A cidade tem pressa de ir embora. Buzinas ricocheteiam para todos os lados.
Da janela embaciada do ônibus, podemos ver o reflexo do cansaço gravado nos
passageiros em pé. Em uma fresta, passam um mar de guarda-chuvas ondulando no
meio dos carros. Parecem medusas a recolherem-se e tomarem impulso a cada
brecha entre um para-choque e outro. Há vermelho em cada lugar: no semáforo,
nas luzes dos carros. Parar, esperar e angustiar ante mais buzinas. A chuva gosta
de dançar enquanto todos se esquivam. A chuva é uma bailarina inoportuna,
rodopia entre os vidros e a impaciência das pessoas, a qual finge não ver. A
chuva veio para ficar. Desço e caminho pelas ruas do passado. A calçada
é quase portuguesa, não fosse o vermelho das pedras escorregadias. Alguém grita
se quero “gá-da-chuva” ou “sombrin”, não me dou ao trabalho de responder, vou
certa da minha solidão. Ando pelas ruas escuras, atravesso lugares que passava quando
ainda era uma jovem estudante de História, sempre carregada de livros e sonhos.
Hoje carrego medo e preocupações, e embora não tendo mochila, este fardo é
incrivelmente mais pesado que outrora. Perco-me. Para quando um implante do Google
maps no cérebro? Volto, pergunto e para variar ando na direção contrária. Dou a volta e percebo que tenho andado em
círculos. As pessoas devem me achar louca porque falo mentalmente e faço
caretas enquanto isto. Finalmente a parada do ônibus, permaneço embaixo do viaduto.
Alguns minutos depois, estou novamente tentando equilibrar-me qual gado em um
transportador para frente e para trás e para ambos os lados. Uma licencinha por
favor. Passa um rapaz com pasta, passa uma jovem gorda. Quase desmenti a física
porque simplesmente as pessoas insistem em achar que dois corpos podem sim
ocupar o mesmo lugar. Mas os transportes públicos tem as suas regras: aperta
que isto é igual coração de mãe, sempre cabe mais um, e quando quiser descer,
puxa a cordinha, mas antes procure chegar o mais próximo da porta, pergunte a
todos se vão descer na mesma parada e caso contrário, vá rebolando até lá. Afinal
a chuva parou deixando um espelho negro que reflete as luzes vermelhas. As buzinas
diminuíram, o trânsito flui mais rápido. E a cidade tem menos pressa de ir
embora. E eu pelo contrário tenho pressa de voltar para os meus havaianas.
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