sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Ai ai ai ai...tá chegando a hora

E eu aqui com uma dor de cabeça infernal... Enquanto aguardo a hora de buscar o Fabian na escola, dou uma última passada de olhos pela casa. Hoje virão duas famílias para conhecer o apartamento: um casal com um filho e uma mulher solteira  com duas crianças. Ainda tenho marcado também um rapaz que quer comprar o vidro de proteção para o iPad anunciado há mais de mês e que comprei errado. 
Depois do marido quase me enlouquecer com a paranóia de que a empresa de mudança podia ser fria, eis que está tudo certo. Afinal não atendiam o telefone porque resolveram tirar férias no natal. De noite chega o marido devidamente motorizado, amanhã passamos no Ikea e Leroy Merlin para comprar as caixas e alguns móveis que nos fizeram falta um ano e meio. E decorações, o que der para comprar. Nem acredito que vou finalmente ter um lustre na sala. Eu acho que estou me portando tão bem...passei este tempo todo olhando para um buraco no teto sem me incomodar (tanto). Vá me chama de neurótica marido, que eu acho que sou das poucas que ia aguentar isto!
Enfim, encaixotar nossa vida de novo e pé na estrada. Nove horas de viagem, mais de 900 quilômetros de "já chegamos?", "quando é que nós chegamos?", "deu agora?", mas no fim quando olhar depois da curva da estrada que vai a Nice e ver o mar, as luzes pequeninas como se fossem vagalumes coxilando , vou ser feliz. Tenho certeza de que vou ser muito feliz.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Fabionices

- Mãe, o papai mora lá embaixo?
- Sim... (Apesar do Fernando não gostar, continuo dizendo lá embaixo ao invés de Sul)
- Os pinguins moram lá embaixo?
- Sim...
- Então o papai mora com os pinguins??

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Entre a cruz e a espada

É assim cada vez que eu tento falar sobre os muçulmanos aqui da França. Mais do que ninguém (ou pelo menos do que meus colegas historiadores ratos de biblioteca) sei o que é sentir-me cuturalmente indesejada. Não vou falar sobre a complexidade e a não tão óbvia linha que separa nacionalidade, cultura e religião, no entanto é bom fazer uma ressalva que para a maioria das pessoas isto dá no mesmo: são árabes e pronto. Dizia eu que sei como é sentir-se rechaçado, ouvir comentários, aguentar olhares, gracejos e preconceito sobre a minha "brasilidade" como se esta fosse um defeito de caráter. Não há o que se discutir quanto a isto, a xenofobia é uma realidade dura e persistente na vida de um emigrante. É uma ferida invisível, mas que sangra cada vez que é cutucada e o é em grande parte das vezes, que para não enlouquecer obriguei-me a fingir. Tornei-me dura, é verdade, mais inflexível do que já era. Às vezes tenho um filtro que só deixo cair perante conversas com o meu marido, e com ele troçamos dos outros tanto quanto o fizeram conosco. É uma reação pobre e fútil, talvez infantil, mas acima de tudo inofensiva (não lembro de ninguém  morrer por minha causa). Enfim, entendo muito bem o lado dos muçulmanos.
 Um episódio caricato aconteceu uma semana atrás quando um homem veio ver o apartamento para alugar, e que por acaso, foi o único que falou pois o resto da família não compreendia francês. O cara foi extremamente estúpido comigo, minha vontade inicial foi bater-lhes com a porta na cara, mas suspirei, e no fundo vi a mim mesma anos atrás...era como se a qualquer momento esperasse ser agredida. Eu me encolhi, ele resolveu gritar mais alto do que qualquer um que lhe falasse.
Sobre este atentado, já se sabe que as reações cairão sobre todos eles, radicais ou não. E é isto que me assusta, no primeiro momento dar por mim a odiar pessoas que nem conheço, com a visão atordoada pela covardia. Percebi que é fácil, muito fácil despencar pela raiva. Há muitas coisas que não gosto particularmente na religião que seguem, uma delas me dá um nó e inclusive ouvi de feministas sobre as mulheres "gostarem" de usar véu. É um assunto que fica para a próxima. 
A liberdade de expressão tão acarinhada pelos franceses, foi a vítima deste sistema de frágil convivência. Vocês fingem que se adaptam, nós fingimos que os toleramos. De um lado o humor mordaz e crítico ao qual não escapa nem o papa, nem a Le Pen,  e do outro, a lança fundamentalista de uma religião que lembra a igreja católica da Idade Média. Tão anacrônico quanto um dinossauro a pisotear prédios como se fossem de papel, é a idéia de que há liberdade, fraternidade e igualdade por estes lados.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Stand by

Falta quase uma semana para a mudança e eu ainda não fiz nada. A casa está como se nada fosse acontecer, como se eu simplesmente a fechasse para ir no mercado e voltasse meia hora depois. Mas sei que é apenas questão de tempo para chaveá-la ao meu passado, mais um lugar que já foi nosso e que não podemos voltar. Às paredes tortas, às janelas tortas erguidas algures em 1700, que em breve vão despedir-se de mais um punhado de almas que gestou. Penso se a casa tem memória e se as vive com tanta intensidade como costumo visitar a um mundo que se desvaneceu. Vive e será que recolhe um pouco de nós para sua existência  de barro e toras velhas? Um poeta da minha terra costumava dizer: eles passarão, eu passarinho. Pessoas passam, deixam suas marcas em furos jamais tapados, em bordas ou chão manchado. A casa fica. Parece a própria face da eternidade. Nunca consigo imaginar um edifício em seu lugar, muito menos uma daquelas caixas de vidro que infelizmente se tornaram o "must do" dos engenheiros moderninhos.
Ela parece troçar dos meus receios de que rua quando a abandonarmos. Mas ela é forte, teve de ser. Conserto feridas com um pouco de corretivo. Salpico-a de um branco mais branco do que o papel de parede. Ela sabe que é difícil para mim, terei de domar meus impulsos obsessivos e que aqui estavam finalmente  adormecidos. Já lhe disse que lá onde vou morar o chão é de lajota enviesada? E do quanto vai me custar olhar para baixo e não me dar faniquitos ao pensar quem é que teve a ideia de estragar um apartamento tão bonito? Lajotas enviesadas. Por tudo. Como se fossem a roupa de um arlequim.
Falta quase uma semana para a mudança e eu ainda não fiz nada. Mas de repente parece que fiz muita coisa.
Arlequim chora a cada vez que resolvem assentar lajotas enviesadas ao invés de piso de gente normal.

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