domingo, 5 de janeiro de 2014

Eu e o peso, o peso e eu

Quem está aqui há pouco tempo não sabe desta heroica luta entre o bem e o mal que travo desde a adolescência, provavelmente nem deveria, mas como o blog é meu e escrever é uma terapia, lá vai. Eu era uma pessoa magra, uma pessoa que até os seis anos foi magérrima (não que isto fosse bom), mas daí até a adolescência passei por um efeito sanfona que era assim: uma ditadura alimentícia nas mãos da minha mãe e uma democracia cara-caramba-cara-cara-ô, república das bananas mesmo, nas mãos dos meus padrinhos no período de férias escolares. Então eu engordava tudo que a mãe tinha tido o trabalho de me fazer perder nos três meses que tinha na praia e demorava por sua vez um ano para emagrecer novamente e três meses para engordar outra vez em um ciclo que terminou aos quatorze anos. Porque simplesmente eu deixei de emagrecer e vi o ponteiro ir para os setenta. Mesmo com a minha estatura mediana de quase 1.70 (1.69 para ser exata) deixava-me com pneus na barriga e principalmente umas pernas grossas que sempre detestei. Aí quando o amor bateu na minha porta, trouxe com ele uma onda de auto-estima e descobri a academia. Vesti uns 58 quilos e deles pouco distanciei-me porque o meu corpo ficou feliz e agradecia queimando todas as calorias a mais mesmo quando não malhava duas horas por dia cinco vezes na semana. Mesmo quando não malhava nada por meses. 
Resolvi engravidar, fiz tratamentos de fertilidade e isto implica em tomar hormônios que por si mesmos não engordam, só fazem inchar por aquele ciclo, o que engorda mesmo é a ansiedade e a montanha russa que é lidar com o não que às vezes a vida nos oferece. No segundo tratamento voei para os 66 quilos e foi assim que comecei a minha gravidez. Cheguei ao final com oitenta (vou escrever por extenso pois isto me soa mais dramático). Oitenta quilos!!! Onde deixei minha vergonha na cara? Deve ter caído entre um pacote e outro de pipoca   doce que mandava pedia para o marido buscar no cinema de Cascais. Não faço o tipo de gordo que chora as remelas e faz beicinho com a cara mais inocente do mundo: não sei como engordo... Eu engordo com o ar, só pode! 
 Não, eu sei porque engordei, aliás eu sei com o que engordei  o que é diferente. E isto a maioria das pessoas sabem porque nunca vi ninguém que ganhou 10 quilos porque só come couves. Agora o porquê engordei já vou chegar lá. 
Achava eu que tinha conseguido manter meu Santo Graal da sanidade que representava os meus 58 mais coisa menos coisa, mas depois de analisar bem a situação, vi que não foi bem assim. Engordei (e emagreci depois) quando me mudei para Portugal, onde pulei três etapas ao mesmo tempo: saí pela primeira vez de casa, troquei de país e casei. Depois quando tive de passar uma temporada em Paris porque o marido tinha uma formação lá, depois porque engravidei, depois porque o marido perdeu o emprego e voltamos para o Brasil e agora quando pela segunda vez tenho de me adaptar a uma outra cultura. Todas as vezes que engordei foi uma resposta automática para o meu desespero. Para a minha inabilidade em lidar com mudanças, para a minha resistência com a vida. E isto aconteceu não porque eu sou uma masoquista emotiva, mas porque naquele período eu não quis me escutar, não quis escutar os pedidos de socorro que eu mesma gritava. Eu jogava doces para acalmar as feras. Os homens possivelmente não entendem porque para eles o mundo é muito prático, vai ver os monstros deles são menos exigentes e contentam-se apenas com futebol e cerveja gelada.
O que acontece aqui dentro é uma hipnose profunda que vai deitando-me a vontade abaixo, vai corroendo a engrenagem das pernas, enferrujando-me, impedindo-me de andar. Ah foi só um quilo, amanhã foram dois e três e quatro e quinze... Há uma inconsciência de si mesmo, uma dormência que começa por nos fazer fugir de fotos, de comprar roupas bonitas, de sair até. De sair. Porque faz tão frio aqui dentro...e o sol demora meses para atravessar todas as nuvens. E percebo que a cada perda de peso há somente um número novo na balança, que vai embora tão depressa porque tenho de parar com a mania de atirar doces a cada vez que acontece algo qualquer aqui fora. Tenho de parar com esta mania de fazer que não é comigo, porque todas as vezes que virei para o lado deu nisto. Inflei de medo. E talvez o meu medo maior tenha sido me perder pelo caminho... e por ironia da balança  foi justamente o que fiz neste tempo inteiro.

Cumé qui é?



Chegamos a um ponto em que o Fabian não fala nem português nem francês. O pouco de português correto para uma criança de três anos teima em derrapar em um Fabianês afrancesado que nada mais é do que aquela língua própria que as crianças se tornam fluentes antes de qualquer outra. Ele imita os sons, o "r" carregado, o ir com com som "ar", e uma série de fonemas que eu mesma não tenho a mínima ideia de onde saíram. Assim está a cabeça dele: começa a falar uma frase e no meio já está falando "francês" ou frantuguês ou portucês. Sei lá. E não é que a gente se entende?

sábado, 4 de janeiro de 2014

Poesia do cotidiano

Ao ir lavar a louça e com minha mania de fazer as coisas na penumbra, reparo na árvore do vizinho bem em frente à janela. Os galhos secos e torcidos desvendavam as gotas de chuva sobreviventes que por sua vez brilhavam pela luz que recebiam do poste do outro lado da rua. Era uma árvore de Natal à moda da própria natureza, ali enquanto ia fazer uma das coisas mais chatas da vida doméstica.




Tá certo que as fotos não ficaram grande coisa, mas o que vale é a intenção.

Para que não haja dúvidas



Tenho um medo absurdo quando me perguntam o que eu faço. Não é por ter vergonha de ser dona de casa, mas é mais pela dicotomia entre dizer ou não que sou formada em História. É o olhar de susto das pessoas como se eu fosse um ser extra terrestre que às vezes pode significar nada menos do que pena, se vocês soubessem a situação dos professores no Brasil... 
O medo é justamente da percepção da maioria das pessoas que me acham automaticamente com cara de calendário e sacam de lá uma pergunta: sabe o que aconteceu no dia 18 de abril do século XIX na Rússia? Peraí, calma na carroça. Eu não sei a história do mundo desde que os primeiros homens das cavernas descobriram o fogo. E mais: eu não sei toda a história moderna, desconheço uma série de coisas umas por que não me interessei em saber e outras porque simplesmente não caberia na minha na cabeça, é possível, acreditem! É mais ou menos como exigir que um médico seja perito em uma doença a qual não é sua especialidade. 
Quando lembro-me da cara que os meus colegas de Psicologia faziam quando tínhamos umas meras vinte folhas de um artigo para uma aula, eu ria por dentro. Tá certo que era em inglês, mas nada bate as 100 páginas que tínhamos de ler apenas para uma aula das sete cadeira que estávamos matriculados. Eu li tanto, mas tanto nestes quatro anos que acho que isto devia valer para que no resto da minha vida não precisasse tocar em nenhuma linha.
 Não é só porque é preciso fazer um recorte na História, não é só porque aprendemos a história do Brasil desde os descobrimentos até Jango com descompassos cronológicos ou a história Medieval até a Moderna européia, ficando de fora (embora fossem opcionais) estudos africanos, período pós Guerra Fria, história da Ásia, e América do Norte, etc. É porque para cada assunto chave (ou seja quase todos já que estão no currículo do curso) tínhamos vários pontos de vista de vários historiadores de vários períodos históricos. Para quem tá de fora fica difícil entender, mas a história é mais ou menos como um jogo de detetive, as pessoas vão te dando pistas e temos de ser nós mesmos a "descobrir" quem matou a Dona Branca com o castiçal  na sala de música. Não é nada daquilo que Hollywood faz para aparecer Mel Gibson e seus olhos azuis e litros de sangue artificial. Ou até é se formos analisar como o século vinte fez a releitura sobre determinado fato histórico. Mas como ia dizendo, a História não é uma história como aquelas dos livros infantis, com início meio e fim. É mais parecida com um enredo maleável ao qual milhares de cabeças se juntaram em anos diferentes para dar forma aos personagens que são tão movimentados, (re)inventados e (re)costurados que deles mesmos pouco se sabe. Na história o protagonista somos (e fomos) nós desde sempre.
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