quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

As brigas

Ontem o Fabian voltou da escola com um arranhão no pescoço e a gengiva cortada. Tem um hematoma tão grande dentro do lábio superior que mal consegue fechar a boca. Eu sei que meu filho não é flor que se cheire, mas eu fico apreensiva com esta situação. Ele é um menino enorme, com tamanho de cinco anos, mas tem a cabeça de um menino de três, ainda acha que as disputas se resolvem na força. Muito provavelmente andou se metendo com um menino maior que ele. Quando perguntei quem tinha feito aquilo, disse-me que foi "o menino escuro", se ele não estiver inventando (o que é comum acontecer), agora faz sentido o tapa furtivo que deu em um colega da escola negro a minha frente e sem qualquer razão para tal. 
Dói, eu sei que dói e por mais que o aconselhemos que não comece uma briga e que brinque direito, a verdade é que a escola é o primeiro batismo social das crianças e como tal, lá irá aprender como na vida, seja no amor, seja na dor. O problema é que nem tudo um pouco de gelo resolve.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Enquanto isto, nas aulas de francês

Chegamos em um impasse. Que é como quem diz, não estou mais nem ao nível dos meus colegas e ainda (acredito) estou longe dos outros, os que já falam francês. A professora já havia me falado da possibilidade de mudar de turma, a mim e a outro colega do Kosovo. Acontece que com medo (e talvez um pouco de acomodação) fui me deixando ficar, convencendo-me de que não seria a melhor opção para mim. Mas depois de um mês das "invasões georgianas", as aulas tem vindo a regredir a fim de que os novatos recebam toda a matéria dada antes deles chegarem. Deixou de ser desafiador, parei inclusive de tentar realizar traduções mais elaboradas e escrever em francês. Hoje depois de corrigir minha folha de exercícios sem nenhum erro, disse-me que era hora de passar para o professor Jean Claude. Assisto mais a aula de quinta e depois das duas semanas de férias, mudamos eu e o outro colega para outra turma. Friozinho na barriga à parte, acho que vai ser bom, nem que seja para pegar no tranco.

O homem francês

Ele colocava as compras sobre a esteira em um balé de mãos delicadas. Agarrava, tirava, olhava timidamente para a senhora da caixa em busca de aprovação. Ou não. Era calvo e muito magro, suas roupas eram tão ajustadas que imagino que exista uma loja só para este tipo de corpo fora do padrão. Que aliás, aqui na França nem é tão fora assim, pois nunca vi tanta gente magra por metro cúbico. 
Eu e o marido olhávamos com a ânsia característica do cliente a seguir, mas ele não se importava. Pagou, sorriu e agradeceu em um tempo só dele, como se estivéssemos em universos paralelos. Dessincronizados. 
Na verdade não querendo tecer um estereótipo, mas apenas baseando-me pelo meu sentido de observação, aquele homem que estava a nossa frente na fila do mercado, é um exemplo clássico do que parece representar o que chamaríamos de "homem francês". Frágeis de aparência, magros, altos na mesma proporção de timidez, ou seria polidez? Eu não sei, mas intriga-me este jeito quiçá afeminado se comparado ao "macho latino", impetuoso, que flerta, que olha, que anda com passos seguros de si. Não, o homem francês não olha para as mulheres, neste tempo todo nunca vi nenhum desviar o olhar para uma mulher bonita, muito menos virar o pescoço. Se a Cláudia Schiffer ou qualquer outro mulherão passasse por aqui, ia estranhar a indiferença e possivelmente ficar um tiquinho deprimida. Acho que o quadro se torna ainda mais contrastante se analisarmos os franceses perante a maior fatia de imigrantes, os árabes. 
No filme Benvienue chez les Ch'tis, na última cena, o personagem principal chora sem cerimônia agarrado a outro homem que por sua vez também chora. É uma despedida. Na nossa cultura é compreensível (cada vez mais) que um homem chore, mas diante de certos momentos de dor como em face à morte e principalmente diante das pessoas "certas". A mulher, os pais, os irmãos e pouco menos.  É engraçado ver o nosso estranhamento diante daquela cena que reflete uma ausência daquela sacudidela de pó tão característica do homem brasileiro. Do "alto lá, sou homem!", e um desconcertante tapinha nas costas, muito másculo para não comprometer. As lágrimas, eles engolem, na maioria das vezes, à medida que olham para o lado buscando desentupir aquele nó que se instalou na garganta. Naquela cena, dois homens franceses heterossexuais se abraçam e choram sem medo, sem culpa. Estariam eles tão seguros de sua masculinidade a ponto de pensarem que não precisam de provar nada a ninguém? E desta feita veio-me a imagem e o pensamento preconceituoso, é certo, com que encarei pelas primeiras vezes o homem francês. Aquela aparente fragilidade esconde uma coragem que muitos homens brasileiros (e quem diz brasileiros diz qualquer outro macho latino) não têm...

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Traz-me a primavera



pousa em meus lábios este teu jeito de chuva
desce devagarinho pelas curvas da minha aridez
veja, ela tem sede.
deixa que beba de ti
deixa que se embriague e abuse...
deixa-a tonta a vagar por mais
deixa  os teus sonhos libertarem meu sol
fazendo cair aos teus pés
os meus medos
um a um
(não junta-me)
deixe a carne toda espalhada
 em promessas pelo chão
fecundando um pensamento insípido por vez
beija-me com tempestade
e ama-me garoa fininha
pouquinha, mas longa
 por muitos dias
e assim, vá varrendo de mansinho
este inverno cá de mim.

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