo das ideias. E se olharmos bem para a história veremos que demos saltos graças à coragem de alguns, pois que a massa sempre vai é arrastada como na música do Lulu "com passos de formiga e sem vontade" .
E é isto: incomodar gera reflexão. Isto é, se a pessoa permitir, se ela analisar a sua própria reação de raiva, de medo, etc e tentar descobrir porque vem à tona estes sentimentos. Quando algo nos incomoda é um sinal de alerta para o pó que deixamos assentar na nossa casa interior. E não podemos nos esquecer que toda casa tem teto de vidro, justamente para podermos  reconhecer nossa fragilidade na fragilidade dos outros.

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Se Maomé não vai à montanha...

A montanha fica paradinha esperando Maomé. E é assim, a montanha não vai a lugar algum. Quer dizer, algum lugar atrás de Maomé, foi mais ou menos isto que disse a minha vó. Estou de braços abertos esperando ela e mais alguns familiares que queiram nos visitar, mas ir ao Brasil tão cedo, não quero. Não tenho paciência para ficar na casa de ninguém, pelo contrário, dou tanto valor a este cantinho que é nosso que nem me passa pela cabeça. Acho que as coisas que passamos ainda estão tão vivas na pele, tantos sapos engolidos, tantas desavenças, que pela primeira vez na vida e quem me conhece sabe que isto é verdade, não tenho a mínima vontade de ir ao Brasil. Não fechei a porta, apenas não estou a fim de abri-la tão cedo, é só. Maomé tem de parar de preguiça e  ir mesmo até a montanha.

terça-feira, 22 de abril de 2014

Os tipos de maternidade

Tenho certeza de que podem me apontar tantos, mas tantos defeitos neste mundo (chata, egoísta, controladora, ansiosa...filha única: guess what?), mas nunca terão razão em me chamar de hipócrita. Ah isto eu sei que não sou. Aliás, este tem sido quase o meu baluarte para o autoconhecimento: esmiuçar e admitir coisas não tão agradáveis para eu mesma, bem-vindos ao meu mundo! Então o post que mais bafafá deu é o "odeio ser mãe" e já expliquei algumas vezes o porquê sinto-me assim, mas tenho ainda algumas considerações por fazer. Já que as pessoas acham-se no direito de cagar regras no que eu devo sentir, eu sinto-me com a liberdade de falar sobre a maternidade alheia, porque não?
Em primeiro lugar, claro que não somos todas iguais, mas o que parece um ponto inquestionável é o de que apesar de sermos diferentes e levarmos vidas igualmente diferentes, temos de sentir o mesmo. Um amor-maior-que-o-mundo, incondicional e avassalador, um amor que faz com que não pensem mais em si em primeiro lugar e dediquem toda a existência para o(s) seu (s) filho(s).  Eu acho bom quando este amor chega, e não me importa se ele vem como em forma de plantinha interior (não é assim que dizem que cresce a cada dia?) ou como raspadinha ache três corações e ganhe o seu amor incondicional aqui. Mas é difícil explicar quando ele não chega, é difícil porque ao contrário de parir um filho, não se pode parir um amor. E isto se torna patético de dizer, mas ser uma orgulhosa portadora deste amor materno incondicional não a faz melhor ser humano, não a faz mais tolerante (e é por isto que há moderação de comentários aqui). Assim como o contrário também é verdadeiro, uma pessoa que não consegue inserir-se neste dogma maternal, não é um monstro, bicho papão, comedor de sonhos de criancinhas, e pode inclusive, olha só, ser uma boa pessoa!
Sempre desconfio de pessoas que propagam a todos os cantos como é bom ter filhos, que isto é a melhor coisa que poderia acontecer com uma mulher e digo isto porque? Porque geralmente esta mãe é uma mãe fim-de-semana, é uma mãe três-horas-dia, é uma mãe que muitas vezes "aluga" o seu filho para creches, babás, avós, etc. Eu não estou dizendo que isto seja péssimo à partida, porque tempo para nós é uma coisa que todas precisamos, mas o que me refiro é  terem a audácia do discurso de mãe do ano com quem abdica quase 100% do seu tempo para o filho. A minha vida é dedicada, não voluntariamente, ao Fabian. Não temos quase nenhuma vida de casal a menos que se conte o intervalo (pequeno, diga-se de passagem) entre "ele dormiu!" até nós mesmos irmos dormir. Não há avós, não há amigos, não há família nenhuma que fique com ele...somos apenas nós dois. Sempre. Como os franceses gostam de dizer: 7 sur 7 jours. E isto cansa. As crianças moem o juízo, sugam as energias e a vida muitas vezes fica um inferno. 
Vou ser mazinha agora, mas este amor incondicional me parece tão ligado à condições que chega a roçar a hipocrisia. Porque na época que pude ter algum tempo para mim, cheguei  a aceitar minha nova condição como mãe-prisioneira, mas só a partir do momento em que consegui um regime aberto. Ou seja, é muito fácil amar tendo escapadinhas a dois a cada mês, ou poder deixar uma vez por semana ou mais o filho com os avós para um jantar, um cinema, ou simplesmente para ficar no sofá a ver séries sem ser interrompidos 741112222 de vezes. É fácil ser mãe podendo dividir o tempo entre a família alargada que aliás é o que acontece em muitas culturas, nas quais todos tem sua parcela de responsabilidade por aquela criança. Além de fácil é bom se valer do apoio de terceiros mesmo que tenhamos que pagar, e está tão corriqueiro, que uma ex colega do meu marido, o filho não tinha nem nascido e já estava procurando babá para passar a noite com ele. E ninguém disse " não acredito, que tipo de mãe é esta?". Pergunto-me se estas mães tivessem todo o seu tempo ocupado com o rebento, tendo por consequência, zero para ela, será que não iam repensar estes julgamentos e inclusive este adjetivo por trás do seu amor? Será que existe vida depois da maternidade? É porque é a isto que muitas vezes resume-se esta falta de empatia para com esta filosofia de vida.
Para além disto, irrito-me com quem vem soltar "mas na hora de fazer foi bom", " se tivesse fechado as pernas", "se tivesse usado camisinha", etc. Porque não se trata muitas vezes de surpresa, muitas tiveram filhos planejados e mesmo assim, adivinhem? O amor não chegou. E depois vem aqueles boçais "na minha opinião só deveria ter filho quem está preparado". Ió ió  (onomatopeia para burro) para você. Mas e como alguém pode estar preparado para isto além de sei lá, ter uma família estruturada na medida do possível, de ter emprego e situação financeira adequada? Existe algum simulador para futuros pais que eu desconheça? Alguém larga um bebê aqui em casa para ficar um, dois , três meses, digo, meses não, anos, e depois vem buscar para gente saber se é dessa que estamos "preparados"? Não há preparação possível, não há absolutamente nada que nos deixe a par do que é ser mãe e para umas (muitas) isto significa entregar sua liberdade inteirinha sem prazo de validade. E depois, depois vem estas mães de fim-de-semana dizer o que devemos sentir, como somos cruéis e malvadas porque ocupamos tempo com os nossos filhos enquanto estão em um feriado em Paris, em um cruzeiro em Miami ou em um salão fazendo aquelas unhas de gel pavorosas. Amor incondicional é uma ova. Só acredito da boca de quem eu sei que está lá 7 sur 7 jours, fazendo das tripas e do coração paciência. Vai ver isto até é amor.
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