quinta-feira, 7 de agosto de 2014

My precius!


Tenho a mania de tirar e por a aliança vezes sem conta. Sempre que estou distraída ou nervosa começo inconscientemente a fazer este gesto, deslizando sobre os dedos (talvez a única parte de mim que ainda é fina) até chegar ao fim e quase cair. Pois que desta vez caiu. Rolou como nos desenhos animados em direção a uma brecha do sofá e quedou-se por segundos, os suficientes para me darem a impressão de que com jeito conseguiria alcançá-la, para depois sumir em um buraco estreito. Só me veio em alto e bom som um "foda-se" articulado entre tristeza e raiva. Com tanto lugar para cair, tinha de ser logo ali que a minha mão espremida não alcançava! Depois do Fabian dormir, pedi ajuda ao marido para resgatá-la. Tentei com uma espátula de bifes e quase que a perco também. Desencaixamos a chaise longue e a pusemos de pés para o ar. O marido deu umas sacudidas para ver se rolava para o nosso lado e eu cirurgicamente cortei uma parte do forro preto de pvc que não deu em nada, pois o vão que ela caíra não tinha ligação com o resto a não ser o braço do sofá. 
Uma tripa de grampos nos olhavam com jeito de desafio infantil. Era o sofá ou a aliança, o que eu escolho? Eu amo meu sofá branco-chaise-longue-que-passei-anos-a-sonhar-com-ele-na-minha-sala, mas também andar de mãos nuas depois de dez anos? É que nem pensar comprar outro anel nestes tempos. Hum...
Saí de perto e deixei o marido tirar alguns grampos para eu enfiar a mão posteriormente à cata do tesouro perdido. Pensei que dali fosse fácil, mas camadas de espuma e um tecido lanoso tiveram de ser cortadas. Voltei a por a mão e tatear pelo furo com cuidado para não deixar um dedo naqueles grampos. E foi então que a senti finalmente: gelada e encolhida à minha espera. Foi impossível não sentir-me como o Gollum ao deslizá-la para onde jamais deveria ter saído. E cada vez que escuto a expressão "aquele lugar que nunca vê o sol" é neste pedacinho estreito de pele que penso. E que continue assim muitos e muitos anos. 

Facebookeando

Reciprocidade é tudo!


terça-feira, 5 de agosto de 2014

Má educação

É sabido que desde que pus os pés na França incomodei-me com o excesso de merci e pardon. Cada vez que o garçon (no sentido brasileiro mesmo) trazia bebidas, petiscos, molhos, tínhamos de dizer merci. Acho que falamos mais de dez vezes já contando com a hora do recolhimento das sobras. Não bastava um merci na ida e outro na volta? Pois parece que não, mas eu entendo que é daquelas coisas as quais temos de aprender a conviver. Porém o que me irrita mesmo, é a mania tipicamente francesa de ser mal educado dizendo palavras educadas para maquiar. Nestas horas eu dava um braço para saber responder à altura, o que infelizmente me resta na falta das palavras certas, é sorrir e calar (por enquanto). E não foi nem uma mão cheia de vezes que isto aconteceu, foi muito mais. Então a criatura chega-se em determinado lugar e ao invés de pedir, sim pedir porque não tenho obrigação nenhuma de obedecer-lhe, eles mandam a pessoa sair com um s'il vous plait ora porque querem sentar  lado a lado do amigo, namorado, etc, ora porque acham que aquela borda da piscina está bom para eles se abancarem sendo que há trocentos lugares livres em que podem fazê-lo, mas não! São os últimos a chegarem e acham sabe-se lá por um decreto qualquer que tem o direito de ocuparem o nosso lugar só porque usaram as palavrinhas mágicas. O meu grande problema sempre foi pular a linha tênue entre a assertividade e o humor de um gorila disputando território, sendo que geralmente eu escorrego mais para o segundo. Acho que bater no peito e fazer biquinho não abona muito para o meu lado...mas...mas...e se eu falar pardonnez-moi quelque chose no maior estilo Caco Antibes depois... ajuda?

sábado, 2 de agosto de 2014

Coisa de menina


O Fabian chegou em uma idade em que começa a expor o que já absorveu do nosso mundo adulto e o primeiro sinal disto foi a famosa frase: isto é de menina, não quero! E eu retruco, não é só de menina (ou de menino quando diz o contrário), tu podes brincar com o que quiseres.
Peguei-o diversas vezes a imitar os diálogos que tinha com o pai, desta vez passados entre ele e um filho imaginário, o Fabian pequeninho, como ele diz. Assim, quando eu lhe perguntava com quem estava falando, respondia que o filho não o obedecia e que vivia mexendo no carro dele e que era muito perigoso. Pegando pela mão invisível de um bebê, ele caminhava ao redor da sala, levava-o para a escola e se despedia para ir trabalhar.  Eu achei que estava na hora de comprar-lhe uma boneca.
Este ato primeiramente não aceito pelo meu marido, refletiu uma das coisas que eu queria mudar, que é aquilo de dizerem que o homem  "ajuda" em casa. "Ajuda" com os filhos, "ajuda" a cozinhar. E quantas vezes esta frase já me saiu da boca ou quantas escutei por aí? E as mulheres que tem homens que as "ajudam", sentem-se especiais e donas de uma sorte tremenda face àquelas em que o cara é praticamente um filho a mais para cuidar.
 Versa o ditado que para mudar o mundo basta começarmos pelo nosso quintal, portanto nada mais óbvio do que enxergar a chance pequenina que tenho diante de mim. Eu não quero que meu filho "ajude" sua companheira (ou companheiro), eu quero que ele partilhe, o que vai uma grande diferença. Ajudar pressupõe que alguém é sobrecarregado ao invés de encarregado de determinada tarefa ou no caso da gerência da casa e da educação dos filhos, significa além disto que é um trabalho preponderantemente feminino.  É verdade que dos tempos dos meus avós para cá as coisas vem mudando, porque antes não havia sequer a vontade de ajudar. Então o próximo passo seria este, ensinar que todos são responsáveis pelo funcionamento de seu núcleo familiar, cada pessoa é tão importante quanto outra e por haver uma divisão clara de tarefas ou entre-ajudas, não é nenhum favor que o homem faz ao cozinhar, passar roupa, dar banho nos filhos. 
Através do lúdico as crianças introjetam valores e práticas que os vão guiar pela vida adulta, sendo um completo despropósito dar exclusivamente panelas e bonecas para meninas e carros e legos para meninos e esperar que vinte anos depois os papéis sociais não estejam tão engessados quanto a divisão do mundo em rosa e azul. 
Brincar de bonecas e casinha não é novidade para o Fabian, acostumado a dividir com os colegas os brinquedos da pequena casa de madeira montada na sala da escola. Pegar o bebê de plástico, colocar entre os braços, falar-lhe docemente e empurrar o carrinho, não é garantia nenhuma de que ele será um pai e marido fantástico. Mas é a melhor forma de contribuição que uma mãe pode fazer para que se termine de uma vez por todas esta divisão desigual de tarefas. Não queremos só uma mãozinha...nós queremos os braços, as pernas, queremos o corpo todo. 
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