segunda-feira, 13 de julho de 2015

A outra

- Alô...amor?
- Alô...oi
- Tá tudo bem? Como foi de viagem?
- Hummm t-tudo bem, o vôo atrasou uma hora...a...
- Amor? Sua voz tá pastosa. O que houve? 
- Nada não, querida. Tô só...cansado. Deixa eu tomar um banho que já te ligo.
A linha caiu em um barulho oco. Do outro lado do oceano Vítor era atacado por um polvo, lutando sofregamente por uma lufada de ar, enquanto sua boca  era sugada e revistada pela língua de Celine. Levantava o braço como forma de afastá-la, mas a ruiva de pernas longas alapou em sua garupa em direção ao banheiro. 
- Isto não se faz, Celine. Poxa, ela quase desconfiou.
- Oh la la... a Maitêzinha, coitadinha dela com a sua bolsinha Louis Vuitton. Se soubesse quem foi que comprou... Toma! - atirou o embrulho para o seu dorso meio nu. - Fiquei com o troco.
Disse desvencilhando-se da calcinha e entrando na banheira. Um arrepio de prazer percorreu sua nuca, mergulhou e emergiu de olhos fechados. Vítor ainda brigava com a gravata meio pendida, enquanto tirava o relógio e as meias. Afastou em um golpe a sacola que guardava a bolsa, o presente mais que desejado da esposa. 
- Vem logo!
Vítor foi. Entrou na banheira e entrelaçou os dedos em seus seios. Durante alguns minutos tudo que ouviram um do outro foi a respiração. Os cabelos finos se espalharam pelo peito grisalho do amante, que só despertou do transe quando Maite passou esvoaçando em sua mente. O celular. Precisava ligar de volta, precisava mandar um sms dizendo que a amava e que sentia muito a sua falta. Quanto tempo estiveram assim? Meia hora, uma hora ou mais? Celine antecipou-se e tentou agarra-lo, mas desta vez ele não lhe dera chance. Saiu pingando, badalo balançando até a mesa de cabeceira. Enxugou os dedos antes de digitar. Estava mal disposto lhe confessara, ia dormir ate recuperar-se do jet lag. Depois deitou-se feito Cristo Redentor, os braços esticados e os olhos semi-cerrados. Viu quando ela aproximou-se feito animal no cio, ronronou seu nome. Aquele sotaque  fazia com que este se transformasse no mais chulo palavrão sexual, mais, aquele sotaque arranhava com luxuria qualquer palavra da lingua portuguesa. Nunca imaginou que se tornaria verdade a ligeira fantasia que o acometia de cada vez que cruzasse olhares com uma mulher bonita. E no entanto, la estava ela, a jovem interprete que a empresa havia lhe oferecido para as reuniões em Paris, de pernas abertas sobre sua cintura. 
- Que saudade de beijar seus lábios...
Ela aproximou-se devagar.
- Beija então...meus lábios...de  baixo...

                                                                           * * *



Maite recebeu com alguns minutos de atraso o sms. Segurou o sorriso diante da amiga. 
- Quem era? - Angela disse em um sussurro.
- Era o Vítor. Esta em Paris já.
- Ele anda viajando muito, ne?
Maite assentiu enquanto empurrava um pedaço de torta de nozes para a boca. Negócios...talvez um dia se mudassem de vez para la, mas não quis comentar nada. Ha certas coisas que não gostava de falar nem para si mesma. Olhou para a amiga: pés de galinha e olheiras que não estavam ali seis meses atrás. Angela tinha se separado depois de descobrir que o marido tinha outra. Não era uma outra qualquer, era uma outra com a metade de sua idade, com os peitos a apontar ao céu e nenhuma celulite na bunda. Ela viu, o filho mostrou o instagram dela. Todas aquelas mensagens enigmáticas sobre um amor impossível, aquelas que vem com imagens de por-do-sol e filhotes de cachorro. Cachorro. Safado. 
- Como ele pode? 
- Hum? 
A amiga ignorou sua intenção de falar e continuou soltando  palavras monocórdicas sala à dentro.
- Vinte anos de casamento jogados no lixo... Vinte.. íamos fazer vinte este ano. Iamos para Bora Bora. Me fez ver passagens e tudo...cachorro.
 Maite lembrou de Vera, de Ana, de Paula. Todas com problemas de infidelidade no casamento, todas vindo chorar em seus ombros como que a perguntar como eles conseguiam continuar apaixonados como antes. Algumas admitiram uma certa inveja quando percebiam que Vitor ainda era do tipo que se preocupava, marcava jantares a dois, ligava duas a três vezes por dia, voltava de viagem sempre com um presente bom. Especulavam, atiravam teorias para o ar..."foi porque não tiveram filhos", "ainda tem um corpo bom", "não cobra tanto como eu"...etc. Chegou um tempo em que sentia-se deslocada nas conversas porque só tinha coisas boas para falar do marido. Deixaram de convida-la, todas menos Angela que gostava de companhia para comer e se lamentar. 
- Lembra do Augusto?
- Qual?
- Aquele quarentão, amigo do João. Gostoso, devia ter comido enquanto podia. 
...
...
...
- Vinte anos... vinte anos de casamento jogado fora...
Maite rolava as mensagens no celular e agradecia a Vitor por seguir acreditando no amor.



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