terça-feira, 9 de junho de 2015

O sino



O Fabian não sabe o que é uma igreja. Ele a chama de relógio. É fascinado com o sino: "o que ele tá dizendo"? Qualquer coisa como é hora de ir pra casa, respondemos. Já entrou diversas vezes na igreja de Saint Raphael, olhou para as velas e para as imagens. A única coisa que lhe digo é para fazer silêncio, não tenho a mínima vontade de contar as ladainhas que fizeram parte da minha infância. Não, querida sogra, lá não é a casa de Deus. "Quem dormir sem rezar três aves Maria e um pai nosso vai pro inferno", dizia a madre ossuda do colégio de freiras. "Tem certeza de  que é só isto?", falou-me outra vez o padre na minha primeira confissão antes da missa de comunhão. Falou como se soubesse que já havia descoberto as maravilhas do sexo à sós. Ele sabia. Mas e isto é pecado por quê? Deus daria uma coisa boa destas ao alcance de nossas mãos e depois proibiria? Condenaria ao inferno eterno? Não acredito em Deus, no Deus caprichoso, volúvel e mesquinho que os homens criaram.
Não acredito nos seus fiéis. Como aqueles que se escandalizaram perante uma mulher trans crucificada durante a parada gay de São Paulo. Ó que horror, ainn respeitem a minha religião! Pois eu digo que isto não é fé, mas sim vaidade. Quando olham para a foto, não sabem interpretar e pensam só em "como me sinto ofendido com isto", não passam de umas ovelhas ignorantes.  Não veem que este símbolo está sendo usado como forma de protesto direcionado a uma sociedade que os julga e crucifica todos os dias. Além do mais, bafafá armado por quem quer impedir o casamento gay, a adoção por casais homoafetivos, e que certa vez se dispôs a implementar  um projeto de "cura homossexual". A bancada evangélica e cristã (quase uma redundância se não pensarmos que os evangélicos são uma espécie de radicais católicos com muito mais interesse no cu alheio) cresce a cada eleição, o que traz uma dúvida sobre até quando seremos um país laico. Alguém aposta que daqui uns anos o dízimo possa fazer parte da vida de qualquer cidadão brasileiro tal qual o imposto de renda? 
Voltando à pergunta: o que o sino diz? Como se cada vez ele quisesse falar uma coisa... Como ensinar metafísica para uma criança de quatro anos? Como dizer que Deus é só um personagem usado para manipular, enriquecer, matar, e que ele não existe? Que aquilo que acredito está em todas as coisas, é uma energia, não tem forma, não se ofende com polêmicas de facebook, nem se restringe a uma parede e uma cruz? 
Não sei o que o sino diz....mas acho que tá na hora de ir para casa.


Se 'Deus' for mesmo brasileiro, ele é chegado em uma zueira, portanto acho que a ideia de hackear a página do Feliciano foi dele.




segunda-feira, 1 de junho de 2015

domingo, 31 de maio de 2015

Simplicidade é tudo




Tudo começou quando vimos um videozinho destes que está muito na moda na internet, de um menino que não devia ter mais que a idade do Fabian tocando piano divinamente. O marido de boca aberta solta um "Bahhh, impressionante" e eu já saio com: tá vendo, isto que é dom. Começamos aquelas conversas que algumas pessoas só conseguem ter na mesa do bar enquanto bebericam uma cerveja, nós fazemos isto no sofá da sala (por falta de algo melhor). 
O mundo para mim sempre esteve dividido entre pessoas talentosas porque tem o dom, aquelas que tem o dom da técnica e aquelas que tem jeito. Não significa dizer que quem tem o dom nasce sabendo tudo, mas que um pequeno estímulo serve como gatilho para a exposição de determinada habilidade e uma vez que este indivíduo tenha meios, mesmo que sejam precários, o talento se desenvolve rapidamente com ele à medida que o pratica. Quem é bom porque treinou muito, consegue chegar  perto dos primeiros e às vezes é difícil  distingui-los. Os que tem jeito são a maioria da população que por motivos vários desistem  de suas aptidões. 
Eu sou uma que tinha jeito para o desenho. Lembro de inclusive ser a escolhida para desenhar um cartaz em nome de todos os alunos da escola porque era a única criança que conseguia razoavelmente desenhar uma mão. Assim como recordo do contrabando artístico que eu fazia desenhando para os meus colegas  reproduções de pintores da Semana de Arte Moderna. Nunca me senti tão popular como naquela época. Mas vai saber, isto não despertou a atenção da minha mãe, imagino se fosse alguma área das exatas se não ia ter participado de "oficinas" e coisas do tipo. 
Quando eu tinha sete anos, o tema era fazer uma redação sobre as férias e eu fiz sobre uma viagem com o meu pai*. Ele veio me buscar em um avião de madeira vermelho, nós passamos pela cidade e vimos as pessoas bem pequeninhas lá  embaixo e no final "tudo era ilusão". A professora chegou a falar para a minha mãe que admitiu-se impressionada. Naquele tempo internet era um sonho distante e as crianças tinham menos expectativas nas costas...
Não acho que tenha o dom, eu acho que tenho jeito para escrever, embora hoje pudesse ter mais se não fosse a preguiça e auto-comiseração companheiras constantes. Uma das coisas que diferencia as pessoas que tem o dom das outras, é a simplicidade em tocar um monstro que é um piano com trocentas teclas, fazendo com que pareça com um afago que se faz a um cachorro peludo. Pessoas assim fazem pensar que até eu poderia  aventurar-me sem sofrer um arranhão. Pessoas como o Leonardo Sakamoto que brincam com as palavras com uma destreza tão linda que apetece a qualquer um  afinar o alfabeto e compor uma canção.

*Meu pai nunca me assumiu nem financeiramente nem emocionalmente. Tudo que lembro dele foi o primeiro e último encontro que tivemos quando eu tinha cinco anos.


"Primeiro, foram os nomes dos netos. Depois, a literatura que amava. E ela foi largando sua bagagem. Foi estranho, mas o Alzheimer lhe concedeu o direito a uma lembrança. O que é forte o suficiente para vencer o vazio? Para ela, o primeiro encontro com o marido. Passava as tardes na janela, esperando. Ele, todos os dias, por um ano, trouxe margaridas. Numa noite, disse: “Não precisa mais. Já te amo”. E dormiu."


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"Raquel ensaiava a entrada triunfal na Sapucaí há anos. Perto de fevereiro, adiava a fantasia. Até que um câncer lhe deu direito a apenas mais um Carnaval. Juntou economias, pegou um ônibus e só parou quando cruzou a Apoteose. Enfim, estava em paz. No seu último dia, riu da pressa do repórter que cumpria uma pauta. “Não é o tempo que passa voando. É a gente que atropela a vida.'' E confessou: “Vou viver para sempre''.


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"Ele sabia ler a chuva. E escrevia pela enxada. Sua tristeza eram as mãos, feridas pela necessidade. Por nunca ter segurado um lápis, fez o impossível para seu menino. Na hora da foto de formatura, plantou fundo as mãos nos bolsos da calça surrada, com medo de envergonhar o filho doutor. Com carinho, o rapaz as colheu, abriu feito palma de flor e desferiu longo beijo. Desde então, Emanuel sorri quando olha para elas."

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"Vó curava os dias tristes com bolinhos de chuva e esticava as manhãs leves com broas de milho. Cair da bicicleta dava em galinhada; perder um dente, em sorvete de nata. E para dor de saudade, vó? Ela sabia que, para isso, não havia receita, pois durante anos tentara cozinhar a perda do vô. E jogou o soluçar do neto no ombro, tirando o amargo de sua boca e enganando o vazio."

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"Fazedor de arco-íris, seu avô dizia que era dele a tarefa de pintar os céus depois de tempestades. Ao fim de um aguaceiro, ele se refugiava no velho moinho, girava a roda d’água e uma curva colorida se abria no horizonte. Orgulho. Quem além dela tinha avô poderoso assim? Até que, em uma tarde sem nuvens, o coração do velho desabou sobre a plantação. Ela, em prantos, correu para o moinho a fim de pintar para ele. Girou, girou, girou, mas nada. Vendo tristeza tão sincera, o céu se encolheu e chorou. E o mais belo arco-íris que o mundo já viu se fez."

Eu e esta minha mania de musicalizar a vida

Não tem vez que resolvo escrever sobre qualquer coisa que uma palavra não leve a outra, que leva finalmente a uma canção. Ia falar sobre as gaivotas e no quanto é difícil se escapar da merda, venha ela de cima ou debaixo. Estava atravessando a rua outro dia e senti que alguém havia me atirado uma pedra, só que era uma pedra verde e gosmenta. A primeira vez a gente nunca esquece...
 Tem quem tenha periquito de estimação, cocota...minha vizinha do prédio em frente tem uma gaivota. Agora falando assim ficou parecendo aqueles poemas toscos, juro que não foi a intenção! Bicho sacana que é gaivota. Come de graça e ainda caga tudo e depois ri. Cada vez que escuto ela "rindo" à la Fafa de Belém, imagino que tenha acertado  na cabeça de alguma criatura. 
Quando fiquei sabendo que O Pato de João Gilberto ganhou uma versão francesa, pensei se não ia começar com ~ a gaivota vinha cantando alegremente (nhén nhén) quando a pomba sorridente pediu para entrar também no samba (no samba, no samba). Samba Dingue ou samba do maluco, toca em looping na minha cabeça e no mp3 também. Não tem aquelas musicas que se tem medo de enjoar, mas que a vontade de escutar é sempre mais forte? E não é que a língua  de Molière tem tudo a ver com samba? "é por tudo, quando eu penso que sou um maluquinho, quando misturo o francês ao Brasil", bem melhor do que o suposto samba que uma gaivota, uma pomba e um cisne (nunca disse que mora um casal de cisnes bem na esquina onde o rio se encontra com o mar?) poderiam fazer. Mas isto eu sou suspeita para falar, porque sou dingue, dingue, dingue como diria o Raul, maluca beleza, pelo samba. 


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