sexta-feira, 8 de maio de 2015

Pior que um dia das mães, são três



O que se vê a cada quinze minutos nas propagandas na tv, nos anúncios do YouTube (até tu Brutus?!), na linha de tempo do facebook em meio à muita melosidade e fotos de mães felizes, faz com que seja impossível esquecer desta data (embora eu me esforce). Domingo passado foi dia das mães em Portugal, neste domingo é no Brasil e no fim do mês aqui na França. A coisa só não é mais maçante porque este pessoal ainda não fez como as testemunhas de Jeová, mas também, imagina lá em pleno domingo antes da oito: "você tem uns minutinhos para ouvir uma palavra sobre a maternidade"? Elas deveriam falar a verdade, nunca é só uma palavra. Para o comércio, é lucro, mesmo que seja um lucro disfarçado entre comerciais a puxar a lágrima do olho. Para as mães, é pessoal. Como se através daquela simples charge, foto de família ou frase de inspiração, quisessem catequizar o mundo, mostrar para as pobres coitadas que  não são mães, que a vida delas não vale nada, que tudo que elas conhecem por felicidade não é A felicidade. Que o amor, não é O amor e que apesar delas dizerem que estão bem assim, a sua existência não tem qualquer sentido se não passar para o lado "rosa" da força. O que significa deixar de lado qualquer lógica que podiam possuir, tipo adorar sofrer. É, o sofrimento é uma coisa boa, no pain no gain. Vamos lá malhar a falta de noção, já que não é com bumbum na nuca nem barriga negativa que se faz a melhor mãe do mundo. E para quem acha que exagero, é porque nunca leram comentários de revista de pediatria, nem nunca escutaram as conversas que pululam no parquinho só para dar exemplos mais óbvios. É por isto que ainda me surpreendo como esta gente fanática não começou a espalhar a (sua) palavra porta a porta. O problema é que mesmo depois de passarmos para o lado delas, há um código de conduta tão rígido que por mais que façamos, nunca é o bastante para ganharmos o cracházinho de mãe propaganda do Zaffari. 
Estes dias vi um vídeo em que o locutor perguntava para algumas crianças o que elas queriam ser quando crescer. As respostas: bailarina, motorista de caminhão, médico... Depois de closes e música de fundo dedilhada num piano, ele volta sua atenção para as mães e pergunta: e você, o que vai ser quando o seu filho crescer? A câmera desfoca e treme, as mulheres se sentem paralisadas com uma pergunta que talvez seja a primeira vez que lhes fizeram. Umas choraram, na boa que era quase uma obrigação chorar. Devem tê-las escolhido assim: olha, temos aí um comercial, mas vai ter que ter choro. Então o silêncio se prolongou e nenhuma conseguiu responder. E eu fiquei tipo, como assim o que eu vou ser, como se não houvesse vida para além dos filhos criados? No fundo, o vídeo  aborda sem querer, um dos dogmas desta maternidade-religião: o apagamento da mulher como um ser plural. Basicamente em nossa cultura ocidental, podemos dividir a mulher em antes e depois de ser mãe. Lembrando que as que escolhem não sê-lo são para sempre taxadas de egoístas e outros mimos. Ainda em pleno século 21 não é nos dado uma verdadeira escolha, é mais tipo uma maternidade compulsória, em que esta  é o ponto alto senão o único da existência feminina. Não há qualquer viagem, mestrado, doutorado, casamento, realização profissional que batam ao Nirvana que é ser mãe. O que me deixa abismada, é que o comércio lucra com isto, mas e elas ganham o quê azucrinando e diminuindo a vida das outras? Imaginava eu que toda religião pregasse amor e tolerância (por mais que fosse na teoria)...

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Disseram que ia chover...

Deitada na praia com um punhado de areia morna em cada mão, ouvia o Fabian e sua nova amiga a brincarem de encher o buraco que cavaram. Ele ia e voltava com o balde balançando pesado entre os dedos. Enquanto isto, dezenas de idiomas se misturavam à minha volta e eu como em um jogo silencioso, tentava adivinhar de onde eram os meus companheiros de praia. O vento empurrava languidamente as velas de um laranja berrante, o catamarã gigante que está quase sempre ancorado, saiu finalmente da marina. Idosos comiam sorvete sentados de frente para o mar, dois casais de motoqueiros deixaram seus capacetes para tirar fotos nas pedras. Uma senhora de mais de oitenta anos fazia topless, adolescentes jogavam bola e um cachorro latia ao longe. Estava mais um ordinário dia de sol, com as gaivotas planando sobre meus óculos. Ainda bem que se enganaram.


sexta-feira, 24 de abril de 2015

Não basta ser mãe (tem que participar)

Nesta semana, enquanto passava as mãos nos cabelos castanhos do Fabian, encontrei uma bolinha branca. Parei e foquei o olhar enquanto minhas unhas deslizavam para tirá-la. Opa, mais uma. Mais outra! Para a claridade já! E foi assim que pipocaram brotando dos confins deste pequeno couro cabeludo, incontáveis bolinhas e piolhos, dezenas deles. O marido correu à farmácia e trouxe o que havia de melhor tipo o Vanish dos mata piolhos: oxy action multi piolho killer. Então tá. 
É claro que eu não esperava que sua infância passasse incólume a este mal, mas trazer para casa logo  uma colônia destas?! Enfim, fiz tudo o que estava ao meu alcance e fui dormir me coçando toda. É psicológico, dizia a mim, ninguém que tenha visto tantos piolhos de uma vez só,  vai ficar paradinha como se nada fosse. 
Até que no dia seguinte não resisti e virei-me para a única pessoa que podia me ajudar: o meu querido marido míope que não enxerga nem a minha celulite, que dirá mini piolhos nos meus cabelos compridos. Demorou meia hora para ele se resolver se o que eu tinha eram lêndeas ou caspa, mas infelizmente fui carimbada. Eu, burra velha, peguei piolho aos trinta anos de idade. 
E vai de loção, massageia-enxágua, massageia-enxágua. Tentei passar o pente fino e isto só fez o meu cabelo ficar elétrico. Crente de que já estavamos livres destes pequenos demônios, eis que vejo o Fabian coçar a cabeça e acho mais dois muito muito pequenos que devem ter vindo de alguns ovos que não consegui tirar. Corre o marido de novo para comprar outro mata piolhos e eu fico me lembrando da cara de despreocupada que a professora do Fabian fez quando foi avisada de que ele tinha pego piolho. "Ah, isto é assim agora". Pois, mas e se ninguém trata da cabeça dos seus filhos, ando eu aqui a pagar anti-piolhos para nada? Mais vale comprar um macaco destes, sai bem mais barato!


Pa pa pa paia pa papa pa paia


Tornei-me emigrante pelas circunstâncias do amor, diria. Nunca tive aquele bichinho que me impulsionasse para fora da minha zona de conforto: não passei fome, nem por qualquer experiência traumatizante, tal como assalto, sequestro, etc. Vontade de mudar ou mudar-me...nada. Foram emails e cartas e algumas visitas mais tarde que me deram a certeza de que não seria feliz se não fosse atrás dele. 
Meu caminho foi fácil, fiquei ilegal apenas um par de meses se muito, enquanto esperava impacientemente pelo reagrupamento familiar, pois a extensão do visto de turista tinha terminado. Digo que meu caminho foi fácil (embora tenha sido emocionalmente duro), comparado com tantas histórias que a gente vai sabendo por aí. Sentir medo quando a polícia vinha nunca fez parte da minha vida, assim como sair atrás de empregos mal remunerados, sujeitando-me a ser explorada, morar mal, às vezes com desconhecidos, trabalhar de dia para comer à noite...  Mas há quem sujeite-se a isto, seja por sonho de conhecer outros lugares, seja para juntar dinheiro e voltar, seja por desespero em que mesmo a situação mais precária é melhor do que a que estava habituado em seu país de origem.
Gostei deste filme porque é muito pé no chão, tira esta visão glamourizada que se tem de que viver fora é um paraíso e principalmente, aquele cinismo europeu de achar de que todo emigrante vem  para ficar nas costas dos contribuintes. 
E como francês é um eterno apaixonado pelo Brasil, ainda temos Jorge Ben na trilha sonora ao lado de Gilberto Gil, assim como um personagem "brasileiro" e Omar Sy representando "Samba", comme la musique. Tem como resistir? 


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