segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Domingo de chuva



Ele suspirou e em um movimento brusco puxou as calças. Então olhou para as ancas da mulher enquanto ela rodopiava e rebolava para caber em um jeans justíssimo. Os cabelos grudados nas costas nuas lembravam rios negros descendo sobre a cintura fina de quem ainda não tivera filhos. Foi quando sua voz saiu rouca por entre o algodão da blusa.
- Acho que devia se separar. Não sei como você suporta tudo isto.
- Isto o que? - disse subitamente já lembrando do que perguntara.
- Isto...viver assim sem sexo. Quantos meses...oito?
Ele sacudiu a cabeça. - Sete meses. Eu sei, se está difícil para você nós podemos continuar só amigos, não há problema nenhum. 
Ela virou-se devagar enquanto penteava os cabelos com os dedos. E disse em um suspiro que não, que não suportava vê-lo naquela situação. E que eram amigos e aquilo era apenas mais uma demonstração de carinho que  podia haver entre eles, amigos há alguns anos. Ela olhou para o relógio no canto da cama e colocou a sandália de salto. Sentiu que os olhos dele estavam postos em seus dedos enquanto ela passava as cordas pelo tornozelo. De repente estava pronta e ele deu-se conta de que estava com o tronco nu e ainda sem sapatos. 
- Acha que ainda ama ela?
Ele era todo silencio. Um suspiro e vestiu a camisa, apertou os botões a cada respiração prolongada pela agonia de lhe responder. 
- Eu não sei. Acho que a certa altura nos acostumamos com o outro. E depois tem o menino. A fisioterapia... O ar escorregou pesado pelas narinas. E...bem, já estamos na hora. Deu uma sacudida nos cabelos grisalhos e abriu a porta. Pagou o motel como era de costume e largou-a na esquina da rua em que ela morava. Embaixo de uma árvore, discretamente trocaram um beijo no rosto. 
- O que você vai dizer a ela desta vez?
- Não sei...vou dizer que era domingo e que choveu.
Ela jogou os cabelos para trás e sorriu delicada.
- E quer saber, vou torcer para que chova novamente. 
- Quem sabe?
Ficou a ver a silhueta da jovem ficar pequena até desaparecer na esquina. Ficou olhando para o jeito que a cintura mexia-se e para o traseiro redondo que havia apertado no êxtase naquele quarto. E sorriu amargamente, porque ela sequer imaginava que ainda naquela noite faria amor com sua mulher, que seu casamento era feliz, aparentemente. Sequer imaginava porque era  nova demais para saber das mentiras que os homens contam. Mesmo para suas melhores amigas. E filosofou que quando descobrisse provavelmente não mais lhe falaria e então ficaria como aquelas mulheres amargas depois dos trinta. Deu a partida no carro e sorriu. Saberia aproveitar enquanto pudesse. E nos seus olhos fugiu uma gota. Não chorava, era apenas o seu reflexo no espelho retrovisor. E não é que ficava mais sensível nestes domingos de chuva? Ou pelo menos gostava de pensar que sim.

sábado, 15 de setembro de 2012

Seguro contra filhos

Existe seguro contra acidentes naturais, existe seguro contra incêndio, contra acidentes de carro, existe seguro de vida, agora nunca ninguém pensou em fazer um seguro contra filhos? Talvez porque dificilmente fosse rentável. Mas pensa bem, quando tudo corre mal, quando já não se suporta mais "mãe, mãiiii, mãe (sacudindo e puxando sua blusa) , mmmãee... ohh MÃE!"? E de repente surge à sua frente uma equipe de massagistas e você dá-se conta que já não ouve nada mais, tudo ficou para trás como se estivesse em uma bolha. E uma viagem uma vez ao ano e um dia de dondoca uma vez ao mês e um jantar a dois uma vez por semana e uma noite de namoro com as crianças devidamente adormecidas e vigiadas pela super nanny.E tudo isto e muito mais: a sua garantia de que não vai enlouquecer aos berros quando o pequeno faz uma birra no mercado e que não darão mais de 10 anos sobre a sua idade. E nem terá orelhas eternas, nem culotes a mais. E garantimos que não terá de descontar nos doces, nem se contentará em lamentar a sorte da vizinha (que aparentemente tem os filhos mais educados do mundo). Isto seria bom demais para ser verdade, mas que faria muita mãe feliz, disto não tenho dúvidas...

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

O nosso tempo

Não tem coisa melhor do que ver a lista de amigos on line e ler "Você está invisível. Deseja ficar visível para que seus amigos possam falar consigo?". E responder com um sorriso indisfarçado um grandessíssimo N-ã-o! Quantas vezes já não quis fazer isto, principalmente naqueles dias negros que antecedem a maldita menstruação. Estar ali em silêncio, observar o que os outros fazem, mas permanecer invisível a todos. Enrolar-se sob a capa da invisibilidade como se ela desse mais poderes que ao super-homem, e sentir-me uma heroína cansada de fingir. Que norma de educação é esta que impomos ao rosto em que só podemos sorrir? E lá dentro vem uma voz apertada que manda e desmanda ficar calada, sentar quieta, agradecer, não discutir. Ah não sabe rir? Eu lhe ensino, a boca arreganha assim. Os dentes tem de espiar todos a rua, entendeu? Eles não podem ficar escondidos, infelizes.  Aliás após toda esta luta pela democracia dos sentimentos, eis que vivemos em plena ditadura da felicidade, onde todo mundo tem uma vida maravilhosa, daquelas super oxi action multi, estilo vanish no mais alto rosa choque. Se é mesmo assim? Acho que quanto mais perfeito, mais desesperado soa aos olhos. Mas a vida mudou e levou-nos com ela para este mundo virtual, onde as pessoas vagam enganando umas as outras. E enquanto isto, deixo-me ficar invisível, guardo a tristeza como se de uma coisa clandestina se tratasse.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

O ministério da saúde adverte

Morar com a sogra pode deixar o seu marido temporariamente insano e inclusive causar separação.
Ah pois é, estou sem o marido até domingo...custa mas melhor assim do que ter de aturar seu mau humor para além do meu.  Eu sei, dizem que mãe deveria ser eterna e eu penso que não...mãe só tem uma, mas pena que dure tanto... 
Tenho uma péssima relação com a minha mãe. Acho que esta minha auto hipnose foi aperfeiçoada nos anos em que convivemos. Ela não se contenta só em falar e ser desagradável uma vez. Não, ela tem que repetir como uma vitrola quebrada o que ela acha que deveríamos fazer e no fundo ela já disse sem pestanejar que quer que o Fernando vá para longe e fique só a me mandar dinheiro para mim e para o Fabian. Às vezes eu ignoro, às vezes eu trato de lhe desmanchar este prazer. Ela quer tanto que eu tenha minha profissão, que me forme e tenha consiga meu sustento, mas se for a custas de ter de ficar na casa dela até conseguir caminhar com as próprias pernas, nã! Para ter uma idéia de como incomoda este pequeno defeito da minha mãe, ontem após ter me intimado a ir com ela numa consulta, me entra com este assunto em meio a sala de espera. Mas então o Fernando acha que vai para a França? Olha que aquilo também vai muito mal. E tu, tu tem que ficar aqui trabalhando. E eu, mãe, eu já disse que vou com ele assim que tiver condições. Acha que quero ficar cinco anos morando com vocês? Ah mas eu não vou mandar dinheiro para vocês, eu não tenho dinheiro pra mandar para vocês em euros. Não te preocupa, mãe, não vai precisar. E pensei, deus que me perdoe, mas prefiro morder a língua para matar a fome do que depender de novo de vocês. Quando eu digo que ninguém estende a mão sem querer algo em troca...ela quer apenas a minha vida, só isto: a minha vida.
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