domingo, 31 de maio de 2015

Simplicidade é tudo




Tudo começou quando vimos um videozinho destes que está muito na moda na internet, de um menino que não devia ter mais que a idade do Fabian tocando piano divinamente. O marido de boca aberta solta um "Bahhh, impressionante" e eu já saio com: tá vendo, isto que é dom. Começamos aquelas conversas que algumas pessoas só conseguem ter na mesa do bar enquanto bebericam uma cerveja, nós fazemos isto no sofá da sala (por falta de algo melhor). 
O mundo para mim sempre esteve dividido entre pessoas talentosas porque tem o dom, aquelas que tem o dom da técnica e aquelas que tem jeito. Não significa dizer que quem tem o dom nasce sabendo tudo, mas que um pequeno estímulo serve como gatilho para a exposição de determinada habilidade e uma vez que este indivíduo tenha meios, mesmo que sejam precários, o talento se desenvolve rapidamente com ele à medida que o pratica. Quem é bom porque treinou muito, consegue chegar  perto dos primeiros e às vezes é difícil  distingui-los. Os que tem jeito são a maioria da população que por motivos vários desistem  de suas aptidões. 
Eu sou uma que tinha jeito para o desenho. Lembro de inclusive ser a escolhida para desenhar um cartaz em nome de todos os alunos da escola porque era a única criança que conseguia razoavelmente desenhar uma mão. Assim como recordo do contrabando artístico que eu fazia desenhando para os meus colegas  reproduções de pintores da Semana de Arte Moderna. Nunca me senti tão popular como naquela época. Mas vai saber, isto não despertou a atenção da minha mãe, imagino se fosse alguma área das exatas se não ia ter participado de "oficinas" e coisas do tipo. 
Quando eu tinha sete anos, o tema era fazer uma redação sobre as férias e eu fiz sobre uma viagem com o meu pai*. Ele veio me buscar em um avião de madeira vermelho, nós passamos pela cidade e vimos as pessoas bem pequeninhas lá  embaixo e no final "tudo era ilusão". A professora chegou a falar para a minha mãe que admitiu-se impressionada. Naquele tempo internet era um sonho distante e as crianças tinham menos expectativas nas costas...
Não acho que tenha o dom, eu acho que tenho jeito para escrever, embora hoje pudesse ter mais se não fosse a preguiça e auto-comiseração companheiras constantes. Uma das coisas que diferencia as pessoas que tem o dom das outras, é a simplicidade em tocar um monstro que é um piano com trocentas teclas, fazendo com que pareça com um afago que se faz a um cachorro peludo. Pessoas assim fazem pensar que até eu poderia  aventurar-me sem sofrer um arranhão. Pessoas como o Leonardo Sakamoto que brincam com as palavras com uma destreza tão linda que apetece a qualquer um  afinar o alfabeto e compor uma canção.

*Meu pai nunca me assumiu nem financeiramente nem emocionalmente. Tudo que lembro dele foi o primeiro e último encontro que tivemos quando eu tinha cinco anos.


"Primeiro, foram os nomes dos netos. Depois, a literatura que amava. E ela foi largando sua bagagem. Foi estranho, mas o Alzheimer lhe concedeu o direito a uma lembrança. O que é forte o suficiente para vencer o vazio? Para ela, o primeiro encontro com o marido. Passava as tardes na janela, esperando. Ele, todos os dias, por um ano, trouxe margaridas. Numa noite, disse: “Não precisa mais. Já te amo”. E dormiu."


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"Raquel ensaiava a entrada triunfal na Sapucaí há anos. Perto de fevereiro, adiava a fantasia. Até que um câncer lhe deu direito a apenas mais um Carnaval. Juntou economias, pegou um ônibus e só parou quando cruzou a Apoteose. Enfim, estava em paz. No seu último dia, riu da pressa do repórter que cumpria uma pauta. “Não é o tempo que passa voando. É a gente que atropela a vida.'' E confessou: “Vou viver para sempre''.


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"Ele sabia ler a chuva. E escrevia pela enxada. Sua tristeza eram as mãos, feridas pela necessidade. Por nunca ter segurado um lápis, fez o impossível para seu menino. Na hora da foto de formatura, plantou fundo as mãos nos bolsos da calça surrada, com medo de envergonhar o filho doutor. Com carinho, o rapaz as colheu, abriu feito palma de flor e desferiu longo beijo. Desde então, Emanuel sorri quando olha para elas."

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"Vó curava os dias tristes com bolinhos de chuva e esticava as manhãs leves com broas de milho. Cair da bicicleta dava em galinhada; perder um dente, em sorvete de nata. E para dor de saudade, vó? Ela sabia que, para isso, não havia receita, pois durante anos tentara cozinhar a perda do vô. E jogou o soluçar do neto no ombro, tirando o amargo de sua boca e enganando o vazio."

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"Fazedor de arco-íris, seu avô dizia que era dele a tarefa de pintar os céus depois de tempestades. Ao fim de um aguaceiro, ele se refugiava no velho moinho, girava a roda d’água e uma curva colorida se abria no horizonte. Orgulho. Quem além dela tinha avô poderoso assim? Até que, em uma tarde sem nuvens, o coração do velho desabou sobre a plantação. Ela, em prantos, correu para o moinho a fim de pintar para ele. Girou, girou, girou, mas nada. Vendo tristeza tão sincera, o céu se encolheu e chorou. E o mais belo arco-íris que o mundo já viu se fez."

Eu e esta minha mania de musicalizar a vida

Não tem vez que resolvo escrever sobre qualquer coisa que uma palavra não leve a outra, que leva finalmente a uma canção. Ia falar sobre as gaivotas e no quanto é difícil se escapar da merda, venha ela de cima ou debaixo. Estava atravessando a rua outro dia e senti que alguém havia me atirado uma pedra, só que era uma pedra verde e gosmenta. A primeira vez a gente nunca esquece...
 Tem quem tenha periquito de estimação, cocota...minha vizinha do prédio em frente tem uma gaivota. Agora falando assim ficou parecendo aqueles poemas toscos, juro que não foi a intenção! Bicho sacana que é gaivota. Come de graça e ainda caga tudo e depois ri. Cada vez que escuto ela "rindo" à la Fafa de Belém, imagino que tenha acertado  na cabeça de alguma criatura. 
Quando fiquei sabendo que O Pato de João Gilberto ganhou uma versão francesa, pensei se não ia começar com ~ a gaivota vinha cantando alegremente (nhén nhén) quando a pomba sorridente pediu para entrar também no samba (no samba, no samba). Samba Dingue ou samba do maluco, toca em looping na minha cabeça e no mp3 também. Não tem aquelas musicas que se tem medo de enjoar, mas que a vontade de escutar é sempre mais forte? E não é que a língua  de Molière tem tudo a ver com samba? "é por tudo, quando eu penso que sou um maluquinho, quando misturo o francês ao Brasil", bem melhor do que o suposto samba que uma gaivota, uma pomba e um cisne (nunca disse que mora um casal de cisnes bem na esquina onde o rio se encontra com o mar?) poderiam fazer. Mas isto eu sou suspeita para falar, porque sou dingue, dingue, dingue como diria o Raul, maluca beleza, pelo samba. 


terça-feira, 26 de maio de 2015

Do pau no gato ao rato verde





Mais uma para aquela torta na cara básica que imagino quando alguém solta um "só no Brasil":
A dona Chica (cá-cá) admirou-se com o berro que o gato deu, mas será que ela faria o mesmo com os "messieurs"* que ao verem o  rato pego pelo rabo, sugerem que o joguem no óleo, depois na água quente para fazer como se cozinha o caracol?

A musiquinha "Une souris  verte" anda tão na moda aqui em casa que tem dias que às vezes dou por mim cantando a má sorte do ratinho. Ô dó!


* senhores

quinta-feira, 21 de maio de 2015

O Fabian aprende sobre auto-controle

Veio todo feliz semana passada segurando uma figurinha de álbum com aqueles bichos feios que nunca sei o que são. "Viu, mãe, eu que ganhi! Eu si comporti!" Dormiu com ela amassada entre as mãos e no outro dia queria levar para a escola. Parece que o sistema é assim: cada dia antes da saída, a professora decide se o comportamento foi bom ou mau e conforme for, a criança ganha um "soleil" ou uma "nuage"* no quadro ao lado do seu nome. Cinco ou quatro soleils dão direito ao prêmio, como diz o Fabian, o "prêmio de levar para casa". 
Quando pergunto-lhe como passou o dia, ele me olha com a cara mais feliz do mundo e com as mãos ao lado do corpo duras e os punhos fechados, diz : "Eu si comporti mãe, não bati em nenhum dos meus amigos". Isto segredado em uma mistura de naturalidade e orgulho, como se não fosse uma obrigação social controlar tais impulsos. E eu? Sorrio de alívio, claro... Haja tempo para que a recompensa seja  comida, cigarro, futebol ou sexo. Formulas de escape de adultos, não tão inofensivas quanto uma carta amassada entre as mãos.

* Sol ou nuvem.
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