quinta-feira, 21 de maio de 2015

Se eu aceitasse era capaz de doer menos

Uma das coisas que a vida tem tratado de me ensinar é o quanto sou tola em acreditar na sua imutabilidade. Chegou um ponto que disse: vida, não mexas mais! Está bom assim. Mas parece que nasci mesmo para andar em montanha russa, logo eu que detesto alturas e a sensação de que o estômago vai sumir cada vez que rodopio. 
Quando fui buscar o Fabian na escola, voltei olhando para o prédio da esquina. Olhei para a sacada do primeiro andar, é lá que eu moro. Ainda tenho casa...mas e amanhã? O que será será? Não disse nada, mas o que mais me mata foi ter ignorado as vezes que o marido contou que achava que aquilo não andava bem. Eu: o quê, deixa de ser pessimista! Eu, logo eu, a pessoa que vê o copo vazio e que pela primeira vez brincava de o ver meio cheio. O que mais me dói é ter esta inocência ainda cravada dentro de mim. Não nasci para morrer perto do mar, nasci para espirais e afundamentos em grande velocidade, nasci para aquela sensação de subida que fazemos com tanto esforço, acabar em um abismo em poucos segundos.

terça-feira, 12 de maio de 2015

Os iates da marina

Quando caminhamos pela praia sempre dou um jeito de olhar para eles, bem lá no fundo, passando os barquinhos, as lanchas, devidamente enfileirados de bunda para nós. Às vezes olho de cima, quando estou em uma espécie de praça-deck que abriga um dos parquinhos da cidade. São como brinquedos de adulto só que de fibra ao invés de plástico, só que caros, extremamente caros para o bolso de 99% da população. 
Estes dias o marido viu que estavam vendendo uma vaga na marina pela pechincha de 230 mil euros, detalhe: vale apenas para dez anos. O preço de um apartamento para estacionar o barquinho por uma década. Mas obviamente, quem teve uns cinco milhões para desembolsar na compra, não está preocupado com esta mixaria. 
Eu sei que estamos em plena época do beijinho no ombro, do cidadão começar a falar e já tem dedo apontando que é inveja. Mas de verdade que não tenho inveja disto (ao menos), tanto que eu penso que mesmo me tornando uma milionária, jamais compraria um iate, na loucura, talvez alugasse um por um fim de semana. Eu acho é obsceno mesmo. Acho obsceno uma pessoa ter a quantidade de dinheiro para comprar um barco que fica parado há mais de três meses. E sim, eles ficam mesmo parados. 
Eu tinha uma professora de história que dizia: o suor do teu trabalho pode comprar uma casa, pode comprar um carro ou dois, pode até comprar duas casas (uma de praia), e te levar para viajar fora do país. Mas o suor do teu trabalho não compra um prédio, nem uma ilha, nem um iate (completo eu). Há muita gente que teve que ser explorada, que teve que ganhar baixos salários, muita sonegação teve que ser feita para que tu pudesses usufruir deste bem. E eu concordo. Acho engraçado virem com aquele papo de comunista, esquerdista, sei lá mais o quê, principalmente vindo de quem é pobre. Então a pessoa acha que se trabalhar muito pode ganhar dinheiro para comprar um iate? Conta esta pro papeleiro que carrega sua carroça doze horas por dia para vender papel a dez centavos o quilo. Ou pro professor de escola pública, ou para a empregada doméstica, ou para o frentista (é aquela pessoa que põe o combustível  para os clientes do posto)*... e a lista segue. Já falei sobre isto aqui mas volto a dizer, a meritocracia me dá asco. Continuando, vendo por outro lado, quer dizer que se aquele sujeito é rico, é por que de fato mereceu? Eike Batista que o diga. As portas se abriram só porque viram que ele era o espírito empreendedor materializado na Terra? Ou será que foi porque o cara já nasceu um tiquinho rico, molhou a mão do governo, pagou mal seus funcionários, teve protecionismo quando os negócios não andavam muito bem?  
Talvez quem possa de fato dizer que comprou um iate com o seu suor, seja algum jogador de futebol. Embora possamos divagar a origem  daquela grana (já que futebolisticamente falando, alguns salários e contratos milionários escondem muita lavagem de dinheiro), talvez o único exemplo legítimo de meritocracia seja o do jogador de futebol. Um grande craque pode vir de qualquer lugar, apesar de vir principalmente das classes mais baixas. Ele pode ter um dom, mas com certeza para que se destaque e possa garantir o seu primeiro milhão, vai ter que dar muito duro e treinar para isto. Se ele conseguir que alguém o agencie, se ele tiver condições de ter um bom treinador, se ele tiver tempo para jogar quatro horas por dia ou mais, se ele tiver tratamento adequado quando surgirem lesões, se ele não arrumar confusão quando o deixarem no banco de reservas, se ele conseguir ser decisivo quando o seu time mais necessitar, então sim, ele mereceu se dar bem. Pena mesmo é que não podemos transpor este sucesso para as restantes profissões, pois eu desconheço um biólogo por exemplo, que possa comprar um jatinho com o seu salário. Seria muito fácil, mas nada lógico ignorarmos todas as estruturas sociais e econômicas que levam a que alguns consigam estacionar um iate sem usá-lo e outros batalhem para pôr comida na mesa. Mas o pior de tudo, é ver que há gente que ache isto justo. Eu não, acho obsceno. Mesmo que o iate preto com cinza que vi hoje, tenha escrito na bunda "Leomar" e que seja de algum jogador brasileiro.

*explicação necessária, pois não existe esta profissão  na maior parte da Europa.

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Pior que um dia das mães, são três



O que se vê a cada quinze minutos nas propagandas na tv, nos anúncios do YouTube (até tu Brutus?!), na linha de tempo do facebook em meio à muita melosidade e fotos de mães felizes, faz com que seja impossível esquecer desta data (embora eu me esforce). Domingo passado foi dia das mães em Portugal, neste domingo é no Brasil e no fim do mês aqui na França. A coisa só não é mais maçante porque este pessoal ainda não fez como as testemunhas de Jeová, mas também, imagina lá em pleno domingo antes da oito: "você tem uns minutinhos para ouvir uma palavra sobre a maternidade"? Elas deveriam falar a verdade, nunca é só uma palavra. Para o comércio, é lucro, mesmo que seja um lucro disfarçado entre comerciais a puxar a lágrima do olho. Para as mães, é pessoal. Como se através daquela simples charge, foto de família ou frase de inspiração, quisessem catequizar o mundo, mostrar para as pobres coitadas que  não são mães, que a vida delas não vale nada, que tudo que elas conhecem por felicidade não é A felicidade. Que o amor, não é O amor e que apesar delas dizerem que estão bem assim, a sua existência não tem qualquer sentido se não passar para o lado "rosa" da força. O que significa deixar de lado qualquer lógica que podiam possuir, tipo adorar sofrer. É, o sofrimento é uma coisa boa, no pain no gain. Vamos lá malhar a falta de noção, já que não é com bumbum na nuca nem barriga negativa que se faz a melhor mãe do mundo. E para quem acha que exagero, é porque nunca leram comentários de revista de pediatria, nem nunca escutaram as conversas que pululam no parquinho só para dar exemplos mais óbvios. É por isto que ainda me surpreendo como esta gente fanática não começou a espalhar a (sua) palavra porta a porta. O problema é que mesmo depois de passarmos para o lado delas, há um código de conduta tão rígido que por mais que façamos, nunca é o bastante para ganharmos o cracházinho de mãe propaganda do Zaffari. 
Estes dias vi um vídeo em que o locutor perguntava para algumas crianças o que elas queriam ser quando crescer. As respostas: bailarina, motorista de caminhão, médico... Depois de closes e música de fundo dedilhada num piano, ele volta sua atenção para as mães e pergunta: e você, o que vai ser quando o seu filho crescer? A câmera desfoca e treme, as mulheres se sentem paralisadas com uma pergunta que talvez seja a primeira vez que lhes fizeram. Umas choraram, na boa que era quase uma obrigação chorar. Devem tê-las escolhido assim: olha, temos aí um comercial, mas vai ter que ter choro. Então o silêncio se prolongou e nenhuma conseguiu responder. E eu fiquei tipo, como assim o que eu vou ser, como se não houvesse vida para além dos filhos criados? No fundo, o vídeo  aborda sem querer, um dos dogmas desta maternidade-religião: o apagamento da mulher como um ser plural. Basicamente em nossa cultura ocidental, podemos dividir a mulher em antes e depois de ser mãe. Lembrando que as que escolhem não sê-lo são para sempre taxadas de egoístas e outros mimos. Ainda em pleno século 21 não é nos dado uma verdadeira escolha, é mais tipo uma maternidade compulsória, em que esta  é o ponto alto senão o único da existência feminina. Não há qualquer viagem, mestrado, doutorado, casamento, realização profissional que batam ao Nirvana que é ser mãe. O que me deixa abismada, é que o comércio lucra com isto, mas e elas ganham o quê azucrinando e diminuindo a vida das outras? Imaginava eu que toda religião pregasse amor e tolerância (por mais que fosse na teoria)...

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Disseram que ia chover...

Deitada na praia com um punhado de areia morna em cada mão, ouvia o Fabian e sua nova amiga a brincarem de encher o buraco que cavaram. Ele ia e voltava com o balde balançando pesado entre os dedos. Enquanto isto, dezenas de idiomas se misturavam à minha volta e eu como em um jogo silencioso, tentava adivinhar de onde eram os meus companheiros de praia. O vento empurrava languidamente as velas de um laranja berrante, o catamarã gigante que está quase sempre ancorado, saiu finalmente da marina. Idosos comiam sorvete sentados de frente para o mar, dois casais de motoqueiros deixaram seus capacetes para tirar fotos nas pedras. Uma senhora de mais de oitenta anos fazia topless, adolescentes jogavam bola e um cachorro latia ao longe. Estava mais um ordinário dia de sol, com as gaivotas planando sobre meus óculos. Ainda bem que se enganaram.


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