segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Stand by

Falta quase uma semana para a mudança e eu ainda não fiz nada. A casa está como se nada fosse acontecer, como se eu simplesmente a fechasse para ir no mercado e voltasse meia hora depois. Mas sei que é apenas questão de tempo para chaveá-la ao meu passado, mais um lugar que já foi nosso e que não podemos voltar. Às paredes tortas, às janelas tortas erguidas algures em 1700, que em breve vão despedir-se de mais um punhado de almas que gestou. Penso se a casa tem memória e se as vive com tanta intensidade como costumo visitar a um mundo que se desvaneceu. Vive e será que recolhe um pouco de nós para sua existência  de barro e toras velhas? Um poeta da minha terra costumava dizer: eles passarão, eu passarinho. Pessoas passam, deixam suas marcas em furos jamais tapados, em bordas ou chão manchado. A casa fica. Parece a própria face da eternidade. Nunca consigo imaginar um edifício em seu lugar, muito menos uma daquelas caixas de vidro que infelizmente se tornaram o "must do" dos engenheiros moderninhos.
Ela parece troçar dos meus receios de que rua quando a abandonarmos. Mas ela é forte, teve de ser. Conserto feridas com um pouco de corretivo. Salpico-a de um branco mais branco do que o papel de parede. Ela sabe que é difícil para mim, terei de domar meus impulsos obsessivos e que aqui estavam finalmente  adormecidos. Já lhe disse que lá onde vou morar o chão é de lajota enviesada? E do quanto vai me custar olhar para baixo e não me dar faniquitos ao pensar quem é que teve a ideia de estragar um apartamento tão bonito? Lajotas enviesadas. Por tudo. Como se fossem a roupa de um arlequim.
Falta quase uma semana para a mudança e eu ainda não fiz nada. Mas de repente parece que fiz muita coisa.
Arlequim chora a cada vez que resolvem assentar lajotas enviesadas ao invés de piso de gente normal.

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